por Regina Wielenska
Aqui no Brasil observo, de um modo certamente simplificado, a existência de dois grupos de instituições de ensino superior: aquelas com um processo seletivo que de fato acolhe alunos muito bem preparados no ensino médio, e que terão pela frente um curso puxado, com padrões de excelência. Isso aumenta a chance desses jovens serem aceitos em estágios melhores, na pesquisa ou em outras áreas.
As empresas costumam peneirar, por meio de seus extensos processos de recrutamento e seleção, os egressos dessas universidades de primeira linha, e isso significa haver correlação positiva entre ser aceito numa universidade de ponta e conquistar, anos depois, uma boa chance inicial no mercado de trabalho.
Nas instituições de ensino com processos seletivos mais obscuros, pouco exigentes, nas quais em geral basta fazer uma prova ou redação online e pagar direito todas as mensalidades, ou conseguir um financiamento que assegure a adimplência, ter presença em torno de 75 por cento, numa modalidade de curso online ou presencial. Geralmente são alunos de cursos noturnos, moradores de bairros distantes do local onde estudam e trabalham, com um orçamento apertado, um histórico de lacunas de conhecimentos básicos. Chegam à universidade a duras penas, com dificuldades de redigir e interpretar textos, não dominam outros idiomas, estão exaustos durante as aulas, quase sem tempo pra estudar de forma a suprir as lacunas. Poucos são ajudados na superação das dificuldades de base, e a elas se somam os desafios próprios do curso superior, com suas muitas disciplinas. Ao final do curso, que deixa um rastro de desistências, resta batalhar por vagas no mundo do trabalho, e os processos seletivos mais disputados os excluem logo que preenchem os formulários online ou participam de uma entrevista por telefone, toda em inglês ou espanhol.
Conheço, felizmente, exceções. O mais usual é que o aluno tomou consciência de suas lacunas de aprendizagem e arranjou, com sacrifício, formas de resolver o problema. Alguns conseguiram que professores os ajudassem nas dificuldades. Outros fizeram o curso mais devagar, para terem tempo de estudar melhor. Esses alunos podem até se tornar os melhores de seus cursos e aí conseguem ser encaminhados pra estágios e empregos por meio de docentes, indicações de conhecidos, e centrais de estágios. Não é uma vida fácil a de quem vai dar a volta por cima. Estão num malabarismo extremo, mesclando uma vida dura e cultivando o sonho do sucesso financeiro via uma carreira de qualidade.
Mas, para os dois grupos, entra em cena uma questão bem séria, de ordem pessoal. A carreira escolhida traz prazer, realiza o indivíduo em seu nível subjetivo?
O que ele faz tem um sentido?
Ele se sente motivado na empresa ou centro de investigação onde atua?
Percebe uma linha mestra coerente e atraente?
Sua unicidade é contemplada onde atua?
Que relacionamento constrói com as pessoas e a estrutura da empresa?
Neste pequeno parágrafo contemplo um mundo de variáveis, que podemos englobar sob o rótulo de atuar com um senso claro de propósito e sentindo-se motivado, preenchido.
Fico aflita ao pensar que isso ocorre com gente tão jovem, que está a aprender ao mesmo tempo que estudam e trabalham, coisas como amor, sexo seguro, política, cultivo de amizade e vida familiar, controle das finanças, autocuidado, são habilidades e valores mil, uma lista que não acaba. E um dia tem apenas 24 horas pra caber tanta coisa.