É possível largar o vício de fumar maconha sozinho?

por Danilo Baltieri

"Preciso parar de fumar maconha! Ela me faz relaxar, dormir melhor e me concentrar mais no meu trabalho, que é de pintura, mas sinto que ela pode fazer muito mal para o meu corpo, pela fumaça inalada e pela fome gigantesca que me provoca. Estou com 67 quilos quando preciso pesar 53 para voltar ao meu peso normal. Se fico duas semanas sem fumar, perco até 5 quilos sem esforços, porque não fico com tanta fome. Se volto a fumar, ganho tudo de novo. Preciso de autocontrole para conseguir largar definitivamente, distanciar-me das pessoas que fumam também… isso acho que vai ser fácil. O que eu faço para conseguir parar de fumar?"

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Resposta: De fato, o nosso cérebro possui uma abundância de estruturas moleculares que reconhecem imediatamente a presença da maconha (delta nove tetra-hidrocanabinol).

Receptores para canabinoides (qualquer dos constituintes químicos do cânhamo (Cannabis sativa: maconha) existem em várias regiões cerebrais, como hipocampo, gânglios da base, amígdala e córtex pré-frontal.

Reconhece-se, desse modo, o efeito do consumo da maconha sobre a circuitaria química própria do sistema nervoso central.

Estudos vicejam sobre os efeitos do consumo da maconha sobre funções psicomotoras, como memória, aprendizado, controle motor, funções executivas, humor, ansiedade, dentre outras.

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Seguramente, a maconha é a droga ilícita mais consumida ao redor do mundo. Isso leva muitas pessoas a acreditar que se trata de droga segura e de efeitos benéficos, simplesmente pelo fato de que "muitas pessoas usam e nada acontece de mau".

Maconha "forte", síndrome do pânico e psicose

De fato, em muitas regiões ao redor do mundo, o consumo da maconha demonstra uma tendência ao crescimento. Isso é preocupante, uma vez que vários prejuízos físicos, psicológicos e sociais relacionados ao consumo da droga têm sido já revelados. Também, em algumas partes do mundo, a concentração de canabinoides tem aumentado nos cigarros fumados, o que eleva o risco de repercussões deletérias aos consumidores, como, por exemplo, sintomas de síndrome de pânico (grande ansiedade, sensação de morte iminente, inquietação psicomotora, etc.) e sintomas psicóticos (ouvir vozes não existentes, ver coisas que somente o indivíduo enxerga, acreditar que está sendo perseguido, etc.). Contrariamente, muitos pesquisadores também têm investido esforços na descoberta do potencial medicinal dos canabinoides.

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Drogas não são boas ou más por si mesmas

Muitas drogas não são boas ou más por si mesmas. Um ansiolítico, por exemplo, pode ser bastante útil para o tratamento de uma insônia transitória; no entanto, o uso continuado, não supervisionado e não prescrito do mesmo medicamento pode acarretar consequências bastante indesejáveis.

Ocorre que em relação aos canabinoides, o tetra nove hidrocanabinol, o principal componente dos cigarros de maconha, é apenas um deles. Existem vários canabinoides que têm sido estudados ou pesquisados para uso medicinal com conclusões ainda iniciais. As pesquisas sérias envolvendo diferentes drogas para o tratamento de diversas doenças são extremamente bem-vindas, desde que amparadas por comitês de ética devidamente formados.

Uma das principais linhas de pesquisa envolvendo o uso medicinal de canabinoides está embasada no seu efeito de aumento do apetite e da melhora da capacidade para saborear os alimentos entre pacientes com diferentes tipos de câncer e portadores de AIDS. Realmente, muitos canabinoides, especialmente os que agem em um dos tipos específicos de receptores cerebrais (conhecido como CB1), demonstram tal efeito.

Larica

Os usuários de maconha (não medicinal) costumam experimentar o que eles chamam de "larica" (sensação de fome provocada pelo consumo de maconha) ou mesmo "munchies". Isso ocorre porque esses receptores CB1 estão localizados em vias cerebrais relacionadas com o prazer da ingestão de alimentos. Além disso, tais receptores estão localizados em região olfativa que são associadas com a interpretação dos odores e, presumivelmente, com o sabor dos alimentos. É possível que os canabinoides tenham o efeito de "melhorar" a capacidade de apreciar alimentos.

