por Ceres Araujo
O quinto mandamento: “Honra seu pai”, implicava nos deveres do filho e nos direitos dos pais. Até no meio do século passado, a educação dos filhos era exercida por meio de uma disciplina severa e rigorosa. Os filhos deviam obediência e respeito a seus pais.
Nos tempos que se seguiram, a psicologia veio mostrando os danos, para o desenvolvimento pleno do ser humano, de uma educação demais restritiva. Paulatinamente, da tese se passou à antítese e agora se tem os danos decorrentes de uma forma muito permissiva de se criar filhos.
Vivemos em uma época onde o culto imemorial dos pais perdeu a força. Estamos inseridos em uma sociedade baseada na expressão e afirmação da personalidade individual, que deve ser exercida desde cedo no desenvolvimento. Assim, vivemos a cultura centrada na criança. É o tempo do bebê cidadão e da luta pelos direitos da criança.
O patriarcado de décadas foi substituído pelo filiarcado. Hoje, pregam-se os direitos dos filhos e os deveres dos pais. Cabe aos pais dar aos filhos as melhores condições de aprendizado, nada pode lhes faltar, para que eles cheguem à vida adulta com recursos para enfrentar as demandas tão competitivas do mundo. A família passou a ser uma empresa a gerenciar de forma “otimizada”, onde todos e os melhores investimentos são feitos nos filhos, com a perspectiva que eles venham a serem homens de sucesso.
Superpoder da criança
Nos dias de hoje, os pais percebem que seus filhos são muito espertos, muito inteligentes, muito independentes, muito exigentes e muito intolerantes – em síntese: são assustadores. Algumas crianças, possivelmente as mais impulsivas, tornam-se ainda mais assustadoras. São crianças que têm dificuldade para aceitar limites, que não aguentam frustrações, que não toleram esperas, que querem ser satisfeitas em todas as suas necessidades, se possível de forma imediata, que exigem ser o centro único de atenção da família… Impõem seus desejos aos gritos, com manhas e birras. Usam condutas de negativismo e oposição. São crianças que permanecem onipotentes e que se tornam superpoderosas na família e, muitas vezes, também na escola.
Os pais, assustados, ficam refém de seus filhos. As crianças superpoderosas mantêm seus pais como serviçais, subjugando aquelas pessoas que deveriam ser valorizadas, respeitadas e idealizadas como modelos de identidade. Estabelecem com eles uma relação de dominação e, como consequência, têm dificuldade com o aprendizado das relações amorosas. Na luta pelo poder, aprendem a funcionar mais por relações hostis. Eros não pode ser desenvolvido, pois predominam relações de controle e poder.
Muitos pais permanecem em uma atitude de veneração em relação a seus bebês, amando-os, mas não usam o poder, que lhes cabe, para conter seus bebês. Esses bebês não recebem a continência, são apenas venerados e isso não basta. Muitos pais, desesperados por sua impotência, se referem ao filho como sendo um bebê difícil, um monstrinho ou um diabinho, referindo-se ao “inferno” que se transformou a casa.
Esses bebês crescem e tornam-se crianças ainda mais tiranas, causando muito estresse no ambiente familiar.
Como os pais devem exercer sua autoridade?
A família não pode se constituir como uma democracia. Não se trata de voltar à época dos pais autoritários, mas apenas pais valorizados serão respeitados e, de verdade, amados. Ama-se aquele a quem se admira. Pais valorizados, admirados são pais que exercem uma autoridade firme, mas tranquila e afetiva e, dessa forma, conseguem garantir proteção e segurança para seus filhos. Quando são as crianças que mandam em casa, elas ficam desprotegidas, pois pais, sentidos como frágeis, não são percebidos como capazes de garantir, a seus filhos, a proteção necessária.
A criança tem que ser um ser obediente, para, na adolescência, se tornar alguém que pode desobedecer e, dessa forma ganhar autonomia em relação a seus pais. Entretanto, só será capaz de desobedecer na adolescência quem realmente obedeceu na infância. Percebo que muitos pais colocam os “nãos” para seus bebês e filhos pequenos, justificando-os com discursos longos e quando os filhos chegam à adolescência, colocam o “não e ponto”, pois já estão cansados de explicar o porquê do “não”. Nada mais errado e injusto com o adolescente!
Na infância, a única justificativa possível é: “não, meu filho, porque quem sabe o que faz bem para você, o que é bom para você, somos nós, seu pai e sua mãe”. Na adolescência é o momento de explicar muitas vezes o porquê do “não” e, inclusive de se mudar de idéia, caso o filho argumente, de forma lógica e contundente, suas razões.
Costumo falar que dizer “sim” é muito fácil, mas dizer “não” dá trabalho, cansa, estressa. Porém, a maior prova de amor que os pais podem dar a seus filhos é se dar ao trabalho de dizer o “não” e de mantê-lo, ainda que estejam exaustos. A birra, a oposição, a insistência e a obstinação podem ser vistas como positivas, pois mostram que a criança está lutando pelo que deseja, mas qualquer criança tem que perder no confronto com seus pais. Costuma-se dizer que “Quem ganha na birra, perde na vida”. A criança mandona e superpoderosa precisa se transformar em uma criança obediente a seus pais.