por Fátima Fontes
Introdução
"Fui atrás da fotografia, acho, por que precisava capturar a vida. Mas a vida não é capturada pela fotografia… Daí vem o fato de minha fotografia ser simples… Não precisa de nada além do olho, da cabeça e do coração. Então, eu tento celebrar os dias normais. Nada grande está acontecendo? Eu tiro uma foto e aquele momento vira grande."
(David Alan Harvey, fotógrafo americano em entrevista à Paula Sachetta, publicada no jornal O Estado de São Paulo, caderno Aliás, Domingo 28 de Setembro de 2014, páginas E6 e E7).
Encontramos-nos outra vez para refletir sobre nosso viver em um mundo de relações. Desta vez, aproveito o momento político que nos cerca, afinal, no próximo domingo dia 26 de Outubro, estaremos escolhendo o destino político de nosso país. E escolher é sempre uma ação complexa, que exige que estejamos bem, em paz, para podermos analisar com mais propriedade as candidaturas, suas propostas e assim não sermos alvos de campanhas difamatórias e tonalizadas por uma emocionalidade novelesca e perigosa.
Para tanto, precisaremos estar em paz conosco e com o outro que nos cerca. Proponho então neste texto, que possamos pensar sobre a possibilidade de celebrarmos nosso viver cotidiano, sem grandes eventos, aqueles momentos normais, que infelizmente automatizamos e nos esquecemos de agradecer por vivê-los, como caminho para estarmos melhor sintonizados com tudo, facilitando assim nosso processo decisório.
Celebrando nosso olho, cabeça e coração…
Pois é, pode parecer banal ou piegas, mas precisamos com urgência rever nosso sistema de gratidão à vida, que nos "ha dado tanto...", como canta tão lindamente nossa Mercedes Sosa, em letra preciosa de Violeta Parra. Mas já não contabilizamos agradecidamente o nosso viver e nos perdemos num mar de queixas e insatisfações sobre nós mesmos e sobre os que nos cercam.
E seguindo a proposta cantada por Mercedes Sosa, precisamos agradecer por nossos sentidos e sistemas humanos: o ver; o ouvir; o nosso potencial para aprender aquilo que nos é ensinado; o nosso sistema de locomoção: pés e mãos; e nossa capacidade de sentir as emoções de alegria, tristeza, saudade e amor.
Para, além disso, que por si só já deixou a muito tempo de ser uma tarefa da qual nos ocupemos, essa letra musical de Violeta Parra nos brinda com a celebração pela existência da pessoa que amamos. Essa estratégia para viver a plenitude do encontro humano passou a ser uma atividade quase extinta do nosso existir contemporâneo: temos nos arrastado sob o peso de ilusões relacionais que parecem convencer as pessoas de que exista uma "pessoa ideal" para cada um, o que torna aquela pessoa com quem estabelecemos uma aliança relacional uma eterna fonte de insatisfação, visto que de ideal ela não tem nada: ela é normal, com defeitos e qualidades e pode ser substituída, num mundo de amores líquidos, como nos conta o sociólogo Zygmunt Bauman.
Celebrando todos os nossos momentos
Em tempos de produção industrial de cultura e lazer, ressalto mais lazer que cultura, vemos enriquecer as grandes empresas de eventos e seus mega shows, alegria vendida a alto preço! Isso tem gerado ainda mais afastamento da realidade concreta, essa outra, na qual todos vivemos: os endinheirados que podem se divertir de Domingo a Domingo, e todos os outros que parecem se sentir inferiores por não poderem participar dessa pan folia ininterrupta.
Mas a realidade concreta, longe de ser uma carga, um fardo existencial, ainda que tenhamos, a maior parte de nós que produzir, com o suor de nossos corpos, nosso sustento, revela a grandeza de acordarmos vivos, de termos sido presenteados como dom da vida, esse fôlego que insiste em ser soprado em nós a cada amanhecer.
Sob esta "lente celebrativa" o viver, se converte numa grande aventura, repleto de bons e maus momentos, mas que juntos nos farão melhores seres, melhores companheiros de jornada uns para os outros.
Mas imaginem celebrar dores e agruras, momentos de lágrimas, separações e perdas num mundo de pessoas que cultuam uma sociedade do espetáculo, na qual selfies exibem sorrisos largos e fixos e imagens de alegria e do que nos torna "felizes"?
Pois é essa a minha proposta: abaixo a "alegria da hiena", animal que tem um sorriso colado na face, mas que é anatômico e nada tem de conexão com a emoção de seu portador, e que possamos rir e nos alegrar com vitórias, conquistas e bons momentos, que na realidade não duram para sempre e são sempre intercalados por importantes momentos de crise, oportunidade de nos melhorarmos como pessoas, mas que também são passageiras.
Bancando inteiramente as nossas escolhas
Nos dois primeiros tópicos desta reflexão estimulei vocês leitores a sorverem mais suas existências e assim celebrarem mais quem vocês são e também a agradecerem por seus pares, como caminho de suavizar suas interioridades.
Afinal, como coloquei na introdução, é hora de decidir o rumo político de nossa pátria, e é o nosso voto que promoverá o novo ou o velho cenário. Mas saindo do caminho da exaustiva e chata enxurrada de mensagens dos candidatos e seus enfadonhos cabos eleitorais multiplicados exponencialmente pelo caminho viral das redes sociais, proponho uma parada para ficar em paz.
Que tal não ouvirmos mais o que "eles dizem" e nos escutarmos? Com que realidade queremos conviver? Quem mais se aproxima disto? Escolher é o ato mais sério da vida, pois há sérias implicações nas decisões, daí porque não deve ser feita de modo atabalhoado, frívolo e impulsivo. Olhe para seu interior, olhe para seu próximo e decida.
Quando decidimos, nos tornamos coparticipes daquilo que elegemos! Então, por favor, nos poupemos e aos que nos cercam de nossos queixumes: nós somos as nossas escolhas, então, não nos ponhamos a nos lamentar e chorar sobre algo na qual a nossa coresponsabilidade é total!!!
Jamais haverá um governo que agrade a todos, que contemple a todas as necessidades, isso é mentira política e pura demagogia, precisaremos, para fazer escolhas sensatas, nos basear nos fatos da realidade: essa pessoa que se propõe a nos governar tem se mostrado um hábil administrador da coisa pública? Está implicado em redes de corrupção e mentiras? O pior cego não é aquele que tem privação sensorial visual, afinal este pode ver com outros sentidos e com sua "janela da alma", mas a pior cegueira é a do fundamentalista militante, aquela pessoa que se deixa cegar por ideologias e crenças e defende com ferro, fogo e às vezes distorcendo as evidências seus deuses e gurus!
E para finalizar…
Desejo-lhes, ao fim desta reflexão, um tempo de paz e de boa condição de escolha, e que num clima de alegria e muita responsabilidade participemos da grande festa democrática que é uma eleição de governantes.
E para reforçar esse meu voto, deixo a letra completa da canção que muito me inspirou nesta escrita e o link para vocês a ouvirem, o que é um outro deleite!
Gracias a La Vida
Mercedes Sosa
Compositor: Violeta Parra
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el oído que en todo su ancho
Graba noche y dia, grillos y canarios,
Martillos, turbinas, ladridos, chubascos,
Y la voz tan tierna de mi bien amado.
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abecedario
con él, las palabras que pienso y declaro
madre, amigo, hermano
y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos
playas y desiertos, montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano
cuando miro el bueno tan lejos del malo
cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto
así yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida, gracias a la vida