por Carlos Hilsdorf
“Para essas pessoas que vampirizam as amizades, os ambientes de trabalho, as relações afetivas, você não passa de um suculento “pescoço” (objeto de desejo) e de “sangue fresquinho” (nova conquista). Acredite, esse tipo de “vampiro” é muito mais comum do que você possa imaginar, assim como é incrivelmente comum o número de pessoas que se deixam “vampirizar” porque em um mundo tão distante e carente”
Nós, que nascemos para viver em sociedade, convivemos hoje com um tipo de sociedade muito diferente daquela em que nossos ancestrais exercitavam a conviviabilidade.
Claro que sempre houve competição no mundo, mas também é evidente que sua proporção, intensidade e insanidade cresceram em função do tempo, razão pela qual o individualismo é hoje muito mais frequente que em épocas não tão remotas da própria sociedade brasileira.
Isso explica o sucesso das redes sociais na internet: as pessoas se sentem solitárias, sem tempo, e às vezes sem disposição para o convívio real, mas continuam com a necessidade humana básica de estabelecerem laços e estarem “conectadas”. A tecnologia une as pessoas, não da mesma maneira que as relações não virtuais, mas une. Deve ser encarada como complementar, não suplementar. Deve aproximar as pessoas e não apenas “criar” conveniência para um encasulamento. A necessidade de dividir fotos, trechos de livros, filmes e músicas com as outras pessoas da comunidade virtual expressa um desejo de identidade em um “mundo sem rosto”…
Esse excesso de competição, individualismo e falta crônica de tempo livre, explicam ao menos em parte, muitos dos fenômenos atuais, como por exemplo o sucesso de filmes como Crepúsculo (2008/EUA), direção de Catherine Hardwicke.
Por que o filme estrelado pelo ator inglês Robert Pattinson e pela atriz americana Kristen Jaymes Stewart cativa tanto o público? Ou melhor, porque as mulheres saem tão emocionadas do cinema ao ponto de quererem “um vampiro para chamar de seu”?
O tema dá para uma tese de mestrado, mas vamos lançar apenas algumas reflexões…
Em primeiro lugar o tema do filme não é os vampiros, isso é a fachada, o tema é o amor, afinal não se trata de um vampiro qualquer, mas de um vampiro-herói, que cuida, protege e ama. Ele se importa. E isso faz toda a diferença! É isso que especialmente comove o público feminino. Mulheres, por mais fortes e decididas que sejam, desejam alguém que as proteja e se importe verdadeiramente com elas.
A segunda questão envolve os aspectos psicológicos (arquétipos) contidos nos vampiros: a sexualidade, a tensão e o risco da paixão extrema e perigosa, onde se expõe o próprio “pescoço” e se entrega o próprio “sangue”, uma paixão que evidencia seus aspectos patológicos de vida e morte. Os vampiros são tratados na literatura e no cinema como profundamente sedutores, misteriosos e, à sua maneira, encantadores, pelo menos para quem se identifica…
Na literatura e nos filmes sempre encontramos as pessoas que querem ser mordidas pelos vampiros, querem viver essa intensa emoção de vida e morte, desejam viver a sedução e penetrar no mundo do mistério e, não raro, da fusão com o outro (desejo interior, embora perigoso, de todos os amantes).
O vampiro de Crepúsculo parece-se mais com o doce vampiro de Rita Lee.
No fundo, as pessoas andam muito carentes, e se encontram alguém que se importe e pareça as proteger, se entregam de maneira irracional e inconsequente.
Lembre-se que fora das telas existem vampiros reais, vampiros emocionais que não amam, não se apaixonam, não protegem de verdade e estão apenas interessados no que os favoreça.
Para essas pessoas que vampirizam as amizades, os ambientes de trabalho, as relações afetivas, você não passa de um suculento “pescoço” (objeto de desejo) e de “sangue fresquinho” (nova conquista). Acredite, esse tipo de “vampiro” é muito mais comum do que você possa imaginar, assim como é incrivelmente comum o número de pessoas que se deixam “vampirizar” porque em um mundo tão distante e carente. Ter um vampiro para chamar de seu, parece uma opção válida, mas não é…
Vampiros poéticos como Edward são pouco prováveis na vida real. Vampiros reais são sempre vampiros predadores e, assim como os escorpiões, à primeira oportunidade, manifestam sua essência e seus reais interesses. Como dizia nossa avó: mais vale estar só que mal acompanhado. Não saia por aí expondo sua jugular a qualquer um que se ofereça a cuidar de você!