por Edson Toledo
Recentemente escrevi sobre a relação entre dormir e peso, onde a conclusão de cientistas foi a de que em geral dormir menos de sete horas por noite leva as pessoas a comerem muito mais. Pois bem, agora um estudo publicado na prestigiosa revista Science, a neurocirurgiã e cientista Maikem Nedergaard – Universidade de Rochester (EUA) – descobriu que um fluxo de líquido cérebro-espinhal enxaguava os cérebros de roedores enquanto eles dormiam. “É como se fosse uma máquina de lavar louça”, disse a cientista.
A cientista explica que esse processo de limpeza do cérebro foi comprovado em ratos e em babuínos, mas ainda não em humanos. De acordo com Nedergaard, o grupo de cientistas inicialmente notou que, durante o sono, o sistema que circula fluido cerebrospinal bombeava líquido para dentro e para fora do cérebro em um ritmo bem rápido. Durante o sono, as células cerebrais dos ratos encolhem, deixam mais espaço entre elas para que os fluidos circulem.
Se isso for verdade também para humanos, nossa máquina de lavar louça cerebral seria capaz de explicar a até então misteriosa relação que existe entre distúrbios do sono e distúrbios cerebrais, incluindo Alzheimer. Uma das substâncias removidas durante a limpeza é o beta-amiloide, que forma placa que está associada à doença.
Outra descoberta é que o fluido que enxágua o cérebro dos ratos durante o sono levava embora toxinas que se acumulavam nos espaços entre as células, substâncias que seriam prejudiciais ao cérebro. E isso explicaria por que é impossível pensar claramente se você virar a noite sem dormir e por que privação do sono pode matar.
Numa TEDMED (conferência TED dedicada à saúde e medicina) realizada em São Francisco (EUA), o neurocientista Jeff IIif da Oregon Health & Science University, revela que ao contrário do resto do corpo, o nosso cérebro não possui sistema linfático, um conjunto de vasos através dos quais os tecidos purgam os produtos do metabolismo, ou seja, os resíduos que resultam da atividade celular (processo simular ao conhecido por algumas mulheres que fazem drenagem linfática).
A questão é que o cérebro é um órgão que representa apenas 2% da massa corporal, mas utiliza 1/4 da energia que consumimos e por isso a quantidade dos produtos dessa atividade celular é enorme. Então como é que o corpo se livra desses compostos?
O neurocientista explica que é o líquido cefalorraquidiano (LCR), que protege e nutre o sistema nervoso central (cérebro e espinal medula), também o responsável pela respectiva limpeza. O que até há pouco tempo não se sabia é que esse processo decorre precisamente durante o sono. Novas técnicas de *imagiologia permitem ver, literalmente, o movimento do LCR durante o sono.
O neurocientista afirma que “se o sono faz parte da solução para o problema de limpeza de resíduos do cérebro, isto pode alterar drasticamente o modo como olhamos para a relação entre o sono, a beta-amiloide e a doença de Alzheimer.”
Cérebro não para
Numa apresentação clara e esclarecedora, o investigador conclui: “Todos nós dormimos diariamente, mas os nossos cérebros nunca param. Enquanto o nosso corpo está inerte e a nossa mente vagueia pelos sonhos, a maquinaria elegante do cérebro trabalha árdua e silenciosamente na limpeza e manutenção dessa máquina incrivelmente complexa. (…) No que toca à limpeza do cérebro, o que está em jogo é a saúde e a funcionalidade do corpo e da mente, o que torna a compreensão destas funções primárias, no presente, fundamental para prevenir e tratar doenças mentais no futuro”.
Já se sabe que o sono desempenha um papel importante na fixação da memória e no aprenzidado. Os pequisadores da universidade americana agora acreditam que a "faxina cerebral" é uma das principais razões do sono.
"O cérebro tem energia limitada e precisa escolher entre dois estados funcionais – ou está acordado e atento, ou dormindo e fazendo a faxina", disse Nedergaard. E completou: "É como uma festa em casa. Ou você recebe os convidados, ou limpa a casa. Não dá para fazer os dois ao mesmo tempo".
Ter um bom sono é essencial para manter uma boa saúde, todos nós sabemos disso. O conhecimento sobre a fisiologia do cérebro durante o sono é ainda escasso, mas as pesquisas estão avançando.
* Imagiologia: especialidade médica que permite a obtenção de imagens de diversos órgãos e sistemas