por Monica Aiub
Diariamente nos relacionamos com situações, pessoas, instituições, grupos e, para tal, contamos com um saber acumulado acerca das melhores formas para lidarmos ou respondermos às questões.
A decisão sobre quais são as melhores formas supõe um cenário a partir do qual julgamos prever possíveis respostas do outro, formas de pensamento, estruturas generalizadas, modos comuns de compreensão do mundo e da vida. Em outras palavras, consideramos respostas esperadas a partir de nossas próprias formas de conceber o mundo.
Às vezes nos surpreendemos com respostas completamente diferentes daquilo que esperamos: “não entendo a lógica dele”; “como é possível que alguém pense assim!”; “ele não pensa”; “é incompreensível a atitude dela”…
Nossa surpresa diante de respostas inesperadas delata as expectativas que criamos acerca dos modos de compreensão, das formas de pensamento, de como funciona a mente humana, ou ao menos, como funciona a mente do outro. E a partir de tais expectativas podemos observar muito mais de nós mesmos do que do outro.
O Leviatã: "lê-te a ti mesmo"
Thomas Hobbes, na introdução de O Leviatã afirma que a sabedoria não se encontra nos livros, mas no estudo do homem. Para o estudo e a compreensão do ser humano, ele propõe: “lê-te a ti mesmo”. Segundo ele, como possuímos as mesmas paixões e somos iguais em diversos aspectos, compreendendo a nós mesmos poderemos compreender a humanidade. Talvez sejam princípios como este que nos permitem pensar que somos capazes de ler a mente do outro, de saber o que o outro sabe – e até o que ele não sabe – sobre si mesmo, a partir de um profundo estudo acerca de nós mesmos.
Poderíamos nós ter acesso à compreensão de nossas próprias mentes? De nossas próprias formas de pensamento? Ou quando fazemos uma leitura acerca de nossos pensamentos o fazemos a partir de uma estrutura previamente estabelecida, que já compõe nosso modo de pensar? O que pergunto é se conseguimos identificar as estruturas a partir das quais pensamos ou se compreendemos o nosso pensar a partir dessa mesma estrutura e, por este motivo, ela conduz nosso pensamento sem que percebamos?
Questão antiga, já proposta por vários filósofos. Kant, na Crítica da Razão Pura faz exatamente um questionamento sobre os limites da razão, mostrando que temos acesso a dados da experiência que caibam nas categorias de nosso intelecto, categorias estas que são as mesmas para todos os humanos, e que erramos quando tentamos colocar em tais categorias o que não cabe nelas.
Hobbes e Kant
Tanto a concepção hobbesiana de homem, quanto o sujeito transcendental kantiano são universais e, por intermédio do estudo de tais concepções, poderíamos ter acesso ao que é inerente ao humano, traçando, com isso, possibilidades concretas de leituras praticamente precisas acerca do mundo que nos cerca, dentro de nossos limites humanos, é claro. Tais leituras nos serviriam de referencial para nos posicionarmos no mundo, para lidarmos com o outro, com as questões que nos são colocadas.
Como há, segundo eles, aspectos universais que nos determinam, como a razão humana, a igualdade no desejo de poder, entre outros aspectos, a partir do conhecimento de tais dados estabelecemos um grau de previsibilidade muito seguro para orientar nossas questões.
São esses dados que utilizamos para compor os cenários de nossas imagens mentais, cenários futuros baseados no estudo de dados presentes e, consequentemente, cenários que servirão de mapas conceituais para orientar nossas ações.
Por outro lado, apesar de sermos seres de uma mesma espécie, alguns de nós pertencentes a uma mesma cultura, somos capazes de criar cenários completamente diferentes diante das mesmas situações. Nós mesmos somos capazes de criar muitos e diferentes cenários para a mesma questão. O que faz com que criemos e escolhamos alguns cenários e não outros? O que faz com que escolhamos alguns desses cenários para orientar nossas ações?
Observe o quanto os cenários que você cria dirigem sua ação, orientam seu posicionamento diante do outro e do mundo. Quantas vezes você já foi surpreendido(a) com cenários completamente diferentes do imaginado? Sua postura sempre permite a surpresa ou ela determina a resposta do outro? O que você considera para construir suas imagens mentais acerca das situações vividas?
Exercitemos com Hobbes: o que você faz quando você pensa, opina, raciocina, receia, age? Como faz isso? Por que motivos faz? Será que os outros fazem o mesmo ao pensar, opinar, raciocinar, recear, agir? O que lhe faz considerar isso? Qual a margem de erro existente no momento em que aplica suas formas de leitura do mundo e de si mesmo ao outro? É possível, diante disso, a partir de tais dados, ler as mentes dos outros?
Referências Bibliográficas:
HOBBES, T. O Leviatã. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.