Por Cybele Russi
Tenho repetido inúmeras vezes aqui nesta coluna e às pessoas que acompanham meu trabalho, que educar é muito mais uma questão de coerência com os próprios valores e princípios do que de estar "por dentro" das novas "tendências" educacionais. Educação não é, nem nunca foi, uma questão de moda, mas de se transmitir valores e princípios que têm significado para nós, e nos quais acreditamos.
Com todas as mudanças ocorridas no mundo e nos comportamentos familiares, os pais andam confusos, sem saber exatamente como agir. Perderam-se os parâmetros e os paradigmas, e sem modelos para seguir, muitas vezes acabam adotando posturas e comportamentos que muitas vezes não refletem suas verdadeiras crenças e valores.
Uma das demonstrações mais claras dessa confusão está na pergunta: meu filho(a) quer trazer a (o) namorada(o) para dormir em casa. O que faço?
Vamos refletir juntos.
Primeiro: o que significa para os pais ter um namorado ou namorada dormindo em casa? Para a grande maioria dos pais este é um fato novo, pois não fez parte de sua educação trazer o namorado para dormir em casa. Então, esse novo fato mexe com uma série de valores morais, religiosos e até sociais. Para famílias mais liberais, que sempre tiveram o hábito de dialogar e de discutir abertamente suas idéias, esse novo fato também poderá ser tratado de forma conjunta e compartilhada. Entretanto, nem todas as famílias foram constituídas assim, com o hábito de dialogar.
Assim, um namorado ou namorada dormindo dentro de casa poderá significar uma reviravolta muito grande para os valores da família, que se verá numa situação de conflito, pois seus princípios morais estarão sendo questionados e postos à prova. É um modelo novo para o qual não foram e não estão preparados. A principal pergunta que se deve fazer antes de aceitar a novidade é: "até que ponto eu consigo lidar com isso sem me sentir violentado. Eu, enquanto pai ou mãe, aceito mesmo essa situação, ou ela me violenta, me incomoda, porque vai contra meus princípios?"
Segundo: onde entra a responsabilidade dos pais nesse caso. Este é o ponto mais importante da situação. Quem fica responsável por uma menina de menos de dezoito anos quando ela vem dormir na nossa casa? Os pais dela ou dele sabem? Consentem? Estão de acordo? Se não sabem, então como fica? Quando os namorados vêm dormir em nossa casa, queiramos ou não, estamos "assumindo", mesmo que informalmente, a guarda de uma pessoa, e isso implica em responsabilidades.
Terceiro: até que ponto uma pessoa de fora da família não altera toda a dinâmica familiar? Até que ponto nossas liberdades dentro de casa não ficam restringidas por causa de um visitante?
Muitas vezes somos obrigados a alterar a rotina familiar por causa disso. Isso sem falar nas famílias que têm avós vivendo junto, e que se sentem extremamente constrangidos com essa nova situação, e crianças mais novas, que algumas vezes ficam expostas a uma realidade que ainda não lhes diz respeito.
Trazer um namorado para dormir em casa, na verdade, é algo muito mais complexo do que parece. Até porque, existe esse lado da rotina familiar que acaba sendo alterada devido à presença de uma pessoa estranha, que nos obriga a andarmos vestidos pela casa, a prepararmos uma refeição mais aprimorada, quando essa não era a nossa intenção, e a termos mais tarefas domésticas do que gostaríamos.
Além de tudo isso, dormir com o namorado em casa implica numa relação mais compromissada entre eles, que pressupõe um vínculo mais profundo e longo. Não dá para trazer qualquer namoradinho para dormir em casa, senão, como vai ficar? A cada nova paixão, um convidado (a) novo (a) transitando pela casa?
Parece que dormir com o namorado é algo bastante banal, mas não é bem assim. Como disse acima, exige responsabilidades e compromissos de todas as partes, e participação nas tarefas domésticas também. Já que o convidado pode dormir, então, que participe também das obrigações familiares, como lavar a louça, arrumar a própria cama e contribuir com as despesas, por exemplo.
E ter sempre claro que, quem dorme junto pode, eventualmente, gerar um bebê. Será que nossos filhos estão preparados para isso?
Sexo envolve uma série de responsabilidades e de atitudes e, dormir junto em casa, mais do que pegar no sono lada-a-lado, é expor-se a situações para as quais devemos estar preparados, em todos os sentidos.
Então, antes de dar sua permissão para que seu filho ou filha traga o namorado para dormir em casa, avalie com ele todas as possibilidades e riscos que isso implica. Daí sim, sua autorização será clara e coerente com os seus princípios, e você poderá dormir tranquilo.