por Angelo Medina
Distra iacute;do, enrolado, esquecido, desorganizado, impulsivo, agitado e inquieto. Estes são os rótulos mais utilizados para descrever o comportamento de pessoas que – injustamente tidas como preguiçosas, irresponsáveis e rebeldes – possuem um funcionamento mental diferente, chamado de DDA – Distúrbio de Déficit de Atenção ou TDAHI (transtorno do déficit de atenção com ou sem hiperatividade e impulsividade).
No entanto, se esta patologia for canalizada de forma correta ela pode se transformar em criatividade, energia, ousadia e inovação.
No Brasil, apesar das estatísticas precárias, calcula-se que três milhões de brasileiros tenham DDA. No entanto, a maior parte deles não sabe.
Nesta entrevista ao Vya Estelar. a psiquiatra e autora do livro Mentes Inquietas, Ana Beatriz B. Silva, desvenda a mente de quem possui DDA. Diz como este distúrbio se manifesta em homens, mulheres, crianças e seu reflexo na vida profissional e afetiva. Traça o perfil dos quatro tipos de DDAs. Ela ensina uma técnica de respiração para aquietar e focar a mente de quem anda a mil por hora. E diz por que a relação de um DDA com as drogas é explosiva.
Vya Estelar – O que vem a ser o DDA e como se comporta no dia-a-dia a pessoa que sofre deste mal?
Ana Beatriz B. Silva – O DDA se caracteriza por três sintomas principais: a desatenção (ou instabilidade de atenção), a impulsividade e a hiperatividade. Uma destas características pode ser predominante ou elas podem estar combinadas. Esta pessoa costuma ser esquecida, distraída, desorganizada, se mete em várias tarefas ao mesmo tempo, costuma falar sem pensar, é inquieta, fica se remexendo na cadeira, sentindo vontade de se mexer o tempo todo. O que irá caracterizar o DDA é ela apresentar estas características constante e continuamente. Por exemplo, ela não será um DDA se só ficar impulsiva na hora da raiva ou desatenta em situações de ansiedade. Ela precisa ser sempre assim e, principalmente, ter nascido assim. Ela deve ter um histórico em que os sintomas já estavam bem evidentes antes dos sete anos de idade.
Vya Estelar – O que os DDAs têm que os outros não têm?
Ana Beatriz B. Silva – Fisicamente falando, o DDA tem um funcionamento mental diferente. Potencialmente falando, por causa deste funcionamento, ele pode ser mais criativo, pois ele costuma ser "inundado" de pensamentos e idéias, aumentando muito a probabilidade de que alguma destas idéias seja realmente muito boa e original. Isso é uma potencialidade. Infelizmente, em grande parte dos casos a inundação também pode causar desorganização, ansiedade e falta de objetividade.
Quanto ao termo, atualmente o 'oficial' é TDAHI (transtorno do déficit de atenção com ou sem hiperatividade e impulsividade). O termo DDA, um pouco mais antigo, é uma preferência minha.
Vya Estelar – Por que seu livro se chama Mentes Inquietas? Quem sofre de DDA está sempre a mil por hora?
Ana Beatriz B. Silva – Mentes Inquietas foi o melhor título que me ocorreu e, dentre outras opções, foi a que meus pacientes e colegas de trabalho mais gostaram. Creio que é uma definição muito boa para o funcionamento mental de um DDA.
Mentalmente, o DDA quase sempre estará a mil por hora, tanto que para muitos é até difícil ter uma boa noite de sono. Fisicamente, a inquietação é mais comum em homens e é tanto mais intensa, quanto mais novos forem.
Vya Estelar – Por que quem sofre de DDA pode ser chamado de preguiçoso? As pessoas que sofrem de DDA não conseguem realmente se concentrar?
Ana Beatriz B. Silva – Preguiçosa seria aquela pessoa que não quer fazer mesmo e não está nem aí. Mas para o DDA, não conseguir se organizar para fazer ou demorar a iniciar uma tarefa causa imensa culpa e ansiedade, que acabam por tornar a dificuldade da tarefa maior ainda.
É claro que um DDA, como qualquer outra pessoa, pode ter seus momentos de preguiça também. O que ocorre com os DDAs é uma instabilidade de atenção. Em determinados momentos, eles podem estar tão absortos por uma tarefa que o mundo pode estar desmoronando ao redor e eles não se dão conta.
Os quatro tipos de DDAs
Vya Estelar – Como a senhora sintetizaria os quatro tipos de DDAs existentes?
Desbravador – é uma pessoa com muita energia mental e que possui uma grande capacidade de projetar novas soluções e possibilidades, e que além de tudo é ousada para implementá-las (embora não seja o de senso mais prático)
Acionista – É um tipo bem hiperativo, pois quer agir o tempo todo, executar. Faz um par perfeito com o desbravador, pois um idealiza e o outro torna realidade.
Artístico – É o mais sensível e tem os sentimentos à flor da pele. A expressão de toda esta sensibilidade encontra campo fértil nas artes: na pintura, poesia, dramaturgia…
Performático – É muito sensível, tal como o artístico. É capaz de criar várias personagens e personalidades para chamar a atenção ou entreter. Como possuem carisma e capacidade de oratória, podem se tornar grandes apresentadores, hostess e mestres-de-cerimônia.
Vya Estelar – Como se manifesta o DDA feminino e suas conseqüências no comportamento da mulher?
Ana Beatriz B. Silva – O tipo mais comum entre mulheres é o predominantemente desatento. Ele é mais difícil de ser detectado por pais e professores e portanto, pode passar desapercebido. Isto pode trazer conseqüências negativas à auto-estima desta criança se ela for vista (e passar a se ver também) como preguiçosa, desleixada ou pouco inteligente. A mulher DDA é aquele tipo divagante e de quem não se deve esperar que seja uma perfeita dona de casa.
