por Elisandra Vilella G. Sé
Segundo o escritor Brewster Ghiselin autor do livro The Creative Process (Berkeley, California: University of California Press (1952) "Criatividade é um processo de mudança, de desenvolvimento, de evolução, na organização da vida subjetiva (de cada um)".
Criatividade consiste em manipular símbolos ou objetos externos para produzir um evento incomum, original. O pensamento criativo é desinibido, subjetivo, fluido.
Para muitos, ser criativo compreende libertar impulsos ou relaxar tensões. Muitos confundem criatividade com habilidades mentais como habilidades verbais, agilidade mental, senso de organização. A melhor compreensão de criatividade é a que pode ser entendida em função dos seus produtos, ou seja, daquilo que a pessoa é capaz de criar, como teorias, invenções, pinturas, esculturas e poemas.
A criatividade não se limita à arte. Tão criador como ao artista é também o cientista. Da mesma maneira que um escritor transforma suas experiências da cena cotidiana em novela ou peça teatral, o cientista verifica e aprofunda os dados que obteve, analisando-os com o objetivo de produzir uma nova teoria. Somos capazes de criar quando descobrimos e exprimimos uma ideia, um artefato ou uma forma de comportamento que seja novo para nós. Assim, a invenção, o pensamento científico e a criação estética têm de comum uma facilidade em remanejar elementos de experiências prévias, obtendo novas configurações.
A criatividade é um de nossos recursos mais valiosos. Ela nos ajuda a dar uma resposta bem-sucedida a milhares de situações de nossa vida cotidiana. Adquire-se desde uma idade muito precoce, por meio de um procedimento de nosso sistema psíquico: a função simbólica. Ela significa desafios para a mente. Quando somos criativos é quando temos ideias originais.
A criatividade se exprime de diferentes maneiras e uma das mais importantes na etapa adulta, é a capacidade de dar diferentes respostas perante as situações da vida.
A pessoa que não tem desenvolvida sua criatividade pode cair em respostas rígidas, estruturadas. A capacidade de criar está ligada à capacidade de resolução de problemas, de enfrentar obstáculos e desafios. Dessa maneira, a imaginação e a criatividade se transformam em elementos de grande valor para a possibilidade de escolha.
Arte como prática terapêutica
De acordo com o autor Philippini (2000), já no século V A.C. existiam registros da arte como prática terapêutica na Grécia, em Epidauro, centro de cura dedicado à Asclépio. Nesse local, os indivíduos enfermos assistiam a representações teatrais e musicais e contemplavam manifestações artísticas diversas. Ao anoitecer, recolhiam-se para a prática da Incubação, o que era a possibilidade de receber uma indicação das divindades – pela via do sonho – e assim encontrar uma chave para transformar a situação que havia gerado a doença.
Podemos também nos remeter a 35 mil anos atrás com as pinturas nas cavernas, que já configuravam uma ponte expressiva entre o dentro e o fora, entre um espaço protegido e interno, para o mundo além, cheio de perigos e desafios.
No final do século XIX, notadamente a partir do início do século XX, começa a haver um interesse maior no estudo, por parte de alguns autores, do relacionamento entre a atividade artística e a expressão do mundo subjetivo, o que leva as produções de pacientes psiquiátricos serem alvo de muitas especulações.
O momento histórico no qual acontece o entrelaçamento da arte, psicologia, psiquiatria e psicanálise é descrito por FERRAZ (1998) em seu livro Arte e loucura (VASCONCELLOS; in Arte na Psicoterapia, 2006). Mohr com seu livro A propósito dos desenhos de doentes mentais e da possibilidade de sua utilização para fins diagnósticos influenciou alguns pesquisadores – que se engajaram na elaboração de testes projetivos – e no estudo de autores que elaboraram testes de inteligência e de avaliação da função percepto-motora (FERRAZ,1998).
Na definição da American Art Therapy Association (AATA), fundada em 1969, arteterapia é uma profissão assistencial ao ser humano, que oferece oportunidades de exploração de problemas e de potencialidades pessoais por meio da expressão verbal, não verbal e do desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e emocionais; bem como a aprendizagem de habilidades por meio de experiências terapêuticas com linguagens artísticas variadas.
A psicanálise foi pioneira em mostrar interesse na compreensão da dinâmica psíquica através de obras de artistas consagrados. Freud, por exemplo, publicou o artigo Leonardo Da Vinci e uma Lembrança de sua Infância (1910) e Moisés de Michelangelo (1914).
Na década de 1920, Jung partindo da análise dos processos da linguagem imagética (baseada em imagens), dedicou-se à compreensão dos arquétipos do inconsciente coletivo. Nessa época a arte já era vista não só como uma possibilidade de diagnóstico, como também elemento terapêutico, o que o levou a utilizá-la como parte do processo psicoterapêutico de seus pacientes. Ele estudou as imagens originárias do inconsciente, dando ampla importância às manifestações artísticas em suas pesquisas.
O interesse na produção expressiva de pacientes psiquiátricos originou, em contrapartida, novos paradigmas no campo das artes plásticas. Sob a influência do pensamento psicanalítico que vigorava na época, surgiram os movimentos artísticos: do expressionismo e surrealismo.
Assim como os artistas expressionistas, alguns representantes do surrealismo foram buscar inspiração indo ao encontro da arte produzida por doentes mentais dentro dos hospitais psiquiátricos, incorporando em suas obras elementos oníricos, irracionais, fantasiosos e até bizarros, numa expressão intensa do mundo imagético interno que buscava subverter a própria censura.
A arte dos doentes mentais ao ser valorizada, recebeu espaço dentro de museus na Europa. Jean Dubuffet, juntamente com outros artistas, fundou a Companhia da Arte Bruta em 1948, reunindo trabalhos artísticos com características bastante peculiares: embora parte considerável dessa coleção tenha sido formada por obras de psicóticos, o sentido principal é a produção de pessoas que estejam fora de qualquer condicionamento e sistema cultural ou social; mas com trabalhos elaborados de modo independente, original, tanto do ponto de vista da forma, temas, como de técnicas e materiais.
O arteterapeuta é um facilitador utilizando como instrumento de trabalho múltiplos materiais, para adequar-se à produção de cada indivíduo. Através dos materiais gráficos, das tintas, das colagens, modelagem, dos fios para tecelagem, dos papéis para dobradura, da confecção de máscaras, da criação de personagens, das miniaturas no tabuleiro de areia, de materiais como folhas, sementes, cascas de árvores ou da aproximação e experimentação com elementos vitais como a água, ar, terra e fogo e inúmeras outras situações criativas, surgirão os símbolos pertinentes a cada indivíduo, possibilitando assim que ele entre em contato com aspectos a serem compreendidos e transformados.
A retomada da criatividade, portanto, possibilita transformações e atribuições de novos significados às experiências vividas, frustradas ou simplesmente sonhadas.
O que encontramos é a valorização da arte por parte de alguns profissionais, no sentido terapêutico, uma vez que, como instrumento de expressão, constatou-se que ela ajudaria a "desvendar as aflições e os sofrimentos da mente".
O idoso ao aliar a criatividade à liberdade de escolha, autonomia e ousadia, adaptados à sua nova realidade, permitirá um viver mais criativo com melhor qualidade de vida, apesar das dificuldades decorrentes do processo de envelhecimento.