Por Jocelem Salgado
O horário de verão de 2018 iniciou a zero hora deste domingo, 04 de novembro, em 10 estados e no Distrito Federal, e irá até às 23h59, de sábado, 16 de fevereiro de 2019. Ele afeta mais de 130 milhões de brasileiros. Desses, cerca de 50% a 25% se ajustam em mais ou menos um mês. Mas os outros 25% não se ajustam durante toda vigência do horário.
Promover as pazes entre o relógio e a vontade de ficar na cama costuma ser tarefa penosa para muita gente. Tantas e tão variadas são as queixas que o Prêmio Nobel de Medicina do ano passado provou cientificamente que uma parcela de nós nasceu para acordar cedo e outra para acordar tarde, respectivamente os matutinos e vespertinos. Nesse mesmo ano, a revista eletrônica semanal "O Fantástico" (Rede Globo) divulgou o primeiro estudo científico brasileiro explicando de que forma o horário de verão afeta a saúde dos brasileiros. Entre os males: disfunções intestinais, dores de cabeça, sonolência durante o dia, insônia à noite e até mesmo gripe.
Não é só crença, é pura verdade, garantem os que estudam esse processo que chamam de "relógio biológico" ou "ritmo circadiano", isto é, o ritmo adequado a cada organismo e que determina quando uns sentem mais sono e outros mais disposição.
No caso do horário de verão, os mais sensíveis a mudanças no relógio devem estar preparados para a transição conforme o período citado acima.
Quando lidamos com hábitos mais arraigados, os acertos ficam mais difíceis. Tenho amigos e amigas que levantam antes das seis horas para deixar as crianças nos colégios. Alguns deles já saem de casa com uniforme de jogging e vão direto da porta da escola para a academia ou para a caminhada no parque, ou mesmo para o trabalho. Outros dirigem o carro de pijamas disfarçados e, assim que os filhos são entregues, voltam correndo para casa e mergulham debaixo dos lençóis.
Os primeiros produzem muito pela manhã. Sentem-se dispostos, antenados, comunicativos enquanto o sol lá fora está brilhando. Quando tentam ver um programa ou filme pela TV depois das onze da noite, correm o risco de dormir no sofá.
Os outros, melhor deixá-los dormindo uma parte da manhã, porque não vão produzir muita coisa. Entrarão no pique no meio da tarde e serão capazes de trabalhar horas depois que a cidade inteira adormeceu.
É claro que essa diferença de ritmo tem a ver com algo herdado da nossa história biológica. Mas os especialistas não sabem dizer se o gostar de levantar cedo ou de acordar tarde tem algo a ver com os costumes de vida da própria pessoa. Por exemplo, conheço alguém que trabalhou durante muitos anos numa empresa que o obrigava a acordar pelas duas da manhã, por isso, só ia sentir sono lá pelas duas da tarde. Continua acordando cedo até hoje, mesmo podendo agora se levantar com o jornal do meio-dia. Outro conhecido trabalhava em rádio e durante muito tempo só deixava o trabalho pelas quatro da manhã. Seu horário mais produtivo era depois das seis da tarde. Ele já mudou de emprego, poderia alterar seus horários, mas diz que não consegue, continua preferindo as madrugadas.
Mas deixando de lado esses extremos, vamos falar do que é mais frequente: pessoas que precisam alterar hábitos que cultivaram durante muitos anos, ou que convivem com parceiros cujo despertador toca na hora em que o outro está com mais sono. Chico Buarque já cantou as diferenças de fuso horário entre casais no seu "Funcionário e a bailarina".
O que fazer para amenizar o desconforto da mudança de horário?
Há algumas sugestões que podem ajudar aqueles que estão acostumados a dormir até mais tarde e, de repente, precisam levantar cedo. Um truque é colocar o despertador para tocar pelo menos 15 minutos antes da hora. O ruído e o próprio processo de despertar, aumentam a quantidade de cortisol, um hormônio cuja produção cresce em situações de estresse.
Quando chegar a hora de deixar a cama, 15 minutos depois, o organismo já estará com mais energia e disposição para aceitar a determinação de que é preciso levantar. Não é por acaso que muitos adolescentes programam seus players ou plataformas streaming para que sejam acordados 15 minutos antes com suas músicas preferidas, geralmente as mais barulhentas. Há estudos relacionando a música com o aumento do cortisol e da adrenalina no organismo.
