por Ceres Alves Araujo
Estamos vivendo, no nosso País, um tempo de crises: política, econômica e moral. Crises são sempre vividas como adversidades, determinam aumento de tensão, de estresse e exigem enfrentamentos. Elas podem ser menos ou mais prolongadas, mas elas não se eternizam e trazem a necessidade de mudanças, de transformações nos hábitos e costumes das diferentes instituições sociais, inclusive da família.
Com a crise econômica, que se está vivendo, o orçamento familiar precisou ser revisto. Dentre as muitas mudanças, pode-se citar a diminuição do investimento em atividades extraescolares dos filhos. Após uma época de investimento maciço na educação dos filhos, surgiu nesses tempos sombrios, a necessidade de se racionalizar os gastos, também em relação à educação das crianças.
Assistiu-se à migração de crianças das escolas particulares para as escolas públicas, mas mesmo as crianças que permaneceram no ensino privado, tiveram suas atividades extraescolares reduzidas. Aulas de dança, de música, de línguas, de esportes etc, não raro, foram diminuídas ou mesmo canceladas.
Anteriormente ao surgimento dessa crise econômica, a quantidade de aulas, às quais os filhos eram submetidos, era justificada pela crença dos pais de que quanto mais preparada estivesse a criança, maiores seriam suas chances de sucesso nesse mundo tão competitivo. Assim, a família era cuidada como uma pequena empresa que exigia altos investimentos na expectativa de igualmente altos rendimentos no futuro. Pais se empenhavam para dispor de capital para tal investimento e as crianças ficavam com uma agenda repleta, cheia de aulas e de treinamentos.
Agora isso mudou, pelo menos temporariamente. Muitas crianças não têm mais agendas tão cheias e, como consequência, ganharam mais tempo de lazer, mais tempo para brincar e mais tempo para se entreterem com elas mesmas. Quanto aos pais, eles tiveram que racionar seus investimentos nos filhos e isso criou, para muitos, culpa, decepção com eles mesmos, insegurança e angústia.
Reflexão
Cumpre aqui uma reflexão em relação a esse tema. Observando como era antes ao surgimento dessa crise e como é agora, percebe-se vantagens e desvantagens nas duas situações. É evidente que as crianças se beneficiam e muito de uma estimulação ampla e de boa qualidade, pois as redes neuronais se formam em função das experiências que a criança vive. O cérebro é dependente do uso. Mas, o excesso de estimulação e o excesso de compromissos podem ser lesivos, por gerar níveis de estresse muito acima da possibilidade da criança administrar, incapacitando o aprendizado real.
No momento atual, ficar mais em casa, com mais tempo livre tem trazido para muitas crianças a oportunidade de maior autonomia na escolha do que fazer, do que brincar, favorecendo o exercitar da criatividade.
Entretanto, devido a ter mais tempo livre, muitas crianças têm permanecido períodos longos demais frente aos aparelhos eletrônicos. Os aparelhos eletrônicos não são indesejáveis, ao contrário, a meu ver eles permitem aprendizados e vivências incríveis, mas o excesso de tempo no uso deles é que se torna malévolo.
Assim, dentre todos as adaptações e os ajustes necessários para o enfrentamento da crise econômica que aí está, percebe-se essa alteração importante na vida das crianças. Quem sabe, ao fim dessa adversidade, poderemos ver uma média mais saudável na distribuição do tempo das crianças. As crises nos fazem muito mal, mas também nos tornam resilientes e nos ajudam a repensar as formas de viver. Cabe a nós buscarmos aprendizado com elas.