por Danilo Baltieri
Comentários ao recém-publicado artigo na revista Cancer: “Association of marijuana use and the incidence of testicular germ cell tumors” (Daling et al., 2009)
Resposta: O grupo dos tumores de células germinativas do testículo são um dos mais comuns entre adultos jovens. Esses tumores malignos tradicionalmente são classificados em dois grandes tipos: os chamados seminomas e não-seminomas.
Na última metade do século XX, a incidência desses tumores aumentou entre 3 e 6% por ano nos Estados Unidos da América, bem como na Europa, Austrália e Canadá. Os principais fatores de risco já conhecidos para o desenvolvimento desses tumores têm sido: história familiar desses tumores, idade, raça, alterações genéticas do próprio tecido gonadal (*disgenesia gonadal), criptorquidia (ou seja, não descida do testículo para a bolsa escrotal).
Como surgem esses tumores nos testículos?
Uma das teorias mais consistentes a respeito do surgimento desses tumores malignos tem sido a existência de células germinativas primordiais que não se diferenciam ainda no próprio feto e permanecem suscetíveis à transformação maligna. Logo, essas células não diferenciadas poderiam estar suscetíveis à ação de agentes externos, como consumo de cigarros, álcool, certos tipos de alimentos, maconha, etc. Também, hormônios, como a testosterona e as gonadotrofinas, exercem influência sobre o desenvolvimento desses tumores, quando já existem células malignas desse tipo.
A crescente incidência desses tumores de testículo entre adultos jovens fortemente sugere que homens jovens têm sido expostos a fatores externos danosos. Uma exposição também crescente entre esse grupo de pessoas tem sido o consumo de maconha. Sabe-se que o consumo crônico de maconha exerce ações sobre o sistema endocrinológico, como diminuição da secreção de gonadotrofinas, testosterona, redução da produção de espermatozóides e disfunção erétil.
Em estudos experimentais com ratos, substâncias estruturalmente semelhantes à maconha, exercem ação sobre receptores específicos (chamados de receptores canabinóides) que existem nas próprias células testiculares (conhecidas como células de Leydig e células de Sertoli), influenciando a produção de testosterona e a sobrevivência das próprias células de Sertoli. A infertilidade e a pobre qualidade do sêmen têm também sido associadas ao surgimento desses tumores.
Os autores testaram a hipótese que o consumo de maconha é um fator de risco para esses tumores. Tratou-se de um estudo do tipo caso-controle, realizado em Seattle, Washington.
Os casos (homens portadoras desses tumores) foram pessoas entre 18 e 44 anos de idade, diagnosticados com um tumor invasivo de células germinativas testiculares. Os casos foram aleatoriamente selecionados a partir de um banco de dados de pessoas portadoras desses tipos de tumores. Foram entrevistados 369 homens que concordaram na participação do estudo.
Os controles (homens sem esses tumores) foram selecionados aleatoriamente utilizando-se de dados censitários. Os homens que concordaram na participação do estudo foram pareados por idade com os casos e habitavam nas mesmas áreas que os mesmos. Foram entrevistados 979 homens. Os controles foram primeiramente acessados por telefone ou por carta.
Todos os casos e controles foram entrevistados através de um protocolo estruturado de perguntas sobre o seu consumo de maconha, álcool, cigarros e outras substâncias, bem como sobre outros fatores de risco para câncer de testículo (história familiar, criptorquidia, raça).
Dentre os resultados, apontamos para o fato de que, após análise controlada para consumo de álcool, cigarros, história de criptorquidia e idade, o mais precoce início do consumo de maconha, a maior cronicidade desse consumo e a maior quantidade de maconha fumada constituem importantes fatores de risco para o câncer de testículo, especialmente do tipo não-seminoma. Por exemplo, o consumo diário de maconha atual aumenta o risco de câncer de testículo em cerca de 3 vezes.
Certamente, existem limitações nesta pesquisa, já que foi baseada em entrevistas, e muitos dos sujeitos podem ter escolhido não contar a verdade. A maconha é uma droga ilícita e isso pode ter intimidado os sujeitos ao revelar a verdade. Além disso, muitos dos controles (pessoas sem o câncer) que recusaram participar na pesquisa poderiam estar usando mais maconha do que aqueles que aceitaram a participação. No entanto, são limitações inerentes a qualquer tipo de pesquisa com metodologia semelhante.
De fato, ainda outras pesquisas deverão ser realizadas para confirmar esses achados. Parece haver uma associação entre consumo crônico e frequente de maconha com câncer de testículo, embora outros fatores de risco devam ser rigorosamente analisados.
Os principais receptores de canabinóides (CB1 e CB2) existem no tecido testicular, bem como no cérebro, coração, útero, baço e células do sistema imunológico. Como a metabolização da maconha e dos seus derivados demora cerca de 4 dias, entre consumidores crônicos, a ação contínua e intensa sobre esses receptores testiculares poderia modificar o equilíbrio esperado entre o sistema canabinóide orgânico e a atividade das células testiculares. Associado com outros fatores de risco, como idade, raça e fatores genéticos, o consumo frequente e crônico de maconha contribuiria para um desfecho indesejável.
O estudo revela importante achado clínico que deve ser replicado em novas pesquisas. Para os pesquisadores, sinaliza a necessidade de outros estudos para confirmar esses achados; para os usuários dessa substância, sinaliza a necessidade iminente de rever seus hábitos e procurar tratamento médico especializado.
Abaixo, forneço a referência deste estudo:
Daling JR, Doody DR, Sun X, Trabert BL, Weiss NS, Chen C, et al. Association of marijuana use and the incidence of testicular germ cell tumors. Cancer 2009.
*Disgenesia gonadal significa alterações genéticas de cromossomos ligados ao sexo