por Juliana Zacharias – psicóloga componente da equipe do NPPI
Ninguém mais pode negar que a Internet vem modificando muito os modos de relacionamento entre as pessoas. Conseguimos rapidamente contato com pessoas que moram longe, encontramos antigos amigos que ficariam somente na lembrança, não fosse a facilidade criada por sites como Orkut, procuramos (e muitas vezes encontramos) parceiros amorosos nos sites de relacionamento virtual, entre muitas outras opções. Estas novas possibilidades, de modo geral, vêm sendo encaradas como boas notícias para favorecer os relacionamentos entre as pessoas, e nesse sentido a Internet aparece como uma grande aliada na hora de ampliar, reatar e manter vínculos.
Entretanto, como acontece em todas as outras manifestações humanas, nem tudo 'são rosas' nessa área. A Internet, ao lado de outros recursos das novas tecnologias, abre espaço para manifestação de um desejo antigo e perigoso do ser humano: o de controlar a vida do outro.
Cada um de nós sabe que, dentro de si mesmo, passam pensamentos, sentimentos e sensações que aquele outro que está logo ali, ao nosso lado, não faz a menor idéia que estejam acontecendo. Sentimos-nos seguros e autônomos dentro da nossa individualidade, até lembrarmos de um 'pequeno detalhe': 'Se eu estou pensando ou sentindo isso, e o outro não sabe, o mesmo pode estar acontecendo com ele'. Esse raciocínio simples pode ser devastador para algumas pessoas. Pensar que a pessoa que está ao seu lado pode ter sentimentos (ou mesmo 'atos') que nunca 'conheceremos' é muito assustador, e estimula nosso desejo de encontrar maneiras de romper essa impotência frente aquela individualidade estranha que se apresenta.
Esse processo interno é próprio do ser humano, e sempre ocorreu. A novidade desta nossa era é que, agora, depois de termos o desejo de controle estimulado, poderemos encontrar mil e uma maneiras de colocá-lo em prática: a caixa postal e as últimas chamadas feitas ou recebidas do celular, o histórico de acesso aos sites, a lista de amigos do MSN (quando não, as conversas na íntegra), os 'scraps' do Orkut, os e-mails, entre infinitas outras formas, todo esse material é potencialmente útil para a nossa investigação até o íntimo do outro.
Para muitos relacionamentos, a insegurança e a investigação que decorre dela podem trazer aquele faísca de desejo que faltava no cotidiano daquelas duas pessoas. Para outros, pode ser o início de brigas e desconfianças, de ciúme exagerado, de ameaças e até do término da relação.
Agora vocês devem estar se perguntando: se esse sentimento é humano e se agora temos meios de aprimorar nosso controle, como resistir? Ou ainda, se queremos controlar e temos como fazê-lo, por que não?
Para a primeira pergunta, a resposta é fácil, mas pô-la em prática já não é tão simples, uma vez que temos que abrir mão e controlar nosso desejo: temos que respeitar o limite e a individualidade do outro. Claro que, o que é limite para cada pessoa e para cada relação, é particular de cada pessoa e de cada relação. Fornecer a senha de e-mail, para uma pessoa, pode ser o maior absurdo e para outra pode ser absolutamente normal, isso deve ser conversado e experimentado por cada casal, e esse caminho nem sempre é fácil. Contudo, acho importante dizer que, aquele que acha normal deixar o outro revistar seus e-mails, ou que fornece a senha da caixa postal do celular não tem menos a esconder do que aquela pessoa mais exigente com seus limites, ele apenas manifesta sua individualidade de outra forma.
Por isso, respondendo a segunda pergunta, as pessoas podem até aumentar e aumentar cada vez mais sua capacidade e habilidade de investigar a vida do outro, usando os métodos mais modernos e os aparelhos mais eficazes, mas nada disso será suficiente para desvendarmos por completo o mistério que é o outro ser humano. Deste modo, não respeitar os limites colocados pelas pessoas com as quais nos relacionamos (e não falo só dos parceiros amorosos, mas de pais, filhos, amigos, etc.) além de ser absolutamente ineficaz para satisfazer nosso sentimento de impotência, ainda pode machucar relações que potencialmente seriam muito gostosas de serem vividas, se essa 'fronteira' que existe ao redor de cada um de nós fosse experimentada com mais tranquilidade.