por Regina Wielenska
Não faz muito tempo que o chef de cozinha inglês Jamie Oliver mostrou, em duas séries, o estado desastroso da alimentação de crianças americanas e também aquelas de seu próprio país.
Eles não comiam nada, fosse na merenda escolar, como em seus lares, que remotamente poderíamos chamar de saudável, nutritivo e, ao mesmo tempo, desprovido de aditivos de sabor, corantes, conservantes e assemelhados. Tudo continha muito sódio, gordura, com teores insuficientes de fibras e baixas taxas de nutrientes de fato. No geral, eram calorias vazias, acompanhadas de substâncias nocivas à saúde. Um exemplo seriam os empanados fritos de carne prensada de frango. Eles foram feitos com qual parte da ave? A ave seria orgânica? A carne foi processada com ou sem pele? Que tempero e conservante acompanham o produto? Quanta gordura sobrou da pré-fritura?
Interessante notar que as crianças não eram sequer capazes de reconhecer visualmente o que seriam certos legumes, frutas e verduras, e estou falando de coisas supostamente banais como rúcula, alface, pera ou beterraba. Além de não saberem nomear, o gosto também lhes era desconhecido e nutriam evidente aversão por tudo isso, mesmo sem ter provado o gosto ou sentido os aromas.
Uma focaccia de abobrinha foi execrada em uma das escolas, o que os alunos queriam eram hamburgueres, batatas fritas e outras comidas típicas de redes de fast-food. Examinando a situação, havia um nível do problema que estava ligado às políticas públicas de educação e saúde, à distribuição de verbas, ao treinamento de pessoal para as cantinas escolares, entre outras questões sóciopolíticas.
Um segundo nível da questão dependia mais das famílias. Entre elas, não havia o hábito de cozinharem alimentos saudáveis e apetitosos, de fazerem refeições uns na companhia dos outros, de ensinarem a seus filhos como é prazeroso consumir alimentos de um jeito mais bacana, que cultiva a cultura gastronômica, mesclando o prazer dos sentidos com hábitos mais saudáveis. Outrossim, o que lhes importava eram apenas o imediatismo no preparo de alimentos altamente propagandeados, além de sua palatabilidade e o preço atraente. Desse jeito, congelados e alimentos pré-prontos reinavam nos refrigeradores, fritadeiras e fornos daquelas famílias.
Estratégias comportamentais para uma alimentação saudável
E no Brasil, será que a situação é muito diferente nos grandes centros?
Além da questão da miséria e escassez absoluta de comida, o que mais ocorre é o consumo desenfreado de alimentos industrializados, nocivos, pouco nutritivos. Mães alegam que as crianças, por exemplo, recusam frutas, e assim oferecem aos filhos, no lugar dos alimentos rejeitados, bebidas que são simulacros de iogurtes (coisas como "bebida láctea com néctar de fruta") e bolachas recheadas com um sebo doce e colorido. A praticidade e os rótulos mencionando a adição de vitaminas acalmam consciências maternas eventualmente pesadas.
Teremos poucas mudanças enquanto não houver um trabalho de comunicação de massa, focado em valores como bem viver, ser feliz com saúde, em que seja "cool" degustar os sabores mais genuínos.
Precisamos criar um contexto sóciocultural favorecedor do desfrute de delícias feitas em casa. Há que se considerar ainda um preparo sem tanto esforço e com custo recompensador. O movimento slow-food faz isso em pequena escala, seu alcance ainda se restringe a pequenos grupos de pessoas esclarecidas em localidades espalhadas mundo afora.
Os adultos estão preguiçosos, dá mesmo trabalho seduzir crianças a experimentar alimentos novos. O que se recomenda é que as pessoas da família se encontrem ao menos para uma das refeições, num clima em alto astral, e gastronomicamente equilibrado. Os pequenos se beneficiam do modelo dos adultos, acabam querendo provar aquilo que os adultos parecem saborear prazerosamente.
Ajuda muito se as crianças passarem a participar da compra e preparo dos alimentos. Tudo pode virar uma brincadeira. Cozinhar precisa se tornar um divertimento, ser a ocasião para *expandir talentos.
Comida em porções pequenas, fracionadas em pedacinhos bem apresentados, atrai crianças pequenas. Os sushis e sashimis devem parte de seu sucesso entre os pequenos ao fato de seu consumo ser simples, feito até com os dedos no caso de crianças menores.
Há esperança, mas nós, os adultos, precisamos sair do marasmo e tomar medidas que ajudem as crianças e adolescentes a viverem melhor. Rever nossos valores e agir em harmonia com eles pode trazer resultados a longo prazo. Por outro lado, se continuarmos assim, nada se transformará como que por mágica.
* Expandir talentos: Quando a gente se dá chance de aprender coisas, surpresas nos pegam desprevenidos. Uma cozinheira amadora pode, com a devida prática, se revelar uma bem-sucedida dona de restaurante e chef. Uma mulher que resolve aprender a colocar azulejos na casinha própria de perfiferia, pode virar azulejista bem-sucedida na construção civil, que hoje valoriza o trabalho feminino em empresas de grande porte.