por Monica Aiub
“Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade”
(Raul Seixas, Prelúdio)
Você já se sentiu tão só diante de um projeto que chegou a duvidar de sua possibilidade de realização? Já esteve perto de tornar seu sonho realidade e desistiu por considerá-lo impossível? Alguém já duvidou de sua sanidade por causa de um sonho? Já se sentiu o único no mundo a pensar como você pensa, a desejar o que deseja, a considerar que o “normal”, o “habitual”, “aquilo que todo mundo faz” não atende suas necessidades?
Sentir-se só, sentir-se estranho ou não pertencente, considerar-se maluco, enlouquecido, são algumas das sensações que levam pessoas ao consultório de filosofia clínica. Alguns em busca de partilha, desejosos de encontrar parceiros com quem possam sonhar juntos, outros procurando formas de evitar seus sonhos, para uma melhor adaptação às exigências sociais. Alguns querendo abandoná-los, outros querendo realizá-los, outros, ainda, tentando reencontrá-los.
São comuns perguntas como: Você acha que eu enlouqueci? Isso é normal? Estou sonhando? Fiquei maluca? Será que só eu não me situo neste mundo? Como as pessoas conseguem viver tranqüilas num mundo como o nosso? Por que nasci deste jeito? Por que não me contento com o que tenho?
Obviamente, não temos uma resposta prévia para tais questões. Mas pesquisamos, juntamente com a pessoa, a partir de sua historicidade, não somente como seu modo de ser se constituiu, mas também as possibilidades e conseqüências de realização de tais necessidades, de tais sonhos.
"Morte no olhar"
Há pessoas cuja queixa é um desejo de morte, tristeza, falta de vontade de fazer qualquer coisa, irritabilidade injustificável, dores, medos, insônias… situações que se apresentam como dificuldades para a vida. Muitas destas pessoas trazem a “morte no olhar”. Com isso quero dizer que possuem um olhar morto, sem vida, relatam como se esperassem a morte, pois a vida não lhes faz mais sentido. Numa última tentativa de resgatar o sentido perdido, buscam o consultório de filosofia clínica.
Nosso trabalho é acompanhar, através da historicidade destas pessoas, o que ocorreu com elas. É comum encontrarmos pessoas que possuíam um belíssimo sonho, que tentaram torná-lo realidade, mas decepcionaram-se no caminho e desistiram antes mesmo dos primeiros resultados, concluindo pela impossibilidade de realização.
Ao pesquisarmos os motivos de tal conclusão, na maior parte dos casos, descobrimos motivos sem força suficiente para uma conclusão necessária. Ao avaliar com mais ponderação, ao fazer uso de diferentes fontes para avaliar as condições existentes para satisfazer a realização do sonhado, a pessoa estuda as possibilidades que se apresentam, assim como as conseqüências de levar adiante cada uma delas. A partir de tal estudo, muitos retomam seus sonhos e os concretizam. Outros concluem que, de fato, não há condições de realização para seus sonhos tais como os formularam, mas também descobrem os pontos que poderiam flexibilizar para conseguir algo bem próximo ao sonhado.
Processo de contaminação
Tenho percebido, em alguns casos, o que as pessoas chamam de “contaminação”. Ela pode ocorrer de maneira positiva ou negativa. Imagine que você chega a sua casa, com muita animação, olhos brilhando, e conta para seus familiares uma idéia fantástica, apresenta um projeto magnífico. Diante de sua idéia, seus familiares se entreolham e lhe dizem que você não está em seu juízo perfeito, perguntam o que andou fazendo, se não tem noção da realidade, afirmam que está sonhando e vai “quebrar a cara”. Imediatamente, você murcha, o brilho dos olhos desaparece, e você começa a pensar como pode lhe ocorrer fazer algo tão idiota. No fundo, você pensa: “bem que poderia ser verdade, como eu adoraria conseguir fazer isso”, mas não acredita mais na possibilidade.
No caso citado, sua interseção com seus familiares modificou algo em você, diminuiu o peso de determinação de sua busca, alterou sua visão de mundo, suas emoções, o que acha de si mesmo, entre outros aspectos.
Imagine agora que você chega a sua casa, com muita animação, olhos brilhando, e conta para seus familiares uma idéia fantástica, apresenta um projeto magnífico. Diante de sua idéia, seus familiares se entreolham e lhe dizem: “mas como você teve uma idéia tão brilhante! Como podemos participar disso?”. Então todos se mobilizam para concretizar sua idéia. No segundo caso, sua interseção com seus familiares reforçou sua busca, incentivou seu direcionamento à realização do projeto.