Esse tempo de "energia-musical" vai descarregar em seus organismos uma disposição extra em hormônio, o que ajuda a explicar por que conseguem se manter dispostos e animados já na primeira aula, quando o natural seria que estivessem, no mínimo, mal-humorados.
Para nós, adultos, que certamente não vamos usar o recurso da banda mais barulhenta para nos acordar, vale lembrar alguns cuidados. Se você não está acostumado a acordar cedo, e por algum motivo precisa saltar da cama bem antes do horário, procure evitar bebidas alcoólicas e comidas pesadas. O álcool pode dar a sensação de um gostoso relaxamento, mas pode retardar o sono. Procure não pular as refeições. Isso pode causar queda no nível de açúcar, o que resultará em cansaço. Também não reserve um prato pesado como último do dia, você terá mais dificuldades para adormecer.
Mas chegou sua hora de dormir, e você não sente a menor vontade de dormir. Tome um banho quente, de banheira ou mesmo de chuveiro. Não tenha pressa, esqueça o relógio. Feche bem as cortinas, escureça seu quarto, não tente ficar lendo e vendo TV ao mesmo tempo. E não fique cobrando resultados. No primeiro dia poderá ser um desastre, você corre o risco de passar a madrugada esperando o despertador tocar. Considere tudo isso como natural e acredite que seu organismo será capaz de se adaptar aos seus novos horários em pouco tempo.
Se você, ao contrário, é dessas pessoas que dormem e acordam prazerosamente muito cedo, e agora terá de dormir tarde e levantar tarde, precisará fazer o processo inverso. Quando chegar em casa para dormir, feche todas as cortinas, mantenha seu quarto escuro como se a noite fosse apenas começar. A luz funciona como um "despertador" na produção de alguns hormônios, mantendo o organismo acordado. Evite bebida alcoólica, pois a tendência é que você, já se sentindo cansado, sinta mais intensamente os efeitos do álcool.
Se você vai passar a noite acordado e não tem esse costume, procure comer pizza ou massa. O carboidrato vai produzir a energia que o ajudará a enfrentar a madrugada. Não fuja da sobremesa, mesmo que esteja preocupado com seus quilos. Uma salada de frutas, um sorvete ou um iogurte vão ajudar a mantê-lo acordado.
Acompanhei colegas e conhecidos, médicos e enfermeiras, que enfrentavam as variações de plantões quebrando completamente seus horários. Não há como disciplinar ou treinar o organismo para adaptar-se a situações que variam a cada semana e que não têm um ciclo definido. Ainda assim, não passando longos períodos sem alimentação, e evitando pratos pesados em diferentes horários, essas pessoas podem se sentir mais fortalecidas para responder às necessidades impostas pelos horários.
A diferença entre "madrugadores" e "retardatários" existe de fato quando se observa o horário em que seus organismos estão em "alerta máximo". Mas outras funções corporais, como a temperatura, não apresentam diferenças significativas. Nos dois casos, os madrugadores e os outros, a temperatura do corpo atinge seu ponto mais elevado entre 19h00 e 21h00, e seu ponto mais baixo às 04h00 da madrugada.
Estudos mais recentes estão revelando que o ritmo circadiano que regula as funções de sono, digestão e secreções não varia muito com a idade. Até então, acreditava-se que o período de sono ou o ritmo circadiano era reduzido com a idade. O que se sabe agora é que os mais idosos podem ficar com um período mais restrito de sono profundo, o que os levaria a acordar mais cedo. O organismo de jovens e idosos conservaria o mesmo ritmo circadiano de 24 horas.
As wp_posts que regulam o sono, como aquelas determinadas por proteínas que funcionam como despertadores, vêm sendo alvo de pesquisas há muitos anos.
O laboratório do sono ainda tem muito para revelar. Da nossa parte, que lidamos com a alimentação, a sugestão é que as vítimas da insônia e aqueles que sofrem com mudanças de horário, fiquem mais atentos ao que comem e bebem. Nem é preciso repetir que alimentos pesados, café e cigarro perturbam o sono. Mas vale lembrar que a vida sedentária também atrapalha nosso relógio biológico. Portanto, antes que o médico nos receite comprimidos para dormir, vale a pena associar exercícios e alimentação. Cabe a você descobrir a receita mais adequada.