por Regina Wielenska
“Viajar é um jeito de descobrir a vida, e podemos ter essa atitude de interesse pelo mundo e flexibilidade a cada dia, percorrendo novos e velhos territórios”
Nos últimos anos testemunhamos o florescer da indústria do turismo no Brasil. Viagens são pagas em dez vezes; a cada fim de semana há passagens aéreas em promoção; sites de vendas coletiva oferecem tours a preços especiais; lotam-se cruzeiros pela costa brasileira; aeroportos e estradas ficam entupidos nos períodos de feriado estendido e férias.
Alguém poderia dizer que tudo isso pode ser explicado à luz do marketing e das teorias econômicas. Claro que sim. Mas essas explicações não esgotam o fenômeno. Vamos pensar com os olhos da ciência do comportamento, a Psicologia. Prá começo de assunto, lá atrás na história, quando não se conseguia viajar tanto e sequer existiam equipamentos eletrônicos que documentassem a experiência, eram produzidos escritos a respeito de tudo o que se encontrava numa viagem e ilustradores davam conta de registrar aspectos interessantes.
Descobrir coisas, experimentar o que não nos é familiar, ampliar horizontes, foram todas essas atividades praticadas pelo homem ao longo dos séculos.
De início buscávamos ampliar territórios, obter alimento ou outras commodities, realizar conquistas (algumas vergonhosas e lamentáveis, que resultaram, por exemplo, em populações nativas dizimadas). De um jeito ou do outro, parece que o comportamento de viajar é muitas vezes recompensado com aquisições tangíveis ou intangíveis. São essas consequências que fortalecem, tornando mais provável esse jeito desbravador de se comportar.
Há um filme notável, Shirley Valentine (Dir: Lewis Gilbert -1989), no qual a protagonista, que dá nome ao filme, ganha de uma amiga uma viagem à Grécia, com tudo pago. Imagine a vida estagnada de uma dona de casa de Liverpool, insatisfeita com marido e filhos e solitária a ponto de dar bom dia aos armários na cozinha. A viagem teve poder de transformação, e deu partida a um processo que foi penoso e muito importante. Shirley e a inércia eram irmãs, quebrar esse laço foi difícil, até que a viagem se tornou a perfeita oportunidade motivadora do crescimento e transformação. Neste caso, a conquista era de natureza subjetiva, viajar facilitou à personagem quebrar padrões de comportamento absolutamente familiares e nocivos. Ao retornar ao contexto original, cotidiano e estável, haveria uma segundo desafio, que o filme pouco insinua: como dar prosseguimento à enorme mudança conquistada recentemente? De qualquer modo, é um filme inspirador.
Viajar, então, parece se correlacionar com conquistas de alguma ordem: seja, por exemplo, dominar novas terras ou rever amigos distantes, cuja saudade deles nos consumia. Essas consequências mantiveram vivo nosso comportamento de fazer a bagagem e partir por destino certo ou incerto.
Em viagem recente, um gatuno teve a chance de levar a minha bolsa: cartões de crédito, identidade, celular, dinheiro de três países, um problema bem grande. Não gostei coisa alguma da história, mas aprendi que a gente sobrevive, inclusive a aceitar mais a ajuda de amigos, e lutei comigo mesma para não deixar o evento ruim contaminar o restante da viagem. Assim me diverti de todo jeito, embora reduzisse o orçamento para isso. Voltei após três meses ao mesmo destino, desafiando o trauma. Nada a reclamar, muito pelo contrário. Foi ótimo ver show, passear, conhecer mais da vida local.
Outra história pessoal. Certa vez, eu, brasileira em Buenos Aires, comprei um CD de salsa, o ritmo caribenho, interpretado por músicos italianos, japoneses, senegaleses, hindus, haitianos e de outras nacionalidades, um álbum de um selo norte-americano. Não parece as Nações Unidas da música? Parte desse caldeirão de influências decorreu da possibilidade de percorrer terras alheias, de partilhar do convívio com aquilo que não nos é familiar e tido como sabido e certo. Aprendemos muito a cada viagem, e não só frequentando museus. Observar outros povos (que tal visitar feiras de rua e supermercados, passeando ao acaso em meio aos nativos da terra visitada?); desenvolver os sentidos para contatar o novo e nele mergulhar; aprender a respeitar o diferente. Tudo isso podemos aprender por meio de viagens.
Certamente podemos dar uma volta num quarteirão ao redor de casa com atitude completamente nova e isto fica parecendo viagem, você já notou como se renova ao nosso olhar uma rua que usualmente percorremos de carro na direção de A a B, se a mesma for esquadrinhada a pé, entre B e A?
Viajar é um jeito de descobrir a vida, e podemos ter essa atitude de interesse pelo mundo e flexibilidade a cada dia, percorrendo novos e velhos territórios.
Vamos deixar prontas as malas de nossa mente, que esta nos levará a experiências novas, sem depender de deslocamentos físicos.