É preciso desvencilhar-se do que não é seu

por Angelina Garcia

Ninguém entendeu quando Catarina voltou para a casa dos pais, depois de se separar do moço, a quem o pai entregou-a na beira do altar com tanto gosto. Pudera, aquele era o rapaz que todo pai sonha para a filha, rico, garboso e de fino trato. A majestosa cerimônia mobilizou a fantasia da cidade. Ela, a princesa a que fora talhada, delicada nos traços, nos gestos, na fala, na leveza do andar. Ele, o príncipe da cidade grande, que resgata a menina do interior para oferecer-lhe um mundo novo.

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A mãe percebera, já na primeira visita, um quê de tristeza embotando o azul daqueles olhos, mas deu de ombros. Isto é só até se acostumar com a nova vida, pensou. Afinal, a filha não tinha do que se queixar com um marido que babava por ela e adivinhava as suas vontades, até as que ela não tinha: vida social intensa, casa grande, empregados para tudo, motorista, viagens.

– O que ela quer mais? Perguntava a mãe inconformada ao marido, quando a filha voltou decidida a ficar.

Ela não queria mais, nem menos, queria apenas o que queria.

Catarina não teria vivido essa situação, se fosse fácil identificarmos o que nos afasta de nós mesmos. Mas não é. Na maioria das vezes, nem percebemos que estamos agindo apenas para responder à expectativa do outro, nosso grupo social, nossa cultura. Mesmo porque este outro me constitui, ajudando a fazer de mim o que sou. Ao romper com a expectativa dele, estou rompendo com valores, até então, meus também. Além disso, perderei os aplausos. Isto dói.

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Entretanto, a perda será mais dolorosa se insistirmos em viver aquilo que não é nosso, aquilo que compromete nosso sono, que nos põe irritadiços o tempo todo, que nos faz aumentar dia a dia a dose do calmante. Quantos de nós suportamos, a duras penas, a vida que levamos, para que nos vejam "de acordo".

De acordo com o quê? Com o que foi instituído como o melhor para você? O melhor casamento, a melhor viagem, a melhor comida, a melhor roupa, o melhor cabelo, a melhor unha, o melhor jeito de criar seus filhos, a melhor cidade, o melhor filme. A melhor maneira de viver sua vida, enfim.

Não se trata de negar, ou se afastar do que está ao seu dispor, nem rebelar-se de forma inconseqüente contra tudo e contra todos, mas é poder fazer sua escolha sem culpa, acolhendo com carinho aquilo que, por vezes, parece discrepante ao outro. É não sentir vergonha de suas escolhas, porque são simples demais aos olhos dos outros, ou diferentes do que imaginaram para você. É não tomar para si um desejo que não é seu.

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A cidade ainda olha de viés para Catarina, quando a vê toda contente fazendo compras no mercadinho da esquina, carregando um pela mão e o outro no colo, os dois filhos que tem com o rapaz da padaria, por quem se apaixonou, pouco depois de voltar para casa dos pais. É natural que as pessoas se sintam incomodadas, afinal ela jogou por terra a fantasia delas.