Numa terceira possibilidade, imagine que você chega a sua casa da mesma maneira que faz diariamente. Lá chegando, seus familiares lhe apresentam uma idéia fantástica, que lhe mobiliza, lhe faz pensar, sentir e fazer muitas coisas, partilhando com eles a construção de um belíssimo sonho. Desta vez, você foi contaminado pelo sonho alheio, que passou a ser o seu próprio sonho.
Há ainda muitas outras possibilidades. Vejamos mais um exemplo: Você chega a sua casa, com muita animação, olhos brilhando, e conta para seus familiares uma idéia fantástica, apresenta um projeto magnífico. Diante de sua idéia, seus familiares se entreolham e lhe dizem que você não está em seu juízo perfeito, perguntam o que andou fazendo, se não tem noção da realidade, afirmam que está sonhando e vai “quebrar a cara”. Diante disso, você diz a eles que lamenta o fato de não acreditarem em você e segue tranqüilo, rumo à realização de seu sonho, sem se preocupar com o que eles pensam a respeito de seu projeto, apenas um pouco triste por não poder partilhar algo tão maravilhoso com quem ama.
Observe que nos quatro exemplos há uma relação com familiares, e há diferentes posicionamentos diante das próprias idéias e das idéias alheias. O que faz com que algumas pessoas tendam a assumir para si as crenças e opiniões alheias? O que faz com que alguém se sinta tão impregnado pelo modo de pensar de outros que seja capaz de abandonar seus sonhos em favor das crenças alheias, sem antes avaliar a pertinência de tais crenças ao que está em questão? Por que algumas pessoas são mais influenciáveis pela opinião alheia, enquanto outras conseguem influenciar?
Buscamos, na filosofia clínica, os elementos constitutivos da estrutura de pensamento da pessoa (ver artigo anterior – clique aqui).
No tópico análise da estrutura, estudamos os graus de flexibilidade, de permeabilidade da estrutura aos ambientes nos quais a pessoa se insere, às circunstâncias, ao entorno. Em interseções de estrutura de pensamento, observamos como a estrutura de alguém se movimenta diante das diferentes relações estabelecidas, sejam estas com outras pessoas, com estruturas sociais (família, empresa, etc.), consigo mesma ou com o mundo.
Diante de tais estudos, compreendemos que não há como responder as questões aqui colocadas de modo universal.
Cada pessoa vive, sente, pensa e se posiciona de maneira singular, e ainda que tenhamos proximidades em nossas formas de vida, somos afetados de maneiras muito distintas, a ponto de alguns de nós nos sentirmos “contaminados” apenas por aquilo que impulsiona nossos sonhos, enquanto outros só possuem abertura para uma “contaminação” que se constitua como impedimento a eles. Há ainda os que, mesmo inseridos em ambientes altamente “contaminadores”, são imunes a quaisquer formas de “contaminação”.
Como você é? Como se posiciona diante de seus sonhos? Você precisa de alguém para sonhar junto ou é capaz de realizar seus sonhos independentemente das apostas contrárias a ele, ou da solidão de quem parece ser excluído por simplesmente sonhar?
Além das características próprias dos modos de ser singulares, temos que considerar, ainda, as características do sonho em questão. Há sonhos que, para serem realizados, dependem exclusivamente de nós. Outros implicam na participação de outras pessoas, dizem respeito a um contexto mais amplo. Diante de um sonho que exija uma movimentação de outras pessoas, com a constatação da imobilidade destas, o que você faz? Desiste, por ser o único a insistir na idéia ou segue adiante, pois sua parte está sendo cumprida e, a partir dela, outros poderão se mobilizar?
Qual a postura mais adequada? Novamente, o que constatamos em filosofia clínica é que não há uma postura previamente mais adequada. Tudo depende das características da pessoa, de seu modo de ser, e dos ambientes nos quais está inserida e com os quais se relaciona. Assim, o primeiro passo para a avaliação do que seria uma postura mais adequada diante de uma situação consiste em estudar as características desta – tanto em seus aspectos mais amplos como nos que lhes são específicos –, mas consiste também em estudar as próprias características, seu modo de ser, suas necessidades. O que privilegiar? A princípio, nenhum dos aspectos, porque isso também é um dado da singularidade de cada estrutura.
Pensando a partir das relações que estabelece com os outros, considerando seus sonhos, quais são as condições que você necessita para realizá-los?