por Elisandra Vilella G. Sé
Um grande embate para uma família enfrentar na hora de ir ao médico, é o de avaliar os sintomas de falhas de memória, dificuldades de comportamento, mudanças no desempenho de tarefas, entre outros sintomas que configuram a demência do tipo Alzheimer no decorrer do envelhecimento. A família é informada de um diagnóstico de provável doença de Alzheimer.
Esse embate diz respeito a falar ou não para o paciente que ele tem a doença, por se tratar de uma doença neurodegenerativa e progressiva.
Ninguém sabe se estará sujeito a desenvolver a doença de Alzheimer na velhice e é uma dúvida cruel em saber como a doença vai evoluir. Isso significa que receber a notícia que está com uma provável demência e sem cura causaria um impacto no bem-estar, no equilíbrio emocional, mudanças na dinâmica familiar, nas interações, nas tomadas de decisões e transformações no estilo de vida.
O diagnóstico de uma doença degenerativa representa consequências psicossociais, principalmente se o diagnóstico for feito de forma precoce, porque o paciente nessa fase tem consciência de sua condição clínica, já numa fase mais avançada, o paciente não compreende o significado de estar com a doença.
Costuma-se ver esse dilema “do falar ou falar” que está desenvolvendo uma provável demência do tipo Alzheimer parecido com a situação do diagnóstico do câncer até os anos 1960 e com a AIDS nos anos 1980, quando receber um diagnóstico de uma doença sem tratamento eficiente, poderia significar ter que aceitar o fim da vida. Mas com os avanços no tratamento, o câncer passou a ser tratado com mais naturalidade, a medicina passou a contar e explicar abertamente para o paciente o diagnóstico e o prognóstico e os pacientes melhor informados e passaram a ter uma participação mais ativa nas tomadas de decisões sobre o tratamento.
Tem ocorrido a mesma coisa com a doença de Alzheimer, as diferentes formas de tratamento e as abordagens psicossociais e sóciocognitivas podem fazer a diferença no controle dos sintomas cognitivos e comportamentais que caracterizam a doença. Não se trata mais de uma situação que não há nada o que fazer.
Muitas vezes opta-se por um consenso entre o médico e a família, a preferência da família pode ser a de não querer falar para o paciente o diagnóstico, com o intuito de que revelar o diagnóstico poderá causar uma depressão, uma desesperança e desmotivação e trazer consequências no decorrer do tratamento.
Outras já preferem que o diagnóstico seja revelado para o paciente, até porque ele mesmo exige saber. Comunicar o fato a outros familiares pode ser benéfico no sentido de se buscar mais redes de suporte para enfrentar os desafios da doença.
A construção do significado da doença, o quanto o paciente entende sobre ela, depende muito da relação com o médico, de como esse diagnóstico é dado, e o quanto ele é explicado e, principalmente, compreendido.
No texto de *Roy Porter “Expressando a Enfermidade na Inglaterra Georgiana” (1993), o autor aponta para a questão do “rótulo” da doença, uma vez que ao dar um“rótulo” a um problema, espera-se diminuir a ansiedade do desconhecimento. A nomeação das doenças envolve classificação, promove um prognóstico e indica uma terapia. Como diz um velho ditado, uma doença nomeada, é uma doença quase curada. E isso pode causar grande ansiedade ou frustração na família, e no próprio paciente.
9 entre 10 pacientes gostariam de saber sobre provável diagnóstico
Uma pesquisa realizada com cuidadores de pessoas com doença de Alzheimer revelou que 83% dos familiares não gostariam que fosse contado sobre o diagnóstico. Porém, 71% desses mesmos cuidadores gostariam de saber sobre o diagnóstico se tivessem a doença (Bertolluci, 2006 – Manual do cuidador – ABRAZ, Associação Brasileira de Alzheimer). Esse fato mostra a diferença que existe da percepção subjetiva do familiar e do paciente quanto às estratégias de enfrentamento de um evento estressor, no caso saber da doença. É muito difícil saber a atitude adotada pela família e pela própria pessoa durante a recepção do diagnóstico de provável doença de Alzheimer. É significativo que, entre pessoas idosas saudáveis, sem demência, 9 entre 10 gostariam de saber do diagnóstico da doença, se fosse o caso.
Estudo realizado por Dias e Morato (2009), no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp e na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp com familiares de pessoas que receberam o diagnóstico de provável doença de Alzheimer, procurou compreender o impacto psicossocial da notícia do diagnóstico e à forma pela qual ele era falado e compreendido pelo paciente e seus acompanhantes. A pesquisa constatou um sério problema de comunicação entre o profissional e o paciente, uma vez que surgem dificuldades de explicação e de recepção do diagnóstico. Quando o paciente e a família recebem a notícia do diagnóstico que ocorre a co-construção da significação da doença, a compreensão do que ela acarreta, dos processos, dos sintomas, etc. Portanto, a forma de falar para o paciente e o preparo e apoio à família é fundamental.
Não existe uma resposta para superar esse embate. A dúvida entre falar ou não sobre diagnóstico da doença de Alzheimer para o paciente continuará existindo. Para alguns cuidadores familiares, existem fortes razões para não contar para o sujeito que está com a doença de Alzheimer, devido ao efeito danoso, estigmatizador que a doença causa e também a resistência que o paciente tem de aceitar, dificultando abordagens de tratamento. Para alguns pacientes que questionam os profissionais e fazem questão de saber, a resposta terá que ser sincera. É preciso flexibilidade, postura ética e bom senso na área clínica, porque existem formas de falar e explicar.
O que sabemos é que como toda doença, a demência também é carregada de significados e só quando se conhecê-la melhor, e principalmente, quando se descobrir um tratamento, teremos uma nova face desse diagnóstico.
* Roy Porter (1946-2002) historiador popular e conceituado da medicina