por Monica Aiub
Os problemas que levam uma pessoa a procurar o consultório de filosofia clínica podem ser de diferentes naturezas. Examinemos, inicialmente, aqueles de ordem circunstancial. Há situações na vida em que as coisas não acontecem como gostaríamos, a realidade nos impõe o que não desejamos fazer ou ser, os outros não correspondem àquilo que esperávamos, a força das águas, como dizia Maquiavel em O Príncipe, invade a cidade e destrói tudo. O que fazer? Como lidar com tais situações?
Num primeiro momento, podemos nos desesperar e pensar que não há o que fazer, não há solução, tudo está perdido, não depende de nós… Será? Ou estamos como uma mosca no vidro, sem enxergarmos as possibilidades de saída na abertura bem acima de nossas cabeças? Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, afirmava ser papel da filosofia “auxiliar a mosca do vidro a encontrar a saída”. Como a filosofia poderia nos auxiliar nos casos em que nos deparamos com questões circunstanciais?
A primeira e mais óbvia contribuição diz respeito ao conhecimento, à leitura necessária dos contextos nos quais nos inserimos. Por vezes, pensamos que algo não tem solução, que temos que sofrer calados diante de um evento, que nada poderá nos auxiliar, simplesmente porque desconhecemos as possibilidades existentes diante de nós, como a mosca, que fica batendo com a cabeça no vidro, sem perceber que a abertura está mais acima. Como podemos conhecer a realidade na qual estamos inseridos? Quais são os métodos mais adequados para ler tal realidade?
Se fizermos uso da metodologia filosófica, em primeiro lugar contextualizaremos o problema, pois tratar um problema isoladamente não é próprio da filosofia. Uma vez dimensionado em seu contexto, traçaremos a história do problema, para que compreendamos sua gênese, suas formas e seus processos de constituição. Traçada a história do problema, tentaremos situá-la em nossa história de vida, e esta em nossa cultura. Em outras palavras, ampliamos o foco, para compreender o problema que se apresenta em seus respectivos contextos, observando as reais dimensões, os pesos, as mútuas influências, e todos os detalhes importantes para abordar a questão com mais propriedade.
Contudo, ampliaremos ainda mais o foco, olhando para além do problema: quais os elementos disponíveis para compor formas de vida que dissolvam, anulem, ressignifiquem, redimensionem, desconstruam, reconstruam, enfim, lidem com o problema? Como é nossa forma de ser – independentemente de quaisquer problemas específicos?
Observando nossa forma de ser, o que é mais significativo, importante, para nós? O que tem mais peso em nossa forma de vida, se pontuado diante do problema? O que seria, para nós, uma forma apropriada para abordar a questão? O que podemos e o que queremos fazer diante do que se apresenta?
Se o contexto, a circunstância adversa, nos toma a ponto de estarmos tão envolvidos no processo que não conseguimos observá-lo, é comum que sejamos levados, ou que nos deixemos levar pela situação. A vida nos faz, nos torna, e não temos escolha. Mas se conseguirmos observar o processo, compreendê-lo, será que teríamos escolha? Haveria como criar possibilidades?
Os elementos disponíveis no contexto são os dados a partir dos quais poderemos construir possibilidades. Assim, conhecê-los é fundamental. É preciso, também, definir critérios para escolher os dados que utilizaremos, assim como articulá-los, sobrepô-los, compondo novas formas de vida. Com isso afirmo que o conhecimento de nosso entorno é fundamental para que possamos nos posicionar diante das circunstâncias. Conhecer o processo que gerou a adversidade é importante, mas conhecer os elementos que disponho para lidar com a situação gerada é imprescindível.
Também é preciso avaliar como seria viver a forma que propomos construir. Algumas formas são compatíveis conosco, outras são completamente inviáveis. Algumas de nossas brilhantes ideias podem gerar adversidades ainda maiores. Portanto, a avaliação adequada das possíveis implicações de nossas escolhas deve ser considerada.
Maquiavel, ainda em O Príncipe, afirma que o rio impetuoso invade a cidade e tudo destrói, mas em tempos de calmaria é possível construir barragens para que, da próxima vez, as águas não destruam a cidade. Poderíamos, nesta construção, ainda, criar barragens que, além de impedir a destruição, fizessem uso da força das águas para o benefício da cidade? Somente conhecendo o movimento das águas, somente conhecendo as necessidades da cidade, somente conhecendo as formas de construção adequadas é que poderemos avaliar as possibilidades.
O que você costuma fazer quando se depara com uma adversidade? Que formas utiliza para conhecer a situação? Como decide o melhor posicionamento diante dela? Costuma criar formas de vida compatíveis com suas necessidades? Ou as formas que cria para solucionar o problema são geradoras de problemas ainda maiores? Você costuma aprender com as adversidades e se preparar para enfrentá-las da próxima vez? Ou você, repetidas vezes, se vê diante dos mesmos impedimentos?
Diz Wittgenstein, falando de formas de linguagem, de pensamento e de vida, que nosso maior problema é uma dieta não variada, unilateral. Se interpretamos a vida sempre da mesma maneira, corremos o risco de repetir as mesmos modelos, nos enredando em armadilhas de nossa própria forma de vida. Que tal variar o cardápio? Observar outras possíveis interpretações? Construir novas formas para lidar com os velhos e mesmos problemas?
Referências Bibliográficas:
AIUB, M. Como ler a Filosofia Clínica: Prática da autonomia do pensamento. São Paulo: Paulus, 2010.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas.