por Roberto Goldkorn
Já fui um cara bom na arte de fazer inimigos. Na verdade não os fazia por gostar, ao contrário, me martirizava saber que alguém me odiava, ou que me desejava o pior, mas era simplesmente irresistível.
Parecia que eu tinha o toque de Midas para criar inimizades, embora buscasse amizades achando que minhas "qualidades" venceriam a hipocrisia e a mentira e, por fim, triunfariam.
Contestar era a minha expertise, como bom goleiro que sempre fui, não permitia que alguém chutasse em gol qualquer bobagem ou ofensas a minha "inteligência"- entrava de sola e buscava desmontar o "adversário".
Não foi uma tática de jogo das mais espertas. Ficava sabendo por terceiros que fulano ou fulana me acharam um sujeito pedante, arrogante, chato e outros adjetivos que eu nunca pretendi ter na minha folha corrida.
Aos poucos fui olhando para isso e me obrigando a refletir.
Depois de superar a fase: "Eles são todos uns imbecis", passei a buscar onde estava pisando na bola, onde eu ultrapassava a linha entre o sujeito simpático e o chato-arrogante-dono-da-verdade.
Minha primeira parada: Discutir não é um esporte legal. Na Índia antiga havia torneios de debates onde grandes sábios debatiam suas teses e crenças em público com adversários e quem perdia acatava a crença do vencedor. Mas isso era na Índia Clássica, entre sábios…
Aqui as discussões só geram embriões defeituosos que não caminharão saudáveis sobre a Terra. Discutir pontos de vista é em geral uma atividade sadomasoquista, onde um ego fortemente armado busca (em vão), em primeiro lugar se convencer, em segundo, desfilar seu convencimento mesmo sabendo que não irá convencer o outro e sim criar oposição, controvérsia e choque.
O subproduto de uma discussão quase sempre é ressentimento, no mínimo. Dependendo da postura do sujeito na discussão pode gerar mais que ressentimento, pode gerar animosidade, ódio e outras emoções da lista das indesejáveis.
Formas de dirigir-se ao outro podem gerar desafetos
A segunda parada foi na Forma. A Forma como a gente se dirige ao outro pode ser como uma flecha envenenada. Uma pergunta envolta num sorriso torto, francamente sarcástico, é um corte de navalha no ego alheio. E sempre tem retorno.
Gestos de incompreensão com sorrisos marotos, dar as costas para o interlocutor e se voltar para a "plateia" tentando jogá-lo contra os outros tem a sua eficácia em produzir desafetos. E sempre tem retorno.
Parei também na minha necessidade de não deixar passar nada. Desmentir outra pessoa na frente de uma audiência não é saudável, mesmo que ela esteja dizendo besteirol líquido e você se sinta na obrigação moral e cívica de restabelecer a verdade doa quem doer.
Uma vez num almoço a mim oferecido tive a indelicadeza de contestar o dono da casa numa tese com a qual eu não concordava. Eu certamente estava certo, mas tornei-me errado ao ignorar o timing: aquela não era hora certa par colocar meu anfitrião no chão. Não precisava ter concordado apenas me calado, esperando outra ocasião onde pudesse mostrar-lhe que calar não é consentir.
Contestador antenado pode tornar-se um chato incurável
Existe aqui uma questão que é um dos grandes dilemas do indivíduo adulto. Quando ele é saudável o suficiente para ver com olhos críticos a sociedade e sua cultura, pode exercer sua individuação de forma mais ostensiva. Pode agir constantemente contra a corrente, parecendo aos outros um rebelde, maluco ou, pior ainda, um chato incurável. Ele ganha pontos em sua tabela de satisfação interna, mas perde no julgamento e no conceito do grupo.
Ao contrário quando estamos diante de um sujeito mais bem ajustado socialmente, ele vive maiores conflitos internos, sofre silenciosamente por estar (inconscientemente) renunciando a sua pessoalidade, mas ganha em aceitação e acolhimento do grupo, o que pode dar por algum tempo uma sensação quente de aprovação e pertencimento.
Lembro-me de um jovem que veio da África para o Brasil (São Paulo) e decidiu que aqui seria doravante seu lar. Ele me perguntou qual era o time de futebol mais popular, do que as "mulheres" brasileiras gostavam, quais eram os locais da moda, a cerveja mais consumida e mais uma série de perguntas.
Em poucos dias ele se tornou um corintiano fanático (desde criancinha) e ganhou instantaneamente milhares de "amigos" (e também ganhou os "inimigos" tradicionais na figura dos torcedores dos times rivais), cúmplices e aliados, já tinha o seu bar favorito, seu garçom favorito que o chamava pelo primeiro nome, sua cerveja favorita etc. Seguindo esses padrões em breve se tornou um paulistano autêntico, cheio de "amigos", com a agenda social lotada. Mas tudo isso cobrava um preço: a perda do traçado original, a despersonalização e no longo prazo as neuroses ou psicoses.
O medo da solidão e do isolamento social leva imensos contingentes a essa adaptação gelatinosa ao padrão do grupo. Por outro lado, o medo da incorporação e dissolução social, anulando o ego, leva alguns a atitudes francamente antissociais, ou no mínimo estranhas e antipáticas aos olhos do grupo ou de determinada cultura.
Esses dilemas de nível psicológico/existencial devem ser vistos em termos práticos como modelos de atuação no cotidiano. O que queremos? Preservar nosso Eu, nossa pessoalidade que foi conquistada a custa de sacrifício e desenvolvimento da mente crítica, ou sermos os reis e rainhas do baile?
Os filmes americanos estão constantemente tratando desse assunto. De um lado mostram a discriminação e o bullying de jovens que não são líderes de torcida nem astros do futebol de um lado. De outro, os esforços sacrificiais que muitos fazem para serem aceitos nas irmandades (ou gangues), com seus ritos humilhantes e dolorosos; estão retratando exatamente essa encruzilhada, entre o indivíduo e a sociedade.
Qual o caminho certo? Sou suspeito para responder porque sempre escolhi o caminho do eu-sozinho-comigo-mesmo. Mas essa opção não é também isenta de sofrimento e espinhos. Deve haver um caminho do meio, algo entre um retiro para o deserto e passar a vida no baile.
Talvez a resposta esteja na frase magistral atribuída a Victor Hugo que resume toneladas de conceitos, onde ele diz que o ideal é: Ser solitário porém solidário.
Assim talvez possamos ter o melhor dos dois mundos.