Dá pra confiar somente no intelecto como forma de estudar o mundo?

por Nicole Witek

Pois é! Não dá para confiar somente no intelecto. Sei que o tema deste texto é realmente muito polêmico, mas os grandes avanços são feitos graças a esses momentos de estado de consciência alterado, onde justamente o intelecto está impedido de pensar. O intelecto ajuda você a se aproximar do assunto estudado, mas na realidade o avanço final é dado por um outro nivel do seu Ser como explicarei no texto a seguir. No próximo artigo complementarei falando sobre um outro elemento: a intuição.

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Alain Danielou, famoso estudioso do yoga diz no livro “Yoga, método de reintegração” que a característica essencial da filosofia do yoga é o menosprezo ao intelecto.

Estamos falando do intelecto no sentido que tem a palavra sânscrita “Buddhi”: a razão, a inteligência, o poder da mente de compreender. Nesse contexto, o intelecto volta para seu lugar. Meio de investigação incompleto.

Até Goedel, famoso matemático, anuncia no seu teorema de incompletude em 1931, que a lógica e os raciocínios formais da matemática, e que permitiram avanços extraordinários, não são confiáveis.

Quais são as implicações disso para nós?

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Percebemos que o intelecto não é capaz de sistematizar a realidade que habita por trás dos sistemas visíveis, o conhecimento verdadeiro e absoluto não pode ser confundido com a atividade intelectual. Essa afirmação está longe da que é prezada e cultuada em nossas sociedades ocidentais.

O yoga é principalmente o sistema filosófico do Samkhya, que não fala do homem à nossa maneira ocidental, como possuidor de um corpo e de uma mente – e muitas vezes outra coisa que nem todo mundo está de acordo: a alma.

O sistema do yoga fala do ser na sua totalidade, como um sistema intrincado de níveis (camadas) chamados de koshas e que se interpenetram.

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A partir de uma observação, de uma experimentação extraordinária e milênios de prática, foi elaborado um sistema que tem o mérito de ser aplicável e de funcionar na prática. Não é um sistema filosófico à base de ideias abstratas e maçantes. A teoria tem uma aplicação prática. Essa cuidadosa observação levou à elaboração de um sistema psicobiofísico.

Segundo os pensadores e os rishis (sábios) da Índia, o ser humano é composto de estratificações que vão do mais sutil ao mais denso e visível. Cada nível é descrito como separado, mas cuidado, é só para raciocinar, só para que o intelecto entenda, porque essas estratificações são indissociáveis umas das outras – inseparáveis. Isso é importantíssimo: não existe separação entre os diferentes níveis.

Como seres humanos, somos compostos de diferentes moléculas e átomos que se estruturam dentro de uma forma corporal animada por uma misteriosa energia vital, que tenta escapar da morte o tempo todo.

Assim já estamos falando da camada física, annamaya kosha – nº 5; animada por pranamya kosha, a energia vital – nº4.

Eu

Estamos constantemente em mutação, a cada minuto as células morrem, outras se dividem, mas apesar dessas mudanças, existe um “eu”.

Em aparência se trata de um “eu” separado, mas onde se situa a “fonte”? Para os indianos a fonte é cada nível mais sutil. Para a ciência ocidental, a consciência se aloja sem dúvida nenhuma no cérebro e é uma atividade cerebral.

Para os yogis – ao contrário – o cérebro é o instrumento do psiquismo e se encontra na mente. Ou seja, o cérebro está contido no psiquismo e é a mente que usa o cérebro.

Parece estúpido? Mas e se um rádio caísse do céu numa tribo indígena que não conhecesse o aparelho? Essas pessoas pensariam que é o rádio que fala. Para nós, o rádio é o instrumento de manifestação da onda.

Pensamento indiano

Para o pensamento indiano a fonte está no anandamaya kosha – nº 1, a causa de todos os outros níveis. É a nossa essência, que é caracterizada pela felicidade. É o “jivatman”. “Jiva” significa o homem em sânscrito e “atman” a alma. É o Eu com “e” maiúsculo que permanece além do tempo e do espaço, não está submetido às contingências materiais. Para o pensamento indiano, a partir de uma alma, ou seja “atman”, fabricou-se um corpo. Essa alma – ao contrário do pensamento cristão – tem várias encarnações e vários contatos com a matéria.