Vya Estelar – E o DDA nos homens?
Ana Beatriz B. Silva – Os homens apresentam mais o tipo predominantemente hiperativo/impulsivo. É aquele cara agitado, que fala o que vem à cabeça e às vezes acaba sendo grosseiro, quer tudo pra ontem mas só consegue terminar depois de amanhã, quer fazer tudo ao mesmo tempo e no final não faz nada, e que não consegue ficar sentado em uma cadeira sem trocar e destrocar as pernas, trocar de posição, sacudir pés e pernas, tamborilar com os dedos.
Vya Estelar – Como se manifesta o DDA nas crianças? E o que fazer para superá-lo?
Ana Beatriz B. Silva – Com bastante freqüência, o DDA em crianças já começa a ser percebido assim que ela aprende a andar. São as mesmas características dos adultos, sendo que mais intensas. Muitas podem ter problemas na escola e com coleguinhas, além de levarem os pais à exaustão. Neste caso, o DDA deve ser tratado. Algumas crianças deixam de apresentar o sintoma na idade adulta, espontaneamente. Outras levam o DDA por toda a vida. É uma característica da pessoa, portanto não é algo que deva ser "superado" e sim, algo com que se deva aprender a lidar e tratado (quando houver necessidade).
Vya Estelar – Como a pessoa sabe se está tendo DDA ligado à Síndrome do Pânico?
Ana Beatriz B. Silva – Esta pessoa deve se encaixar nos critérios para DDA e, ao mesmo tempo, ser tão ansiosa e perfeccionista que acabe desenvolvendo o Transtorno de Pânico. Uma outra característica importante para desenvolver este transtorno é ter uma preocupação muito grande com doenças, mal-estares e morte. Como o DDA é desorganizado e esquecido, ele pode ficar em um estado de tensão permanente para certifica-se que não está esquecendo de nada. Esta tensão permanente pode vir em um crescendo tal que pode desembocar em ataques de pânico.
Vya Estelar – Como tratar dos diversos tipos de DDA?
Ana Beatriz B. Silva – Existem diferenças de medicação e na condução da terapia para cada tipo de DDA. Não que seja algo rígido a seguir. Depende muito do bom senso e da experiência do médico e do psicólogo, além das necessidades específicas de cada paciente.
Vya Estelar – Como o DDA afeta a vida afetiva e como superar o problema?
Ana Beatriz B. Silva – Imagine uma pessoa que sempre esquece de datas importantes, ou mesmo de compromissos corriqueiros como contas a pagar, que nunca chega na hora aos encontros… que não presta atenção quando você fala, ou nem deixa você terminar de falar. Se o companheiro (a) de um DDA pensar que ele (a) faz estas coisas de propósito ou porque não se importa, imagine as brigas constantes que não devem surgir?
Superar o problema depende de um maior autoconhecimento por parte do parceiro DDA e conhecimento por parte do que não é, para que ambos entendam muito bem o que se passa, fortalecendo a compreensão do casal.
Vya Estelar – Existe alguma ação preventiva em relação ao DDA?
Ana Beatriz B. Silva – Se essa prevenção implicar em uma pessoa não desenvolver o DDA, a resposta é não. Pode-se prevenir os danos à auto-estima e os inúmeros prejuízos que uma pessoa pode ter por causa do DDA. Mas não se pode evitar ter o DDA, assim como não se evita nascer de cabelos castanhos ou com sardas na pele (não levemos em consideração aqui os discutíveis projetos de engenharia genética).
Vya Estelar – Por que a relação dos DDAs com as drogas é explosiva?
Ana Beatriz B. Silva – Porque o DDA tem uma grande possibilidade de desenvolver dependência. Quaisquer drogas que criem dependência são perigosas para um DDA.
Certamente as drogas que mais podem trazer são as estimulantes do sistema nervoso central, como a cocaína, anfetaminas e mesmo a cafeína em excesso. Estas substâncias agem aumentando a capacidade de concentração e atenção do DDA, fazendo-o sentir-se enganadoramente "melhor". Daí, para um DDA querer usá-las várias outras vezes, é um pulo.
A maconha tem um efeito "calmante", de uma forma geral, diminuindo a ansiedade que todo o DDA tem. A cocaína acelera pessoas não DDAs, mas com os DDAs o efeito é diverso: ele sente-se mais focado, por características próprias do seu funcionamento cerebral.
Técnica de Respiração
Vya Estelar – Como relaxar um cérebro a mil por hora?
Ana Beatriz B. Silva – Uma forma de relaxar é usar a Respiração Diafragmática ou Profunda. Você inspira profundamente pelo nariz, contando até três (um "três" que seja lento, mas não a ponto de tornar-se desconfortável) e o ar deve ser inspirado profundamente, expandindo o abdome. Em seguida você mantém o ar no tórax e abdome, contando até três. Por fim, expire pela boca, contando até seis. Repetir esta respiração por 10 minutos, no mínimo.
Vya Estelar – Qual é o futuro de mercado de trabalho para quem sofre de DDA?
Ana Beatriz B. Silva – É claro que o DDA não precisa trabalhar só em profissões que exijam criatividade. Mas certamente, ele se sentirá mais satisfeito em um ambiente de trabalho em que ele possa dar vazão ao seu turbilhão de pensamentos. Como está se exigindo cada vez mais capacidade de criação e ousadia no mercado de trabalho, isto poderá ser benéfico para o DDA.