por Monica Aiub
Neste período de transição, de um ano a outro, fui convidada a participar de algumas entrevistas, nas quais o significado desta transição e o estabelecimento de metas foram o assunto principal. Não é a primeira vez que isto ocorre. A temática é recorrente nos meios de comunicação, e também no consultório, todo final e início de ano. Nem todos fazem isso, é claro. Alguns fazem por necessidade própria, outros movidos pela pressão do entorno, em especial pelos meios de comunicação que tratam do assunto com constância, mas também pela observação de outras pessoas à sua volta fazendo revisões, estabelecendo metas. A impressão relatada é que todo mundo faz isso, então, temos que fazer também. Ocorre como se parássemos num ano, no dia 31 de dezembro, e reiniciássemos todo o processo no ano seguinte, dia 01 de janeiro.
Estabelecer metas é algo importante?
Em princípio, depende. Para algumas pessoas é fundamental; para outras, desnecessário; e para outras, ainda, prejudicial. Em alguns casos, um determinado tipo de meta deve ser estabelecido, outro tipo não; num momento é apropriado, em outro não; ainda que se trate da mesma pessoa. E não há um padrão para se definir isso. Apesar de pertencermos a uma mesma espécie, possuímos nossas singularidades e, consequentemente, lidamos com as questões de modo também singular.
Contudo, uma coisa é quando estabelecemos metas para nossas vidas pessoais, tais como: viajar menos, trabalhar menos, fazer uma dieta, fazer exercícios, etc.; outra coisa ocorre quando estabelecemos metas para um grupo, e seu cumprimento depende de terceiros; e uma terceira situação se dá quando as metas são estabelecidas para uma sociedade, por um governante.
Refletindo sobre as metas que dependem exclusivamente de nós, o que faz com que as estabeleçamos? Que motivos temos para tal? Temos o desejo de cumpri-las, ou as estabelecemos sabendo que não as levaremos adiante? Elas são, de fato, realizáveis, considerando nossos contextos e nosso modo de ser? Elas são necessárias?
Muitas questões surgem neste momento. A primeira delas diz respeito àquilo que estabelecemos como meta.
Ouvi uma pessoa, no consultório, afirmando que todo ano estabelece como meta para si fazer exercícios e dieta, mas nunca consegue. E ao fazer tal afirmação complementou: “Não é natural, é uma violência à minha natureza”. Ora, no contexto dessa pessoa, ela necessita, de fato, fazer a dieta e os exercícios que coloca como meta? Ao observarmos isto, ela verificou que não, sua saúde está bem, seu corpo está esteticamente como ela gostaria que estivesse, mas “todo mundo faz dieta e exercícios”, logo, ela também deveria fazer. Será? Se isso lhe é desnecessário, e violenta aquilo que ela denomina como sua natureza, que motivos teria para estabelecer como meta para si? E por que sentir-se frustrada, fracassada, por não cumprir algo que a violenta?
Há pessoas que estabelecem como metas a sua própria destruição, e não percebem. Mas é muito difícil seguir “contra a correnteza”. Quando todos parecem buscar os mesmos objetivos, como não desejá-los também? Mas nosso desejo é realizável? Desejamos, de fato, ou somos apenas impregnados, infectados por uma onda que nos cerca, que nos invade por todos os lados? Aquilo que desejamos, é compatível com nosso modo de ser?
Atendo outra pessoa que passou várias consultas afirmando que desejaria ser como outras, e as descreveu. No dia em que analisamos como seria se fosse daquela maneira, rapidamente ela se desesperou e disse que não suportaria. Houve o caso de um rapaz que desejava outra profissão, que vivia triste com o seu atual trabalho. No momento em que levantamos as outras possibilidades e as analisamos, ele descobriu que o seu atual trabalho era a melhor das opções, que era esse o trabalho que ele sempre desejou.
Contudo, houve casos em que o desejo expresso vinha, de fato, da pessoa, e o trabalho clínico levou à sua realização, a partir das possibilidades existentes ou criadas pela própria pessoa. Entre desejar e tornar algo real, há um longo caminho. Muitas vezes depende de nossa ação trilhar o caminho e atingir os objetivos traçados. Em outras é preciso construir bases anteriores, para que possamos iniciar o caminho. Em outras, ainda, é preciso adaptar, traçar novamente, refazer, desfazer… são nossas interações com o meio, conosco, com o outro, gerando movimentações, que precisamos acompanhar, atualizar. E nossas buscas – como denominamos em filosofia clínica – precisam ser atualizadas também.
Ao tratarmos de buscas que dependem não somente de nós, mas de terceiros, é preciso analisar as condições de realização não somente para nós, mas para os outros envolvidos também. Às vezes temos formas de mostrar ao outro o quanto atingir tal objetivo pode ser bom para todos, mas nem sempre conseguiremos convencer o outro com nosso discurso. Obviamente, apresentar bons argumentos, demonstrar com clareza, sempre é um elemento facilitador, mas não temos a garantia de que o outro se convença.
Assim, é preciso contar com a possibilidade do outro envolvido no processo não aceitar o que estamos propondo. A abertura para o diálogo, o dispor-se a pensar junto com o outro em alternativas possíveis, sempre é um caminho, desde que as partes estejam abertas para tal.
Todavia, em se tratando de questões relativas à esfera pública, são as metas que se esperam cumpridas que levam o cidadão a dar seu voto a um candidato. Assim sendo, se as metas forem estabelecidas para não serem cumpridas, o cidadão terá dado seu voto a outro cidadão em nome de um propósito que desde a origem não se pretendia realizável. Isso tornaria o voto, senão minimamente vão, um grande perigo para o todo social. Assim, a responsabilidade de um governante, ou candidato a, ao estabelecer suas metas públicas, é muito maior. É fundamental que ele estude, muito cuidadosamente, seu entorno, a fim de verificar se o que propõe é, de fato, realizável. Ele pode se permitir divagações, sonhos irrealizáveis, utopias? Se ele tiver dados que lhe permitam projetar com segurança, sim, mas será honesto se apresentar sua proposta como um sonho a ser atingido caso determinados aspectos expostos forem assegurados.
Com isso quero dizer que é muito diferente quando tratamos de questões que nos dizem respeito diretamente, como nossa dieta, nossas atividades físicas; quando nos referimos a algo que abarca um grupo, como a família, a equipe de trabalho, o grupo de amigos; e quando o que fazemos diz respeito a toda sociedade. Qual é a amplitude de suas buscas?
Mas não posso deixar de registrar algo que parece bizarro a algumas pessoas, sobretudo nesses momentos do ano, mas que é encontrado com frequência na vida cotidiana: algumas pessoas não estabelecem metas, não traçam buscas. Elas simplesmente vivem a partir de outros referenciais. E isso não é um problema. Não são melhores ou piores por isso; não se classificam, nem querem ser classificadas, como vencedoras ou perdedoras. Não querem ultrapassar, nem se preocupam se forem ultrapassadas em algo, elas não participam de uma corrida, elas vivem, convivem, partilham, estão junto com o outro.
Afinal, será que estas análises e classificações; estas cobranças por metas, objetivos, buscas, sucesso; a corrida que se tornou nossa existência são naturais ou são fruto do modo como nos organizamos socialmente? Queremos viver assim ou queremos nos organizar de outra maneira? Vamos replicar esta forma, ou construiremos novos modos de ser? Deixo o convite à reflexão.