por Danilo Baltieri
Resposta: Embora um dos princípios do tratamento para dependentes químicos proferidos pelo National Institute on Drug Abuse (NIDA) apregoe que o "tratamento não precisa ser voluntário para ser eficaz", existem indicações médicas precisas para que se possa propor uma internação de caráter involuntário para dependentes químicos.
Dentre estas indicações, podemos citar:
a) Risco de autoagressão e/ou de hetero agressão;
b) Grave exposição social;
c) Incapacidade geral de autocuidados;
d) Risco de agressão à ordem pública.
Internação involuntária e internação compulsória
Conforme prevê o parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Nº 62.212/10, a internação involuntária só pode ocorrer com indicação médica. Apenas o médico detém o direito legal de colocar, sob custódia do establishment de saúde mental, uma pessoa contra a sua vontade. O juiz de direito também pode fazê-lo, mas nessa situação trata-se de internação 'compulsória', cujos objetivos são inteiramente distintos da 'involuntária'. Logo, o ato médico da consulta psiquiátrica deve necessariamente preceder a todo procedimento de hospitalização forçada.
A internação dita compulsória é aquela determinada pela Justiça. No entanto, conforme reza o artigo 6 da Lei Nº 10.216/2001, qualquer modalidade de internação, ou seja, a voluntária, a involuntária, e a compulsória, somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os motivos do procedimento. Logo, embora determinada pela Justiça, há a necessidade da avaliação médica especializada para que ela ocorra.
De fato, é absolutamente necessário que a Lei regule mais claramente as medidas a serem adotadas aos portadores de transtornos mentais, como a dependência química. Porém, por se tratar de problema atinente mais à saúde pública do que ao direito, deve a Lei se submeter às regras de saúde pública.
Projeto de lei para internação compulsória
O Senado deu recentemente andamento à tramitação de projeto de lei que trata da internação compulsória de dependentes químicos e traficantes de drogas já presos que sejam dependentes químicos. O projeto relatado pela senadora Ana Amélia, prevendo que a decisão do tratamento pode ser imposta ao usuário de droga por decisão judicial, foi aprovado no último dia 10 de abril na Comissão de Assuntos Sociais. Ainda a matéria tramitará por outras comissões, como a de Direitos Humanos e a de Constituição, Justiça, e Cidadania.
A participação ativa dos familiares no tratamento do portador de dependência química é extremamente importante. Mas, a decisão sobre a internação é da alçada do médico que assiste o portador. Logo, além da avaliação médica do quadro clínico apresentado, a coleta de dados com os membros familiares é de suma valia para a formatação dessa decisão.
A grande maioria das internações para dependentes químicos ocorre voluntariamente. Quando em frente ao médico e da equipe disposta a ajudar o paciente, o mesmo tende a reconhecer a necessidade de tratamento intensivo.
As internações involuntárias e compulsórias são muito menos frequentes. Os médicos devem sempre avaliar rigorosamente as indicações objetivas para esse procedimento.
Normalmente, as modalidades de internação involuntária e compulsória são temas espinhosos para os médicos especialistas. A parceria saudável da medicina especializada com a Justiça, desde que cada uma cumpra a sua parte, deverá trazer benefícios para todos, principalmente para aqueles que padecem de graves transtornos mentais e seus familiares.
Internação compulsória é uma solução viável?
Quando corretamente indicada, uma internação médica em hospital ou clínica adequada, com a proposta de tratamento baseada em evidências científicas, deve ser bastante útil. O planejamento da internação deve ser estreitamente atrelado ao tratamento na comunidade, após a alta hospitalar do paciente. De nada serve uma internação, sem adequada supervisão estreita do médico e equipe especializada e sem um sistema consistente de *referência e contrarreferência.
Leis que regulam o tratamento compulsório para dependentes químicos existem em vários países ao redor do mundo. Entretanto, não existem suficientes evidências científicas sobre a sua efetividade. Mesmo porque **o conceito de coerção é bastante heterogêneo entre diferentes estudos; também, diferentes tipos de coerção podem sobrepor em uma mesma situação.
A proliferação de táticas de controle social para facilitar o tratamento de dependentes químicos é um experimento realizado em muitos países ao redor do mundo. É necessário, de forma urgente, desenvolver pesquisas focando na efetividade real desse procedimento e na percepção de coerção trazida pelos pacientes, bem como sua influência sobre a adesão ao tratamento pós-internação.
Em tempo, é importante frisar que apenas uma minoria dos portadores de dependência química recebe tratamento adequado, seja na comunidade, seja nas prisões e penitenciárias. Essas realidades exigem que sistemas eficazes de tratamento sejam disponíveis para essas populações. O uso de estratégias de controle social e legal pode ser uma forma de expandir a disponibilidade de tratamentos. Contudo, não está claro se benefícios associados com a expansão da disponibilidade de tratamentos através do uso do controle social e legal superam os benefícios trazidos associados simplesmente com a expansão das fontes de tratamento na comunidade sem o uso das formas de controle social e legal.
* Um sólido sistema de referência e contrarreferência, significa a existência de adequados serviços de saúde especializados na comunidade, onde o desinternado possa ser atendido sem demora. Assim, referência representa o maior grau de complexidade onde o usuário é encaminhado para atendimentos com níveis de especialização mais complexos, ou seja, hospitais e clínicas. Já a contrarreferência diz respeito ao menor grau de complexidade frente à necessidade do usuário em relação aos serviços de saúde, é mais simples. Ou seja, unidades de saúde mais próximas de sua residência (ambulatórios, CAPS, NAPS etc).
** A coerção pode ser familiar, social, legal ou a soma dessas.