É interessante lembrar que essa “camada” causal, que se encontra fora do mundo manifestado, não poderá ser objeto da ciência. Nossa psicologia contemporânea nem fala dela.

No seu processo de materialização, Jivatman, se equipa de um centro individual e acontece assim à primeira *densificação em direção à manifestação “vijnanamaya kosha” – nº. 2.

É o sentido do ego, que faz com que eu diga “eu”. É o centro de referência para todas nossas experiências. Ao nascer o corpo estava diferente, porém até a morte será o mesmo “Eu” que “ocupará” a forma. É lá que habita o intelecto, a razão, buddhi, a consciência no sentido de “bem e mal”.

Outra camada que nos interessa hoje é a manomaya kosha – nº 3. Vijanamaya kosha e manomaya kosha se interpenetram. Toda a atividade que não é da conta de vijnanamaya kosha é da conta de manomaya kosha: é nosso sistema psíquico completo. Esse estudado pela ciência: os instintos, os condicionamentos individuais, a memória, os desejos cientes ou inconscientes, os sonhos e o sono. Podemos dizer que é a mente na sua totalidade e suas motivações profundas que animam o corpo que se mexe.

Podemos considerar essas duas camadas como o psiquismo.

Teorema

Sendo colocado isso, voltamos ao nosso teorema.

A razão no vijnanamaya kosha, nunca poderá ser a única ferramenta para estudo e para as bases de ciências exatas. O teorema de Goedel – 1931 – chega à conclusão de que nem sempre podemos provar a verdade e que devemos perder o sentido do dualismo verdadeiro-errado, substituindo-o pelo verdadeiro-indeciso.

Princípio da incerteza

Da mesma forma Heisenberg, em 1927, enunciou o famoso principio da incerteza ou da indeterminação, onde nunca se pode saber ao mesmo tempo a quantia de movimentos e a posição de uma partícula, já que a partícula é matéria e onda ao mesmo tempo. Isso mostra que o objeto observado não pode ser dissociado do observador, da mesma forma que não existe separação entre os mecanismos psicomentais. Existe uma fusão entre quem observa e o que está sendo observado.

Chegamos ao encontro entre a visão oriental e a ocidental.

O materialismo ocidental quer estudar tudo à luz da razão, ou seja, através de vijnanamaya kosha. Mas esquece uma grande parte do estudo através do manomaya kosha. Nesse kosha existe o sono.

O que acontece quando a razão e o seu proprietário estão adormecidos e quem nesse momento observa? Que realidade está sendo observada? …

Vou citar agora Veja de 21 de novembro, pág. 99: “a qualidade do sono afeta diretamente as funções intelectuais e artísticas de modo decisivo, regulando as forças mentais durante o período do dia e armazenando o conhecimento e as experiências valiosas da pessoa enquanto dorme”.

“O canadense Frederick Banting (1891-1941) agraciado como Prêmio Nobel pela descoberta da insulina na década de 20, contou ter sonhado com a solução. O caso mais intrigante é do alemão Friedrich Kekulé (1829-1896). Debruçado sobre os mistérios da química orgânica, descobriu a estrutura da molécula de benzeno depois de sonhar com a forma arredondada de uma cobra devorando a si mesma”.

A minha pergunta é: vale o raciocino e o intelecto para estudar o mundo?

Além do intelecto, existe um potencial enorme que nossa ciência começa a estudar sob a luz das novas pesquisas e novos aparelhos, que mostram a atividade do cérebro em tempo real.

Vamos ouvir quem descobriu o primeiro antibiótico em 1939: “Sempre pensei que o único problema da medicina cientifica é que ela não é suficientemente cientifica. A medicina moderna só se tornará cientifica quando os médicos e seus pacientes aprenderem a extrair as forças do corpo e do espírito, que atuam pelo poder de curar da natureza”. Pr. René Dubos – Universidade Rockfeller – New York –

Ciência é yoga… E será o yoga mais cientifico que a ciência?

*Densificação: São graus de densidade, peso, consistência, do sutil para o mais denso. O mais sutil e o Jivatman, a "alma" que vai se materializar no mais denso, no corpo humano, na encarnação. Entre esses dois extremos, tem varios níveis. O vijnanamaya kosha é um desses que é o sentido do "eu", da individuação. Esse kosha e uma etapa no processo da encarnacao do Jivatman.