por Fernanda Escaleira – psicóloga do NPPI
Afinal de contas o que é o amor? Um sentimento que nos arrebata de tal maneira, que jamais imaginamos viver sem ele? Um desejo de completude inerente a todos nós? Um dos maiores motivos que nos faz estar vivos? Essa pergunta deveria fazer parte dos questionamentos primordiais do ser humano, "De onde viemos?", "Por que estamos aqui?" e "Para onde vamos?".
Foi Platão (428-347 a.C.), o primeiro a discutir sobre o amor. Em seu diálogo O Banquete (1954), ele oferece uma nova perspectiva. "Propõe que a alma, quando quer que se deixe levar pelo amor, vislumbra a própria divindade". O Banquete de Platão foi a maior fonte do mito amoroso para o Ocidente.
Todos os relacionamentos amorosos começam com a paixão, que nada mais é do que uma sensação de nos sentirmos completos, como "as duas metades da laranja" ou as "almas gêmeas". Na paixão, o outro nos parece muito mais o que se 'quer', ou o que se 'precisa' que ele seja, do que de fato ele é. Não enxergamos a outra pessoa como ela realmente se apresenta para nós, mas de acordo com todos os desejos e fantasias que temos em nossa mente a respeito dela.
É como se a pessoa pela qual nos apaixonamos, acabasse preenchendo um vazio que nós ainda não reconhecemos, mas sentimos a necessidade de preencher. Tanto no relacionamento presencial quanto no relacionamento virtual, essa sensação de termos encontrado a pessoa que vai nos completar ocorre da mesma forma. Nós nos apaixonamos por um "outro", tal qual o idealizamos.
Ao nos envolvermos virtualmente estamos sujeitos a nunca termos a real dimensão de quem de fato é aquela pessoa, com a qual estamos nos relacionando. O ambiente virtual pode ser um bom espaço para se estabelecer um primeiro contato com o outro, pois por esse meio podemos nos sentir mais à vontade para falar sobre nós, e o mesmo pode acontecer com o outro. Ou seja, o ambiente virtual se tornou um novo propiciador para o encontro amoroso.
Mas se essa relação só se der através da Internet, ela corre o risco de permanecer eternamente idealizada, pois o outro nunca terá a chance de se mostrar tal como ele é, e de nunca percebermos que muitas coisas que pensávamos a seu respeito, na verdade eram coisas que faziam parte das nossas próprias expectativas ou fantasias.
O mesmo fato é mais difícil de ocorrer numa relação presencial, pois quando convivemos e fazemos parte da realidade da outra pessoa no dia-a-dia, torna-se quase impossível manter as nossas idealizações intactas, pois o outro está ali para nos mostrar diariamente quem ele realmente é. Esse fato pode nos levar a pensar que, talvez, num relacionamento que permaneça apenas virtual, o estado de paixão nunca tenha fim.
Numa relação de amor, onde se subentende as duas individualidades respeitadas, ou seja, onde um possa perceber quem de fato é o outro, e conviver com este outro de uma forma mais real e concreta, não existem espaços para as "duas metades da laranja", e sim para "duas laranjas inteiras". Ou seja, um espaço onde essas duas pessoas terão que conviver e se relacionar buscando criar uma união, e não uma fusão. O amor pressupõe que um possa viver sem o outro, o que não ocorre na paixão em que ambos se completam e formam um todo. A partir do momento em que eu não consigo perceber quem é a pessoa que está comigo, eu não posso amá-la e, talvez por isso, seja difícil imaginar que duas pessoas que se relacionam somente no virtual consigam realmente alcançar aquilo que chamamos de amor.
É claro que cada um enxerga o amor da sua maneira, por esse motivo é que é tão difícil respondermos a nossa pergunta inicial, porém gostaria de terminar esse texto falando um pouco mais a respeito desse sentimento. O amor genuíno é inatingível, é um ideal de amor onde, as idealizações e fantasias a respeito do outro não existem.
Seria uma forma de amor onde cada um do par consegue desejar que o outro esteja bem, mesmo que estejam longe um do outro (ou até mesmo que o 'outro' não o queira mais); é claro que este amor ao qual estou me referindo é um amor ideal, pois todos nós seres humanos, sempre que nos relacionamos, idealizamos e enxergamos algo nosso no outro e vice-versa, e fazemos isso inconscientemente.
O que devemos perceber é que quanto mais, nós conseguirmos olhar para a pessoa com a qual nos relacionamos com os olhos dela (e não com os nossos), cada vez mais estaremos caminhando em direção ao amor real e, ao mesmo tempo, em direção ao nosso crescimento como seres humanos.