Dependência química: meu filho já foi internado 16 vezes. O que faço?

Por Danilo Baltieri  

Depoimento de uma leitora:  

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“Meu filho tem 33 anos e já passou por 16 internações. Hoje, ele está internado há 4 meses e virá passar uma semana em casa e deve retornar para a clinica… Eu trabalho. Como farei? Tranco-o em casa ou o deixo na rua mesmo? Dou a chave de casa para ele? Estou perdida e com medo.”

Resposta: Situação como esta descrita acima não é incomum entre diferentes famílias com diversas posições sociais. E, seguramente, tais situações podem estar tremendamente distantes de uma solução minimamente eficaz, mesmo quando um longo prazo é considerado.

Da mesma forma como para quaisquer doenças definidas nos manuais médicos, existem diferentes níveis de gravidade para, por exemplo, o alcoolismo ou transtornos mentais relacionados ao uso do álcool. Vemos portadores deste problema com sintomas leves, moderados e graves. Alguns autores têm aventado o termo “alcoolismo refratário ou mesmo resistente ao tratamento,” ou seja, aquele quadro médico que demonstra uma resposta clínica insatisfatória mesmo depois de aplicadas diferentes e prolongadas propostas de manejo médico e psicossocial.

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Correntemente, existem de fato fórmulas bastante eficazes para o tratamento médico do alcoolismo, tanto contendo ferramentas farmacológicas eficazes quanto com propostas psicoterapêuticas focadas. Isso significa que o alcoolismo, apesar de ser uma doença médica crônica e incurável, tem sido tratada eficazmente. Todavia, não posso afirmar que todas as propostas atuais disponíveis são imediatamente eficazes para todos os portadores.

Existem aqueles portadores de graves problemas com o uso de álcool (e/ou de outras substâncias psicoativas) que não respondem ao tratamento médico e psicossocial convencional e, devido ao seu comportamento frequente/recorrente de consumir álcool, terminam por ser internados diversas vezes ao longo da vida. Às vezes, logo após uma internação, o portador recebe licença médica da clinica para retornar a casa e recomeça a beber (infelizmente, quase imediatamente depois da liberação da clínica).

Sempre quando uma determinada pessoa portadora de um quadro de dependência química não mostra eficaz resposta terapêutica aos manejos convencionais, o caso sob referência deve ser intensivamente revisto e novas propostas médicas e psicossociais feitas. Outrossim, o diagnóstico médico deve ser revisitado. Como já mencionado recorrentemente neste site em respostas prévias, a presença de outros problemas médicos e psicológicos entre portadores de um dependência química (também conhecida como diagnóstico dual) é uma realidade que precisa ser encarada.

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Propostas para o manejo de portadores de problemas com o consumo de bebidas alcoólicas que não respondem aos tratamentos convencionais têm sido fortemente discutidas nos textos médicos.

Abaixo, vou considerar algumas assertivas:

a) o tratamento para o portador de problemas com o consumo de bebidas alcoólicas não deve ser apenas farmacológico. A associação com o tratamento psicossocial é vital ou imprescindível;

b) o portador do alcoolismo deve ser avaliado quanto à presença ou não de outros transtornos psiquiátricos coexistentes, como depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, dentre muitos outros. Estando presente algum outro problema médico, o tratamento conjunto por equipe de especialistas impõe-se, ou seja, é imperativo;
c) os familiares devem acompanhar todos os passos do tratamento do seu ente querido. Internar e deixar para lá não é recomendável! Internar o dependente químico e só pensar “no caso” nas proximidades da liberação do paciente da clínica não é recomendável;

d) os familiares também precisam estar inseridos em processo terapêutico por tempo bastante prolongado, objetivando angariar habilidades afetivas, psicológicas e comportamentais para lidar com o ente familiar dependente químico nas situações as mais diversas. Outrossim, os terapeutas dos familiares saberão, a partir de dados concretos e da análise do caso e da situação, propor estratégias de manejo mesmo em situações de crise.

A pergunta formulada acima traz em seu bojo inúmeras variáveis: os familiares estão tratando-se? Como o manejo do portador está sendo desenvolvido ? Os familiares têm tido contato com o portador nas visitas na clínica? Durante tais visitas, existe um profissional habilitado para analisar o comportamento das partes e propor mudanças ou melhorias?

Na minha experiência clínica, casos assim são infelizmente comuns. Normalmente, os familiares acabam por não buscar auxílio especializado para si mesmos, uma vez que acreditam que é o DOENTE que precisa de tratamento e não eles mesmos…

No entanto, meus caros, a dependência química de um ente familiar compromete a saúde de todas as pessoas que com ele convivem. Sem o manejo familiar correto, prolongado, recheado de propostas adequadas e baseadas em evidência científica, a chance de dar errado é mais do que alta.

Boa sorte!

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.