por Roberto Goldkorn
Mais uma vez uso uma novela de TV para dar start na minha arenga quinzenal (já sentiram que sou noveleiro não é?). O personagem principal magnata do ramo hoteleiro é retrato fiel de muitos dos empresários reais, mantinha um caso extraconjugal sério com sua advogada. Sentindo-se um semideus se dava ao direito de exercer a sua tirânica personalidade a torto e a direito à sua volta, deixando pelo caminho, mortos e feridos.
Uma de suas vítimas resolveu vingar-se e expôs sua relação secreta a sua crédula mulher. A casa caiu. Ele confessa a amigos que sem ela (a esposa) sua vida não tem sentido, que ela, sim, é o grande e único amor da sua vida. Mas e a amante? E as outras? (sim, havia outras garotas de programa de luxo é claro). Penduricalhos culturais da vida de um homem superpoderoso, (é claro).
Todo empresário, político, governante tem a obrigação de desenhar e trabalhar com cenários negativos, para se antecipar ou se prevenir dos descarrilamentos da vida, principalmente quando se vive perigosamente, e tangenciando de uma forma ou outra o risco. Como diz o meu filho shit happens…
A desconfortável pergunta, "e se…?" tem de ser feita e respondida. Pergunta: E se a minha mulher descobrir a minha traição? Resposta. "Vou engambelar a coitada como tenho feito ao longo desses anos." Pergunta: E se ela não se deixar engambelar? Resposta: Usarei todo meu poder de persuasão. E se mesmo assim ela ficar irredutível e quiser a separação? Você vai viver bem com isso? Quais as conseqüências para a sua vida pessoal, para sua vida profissional (os negócios também são gente), afetiva, etc? Resposta: silêncio.
Os adolescentes é que são assim. Eles por questões complexas que vão desde uma inexperiência crônica da vida, hormônios sexuais brotando como gêiseres, arrogância comum da juventude, e outras, não prevêem os cenários negativos e embarcam em suas aventuras no limite da irresponsabilidade. Mas muitos adolescentes que crescem por fora (cronologicamente) não exercem esse direito por dentro, ou seja, emocionalmente.
O empresário superpoderoso da novela e da vida real é um exemplo disso. Quantos adultos você conhece que ainda não comemoraram seu 16° aniversário emocional? Conheço uma senhora: idosa e doente que paga uma miséria a uma mulher para que lhe traga comida, cuide de sua higiene pessoal, e lhe faça companhia. Ela confessou para uma amiga que paga uma mixaria a outra (e se jacta de estar fazendo um grande negócio), mas confessou também que não poderia sobreviver sem ela que a auxilia há pelo menos dez anos. Esta semana eu soube que a tal moça explorada que faz o serviço mais por compaixão que por dinheiro, vai receber uma proposta de trabalho irrecusável (para ganhar pelo menos quatro vezes trabalhando com gente, e num ambiente alegre). A velha senhora ainda não sabe do risco que está correndo, mas tudo indica que a casa dela vai cair. Ela não projetou o pior cenário, e não se preparou para ele. Na verdade ela agiu como um adolescente, arrogante, e irresponsável.
Ontem diante da cena da novela comecei a rever esses cenários na minha vida e na de clientes e amigos. Prever cenários e agir antecipadamente é sempre uma atitude madura, mas complicada. Complicada porque se você se move de acordo com o desenho do cenário, e antecipa o movimento negativo do "inimigo", nunca ficará sabendo o que aconteceria se não o fizesse. Empresários que agem de acordo com seus "instintos", impulsivamente, chutando o pau da barraca achando que sempre haverá algo ou alguém (o seu incomensurável poder), para segurar os efeitos de suas atitudes estão sempre no limite do desastre. Eles não se perguntam "e se…?" e quando o fazem se alimentam de respostas complacentes e auto-indulgentes, para no fim chegarem ao "tudo bem".
Recentemente ouvi uma entrevista de Miguel Falabella, dizendo que se ele tivesse administrado sua vida e carreira como os governantes brasileiros administraram o país nos últimos quarenta anos estaria na miséria. Concordo com ele. Mas não só no Brasil, mas em todo o mundo: adultos, adolescentes vão de pau da barraca em pau da barraca administrando a sua vida e a dos outros como se fosse uma pelada de várzea que nem cerveja está valendo. Aí ao invés de desenhar cenários possíveis, eles se aprimoram em correr atrás do prejuízo, apagar incêndios, e remendar. É a expertise do sinistro.
Um leitor adolescente cheio de adrenalina está lendo isso agora e se preparando para dizer: "Esse é um papo de velho. Se a gente for pensar em tudo que pode acontecer antes de dar cada passo vamos ficar paralisados. É melhor então nem sair de casa." Mas não contavam com a minha astúcia, eu já esperava por essa (planejei esse cenário). Projetar cenários possíveis, não significa não agir, ao contrário, deveria nos possibilitar agir de forma mais consciente, mais competente, e estar de prontidão caso o acaso indesejado advenha. Planejar cenários deve ser uma atividade agregada a todas as ações que envolvam risco maior, como no caso do empresário da novela, da velha senhora e dos milhões de seres que todos os dias tomam decisões que afetam bilhões de vidas.