É possível controlar ou educar o pensamento?

por Monica Aiub

Pergunta-me o leitor: É possível controlar ou educar o pensamento?

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A primeira questão que se coloca diante desta pergunta, diz respeito ao conceito que consideramos ao tratar de pensamento. Se nos perguntam: "você pensa?" ou "em que você pensa?" ou ainda "o que você pensa sobre tal assunto?" facilmente respondemos. Se nos perguntam: "o que é o pensamento?", a questão parece mais difícil de ser respondida.

Ao procurarmos num dicionário de língua portuguesa, constatamos que pensamento recebe várias acepções: ato de pensar, operação da inteligência, modo de raciocinar, opinião, fantasia, imaginação, sonho, preocupação, ideia, lembrança, intenção, conceito etc. No dicionário de Filosofia (Abbagnano), pensamento corresponde a atividade mental ou espiritual; atividade do intelecto ou razão, distinta da atividade dos sentidos; atividade discursiva; atividade intuitiva. Muitos destes termos, tais como mental, espiritual, intelecto, razão, discursiva, intuitiva também são de difícil definição.

O pensamento é um estado mental, ou seja, não pode ser explicado ou mensurado pelos métodos das ciências naturais, uma vez que o pensamento de alguém somente nos é acessível a partir de seus relatos subjetivos. Não temos uma "máquina para ler pensamentos", nem um aparelho capaz de traduzir nossos pensamentos em palavras. Não temos como saber se o outro diz de fato o que pensa, ou se diz uma coisa e pensa outra. Da mesma maneira, o outro não tem acesso a nossos pensamentos, exceto se lhe dissermos.

Como um estado mental, o pensamento apresenta algumas características específicas: subjetividade, intencionalidade, consciência e causação mental. A subjetividade diz respeito às experiências únicas de um sujeito em seu modo de significá-las e representá-las. Diz respeito àquilo que somente o próprio sujeito tem acesso, e que não pode ser acessado, conhecido ou mensurado exceto por uma linguagem em primeira pessoa, ou seja, seu relato pessoal.

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A intencionalidade diz respeito à direcionalidade do pensamento: o que faz com que duas pessoas diferentes, olhando uma mesma situação, prestem atenção em aspectos diferentes da mesma? O que faz com que pessoas diferentes, ouvindo a mesma fala, no mesmo contexto, compreendam tal fala de modos distintos?

A consciência de si e de seus próprios pensamentos também é um aspecto fundamental para a compreensão do pensamento, embora também não saibamos definir precisamente o que vem a ser consciência. Por fim, a causação mental, ou seja, a interação entre estados físicos e mentais é uma característica da formação e atuação do pensamento. Quando, ao pensarmos em determinados assuntos observamos reações em nossos estados físicos – taquicardia, elevação de pressão arterial, aumento ou diminuição de temperatura (ou seja, aspectos mensuráveis) – ou quando ocorre uma alteração em nossos estados físicos – hormônios, desequilíbrios orgânicos, doenças – as alterações em nossos pensamentos também ocorrem, constatamos a causação mental associada ao pensamento.

Contudo, não sabemos, ao certo, como essas alterações ocorrem. Não há um padrão único, normal ou habitual, que possa servir de parâmetro a ponto obtermos um controle sobre nosso pensar ou nosso sentir.

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Estrutura do pensamento

Em Filosofia Clínica, um dos eixos centrais da metodologia é a Estrutura de Pensamento. Pensamento, aqui, é muito mais do que intelecto ou razão. Nesta estrutura são observados 30 tópicos que interagem entre si e com os elementos dos outros dois eixos (Exames Categoriais e Submodos). Nestes tópicos são observados elementos distintos, por exemplo, a visão de mundo ou a visão que a pessoa possui de si mesma, suas sensações, ideias, emoções, papeis existenciais, pre-juízos, buscas, valores, modo de conhecer, formas de expressão, crenças, velocidade e articulação do pensamento, linguagem, racionalidade, entre outros; mas também são observadas as movimentações que ocorrem na estrutura diante de diferentes contextos, ambientes, relações etc.

Ao analisarmos de que é feito o pensamento, podemos observar nossas experiências e aprendizagens, sensações e emoções, afetividade, racionalidade, linguagem, corporalidade… Enfim, são muitos os fatores que constituem nosso pensar, da mesma forma, são muitos os fatores que compõem a estrutura de pensamento. Ainda é preciso considerar que o pensamento não é formado por uma úncia via, mas sim pela interação de vários destes fatores. Da mesma forma, a estrutura de pensamento compreende a conjunção de múltiplos fatores que interagem entre si de diferentes maneiras, em contextos diversos. Por isso, a Estrutura de Pensamento é móvel, plástica, está em constante movimentação, embora mantenha alguns padrões.

Observar nossas movimentações e nossos padrões de pensamento pode ser muito útil para compreendermos a nós mesmos e nossas ações, mas isto está muito longe de levar a um controle ou a uma educação do pensamento. Dada a diversidade humana, não há técnicas ou formas únicas, válidas para todos; não há técnicas ou formas únicas sequer para uma mesma pessoa, devido às movimentações geradas pelos múltiplos fatores da existência. Interagimos com padrões, mas também com o acaso, e isso nos permite algum grau de previsibilidade, mas apenas um grau, nunca certezas suficientes para fixar formas de pensar.

Buscar a "educação do pensamento", o "controle do pensamento" pode ser algo não apenas abstrato, capaz de levar a frustrações devido à grande potencialidade de fracasso, mas também algo com grandes riscos: os riscos de modelarmos o pensamento de uma sociedade, alienando-a e impedindo a diversidade, tornando determinados padrões os padrões dominantes e constituindo preconceitos para aqueles que pensam de modo diferente destes padrões. A história da humanidade está repleta de exemplos de tais preconceitos, geradores de exclusão, discriminação, exploração, escravidão, guerras… é por isso que a filosofia sempre foi e continua a ser sinônimo de livre pensar.

O imprescindível é buscarmos as bases, a gênese e os fundamentos de nossos pensamentos, a fim de distinguirmos os devaneios das ideias que devemos considerar para a condução de nossa existência.