Por vezes, recebo e-mails de usuários de maconha que criticam, às vezes de forma agressiva e descontextualizada, as informações prestadas de que o consumo da maconha é prejudicial, deletério, compromete a memória dos consumidores e etc. Lembro que as informações prestadas nesta coluna são sempre cientificamente embasadas. A única função desta coluna Cyber Drogas é levar informações aos leitores, sempre guiadas por perguntas específicas feitas pelos mesmos. Portanto, é importante ler a pergunta e a resposta subsequente, no sentido de contemporizar com o seu contexto.

De qualquer forma, o consumo de maconha pode ser altamente prejudicial para significativa parcela dos usuários. A síndrome de dependência dessa droga é uma verdade e diuturnamente atendemos casos de dependentes.

Como já tenho reportado aqui no Vya Estelar, são várias as complicações do uso da maconha.

Efeitos do consumo de maconha:

a) Uso esporádico:

Como efeitos físicos, podemos citar a taquicardia, boca seca, tontura, retardo psicomotor, redução da capacidade para resolução de problemas, prejuízo da coordenação motora, broncodilatação, tosse.
Como efeitos psíquicos, podemos citar prejuízo da concentração e da atenção, prejuízo do julgamento, precipitação de crises de pânico, prejuízo da memória de curto prazo, sensação de que o ambiente está diferente, alucinações e ilusões, prejuízo da percepção de tempo e espaço.

b) Complicações de uso crônico:

Como efeitos físicos, devemos lembrar que a fumaça da maconha é altamente irritante para a nasofaringe e o revestimento brônquico e, portanto, aumenta o risco de tosse crônica e outros sinais e sintomas de patologias respiratórias. O uso crônico de maconha, às vezes, está associado com ganho de peso, provavelmente em decorrência do aumento do apetite e da redução da atividade física. Sinusite, faringite, bronquite com tosse persistente, enfisema e displasia pulmonar podem ocorrer com o uso crônico e pesado. A fumaça da maconha também contém carcinógenos, sendo que o uso pesado pode aumentar o risco para o desenvolvimento de doença maligna. Alguns estudos apontam para maior risco de acidentes vasculares cerebrais entre usuários de maconha, bem como redução na produção de testosterona; entretanto, ainda esses estudos carecem de melhor averiguação.

Como efeitos neuropsiquiátricos, podemos citar prejuízos da memória e atenção, outros prejuízos cognitivos relacionados à organização de informações complexas e piora da atenção seletiva – capacidade do cérebro de selecionar informações importantes em detrimento das menos importantes. Um quadro conhecido como "síndrome amotivacional", onde os pacientes apresentam-se apáticos, com pouco ou nenhum interesse pelas atividades de rotina e péssimo desempenho no trabalho ou escola tem sido descrita para dependentes de maconha.

É importante ressaltar que vários quadros psiquiátricos, como depressão, ansiedade e transtornos psicóticos (esquizofrenia) podem ser agravados com o abuso dessa e de outras substâncias.

O leitor pergunta como se deve fazer o tratamento da dependência de maconha. Existem, de fato, várias formas para se livrar desse problema. Um profissional de saúde especializado no tema deve sempre ser consultado.

Ocorre que, até o momento, não existem medicações comprovadamente eficazes para o tratamento desse problema. No entanto, outras formas de manejo podem ser disponibilizadas.

O profissional de saúde deve estar alerta a dois fatores importantes quando da abordagem inicial do paciente dependente. O primeiro é avaliar a motivação para o tratamento, a história do uso, abuso e dependência, os sintomas da síndrome de abstinência, os prejuízos físicos e psicológicos já instalados. O segundo é avaliar se o portador da síndrome de dependência de maconha também apresenta outra doença médica que pode ter facilitado o consumo e abuso da droga ou, pelo menos, estar associado de alguma forma com esse consumo. A coexistência de algum transtorno de ansiedade ou depressivo, por exemplo, e a dependência de drogas (como a maconha) é bastante comum.

Logo, vale a pena uma consulta com profissional habilitado para auxiliá-lo nessa empreitada. Boa sorte!

Abaixo, forneço interessante referência sobre o tema:

Brisbois TD, de Kock IH, Watanabe SM, Mirhosseini M, Lamoureux DC, Chasen M, et al. Delta-9-tetrahydrocannabinol may palliate altered chemosensory perception in cancer patients: results of a randomized, double-blind, placebo-controlled pilot trial. Annals of oncology : official journal of the European Society for Medical Oncology / ESMO. 2011;22(9):2086-93.