por Leonel Vieira
"Trate um homem como ele é e ele permanecerá como é. Trate um homem como ele pode e deveria ser
e ele se tornará o que pode e deveria ser." (Johann Wolfgang von Goethe, escritor, cientista e filósofo alemão)
O nome 'Efeito Pigmalião' foi inspirado numa história contada pelo poeta romano *Ovídio sobre Pigmalião, um escultor de Chipre que esculpiu uma estátua tão perfeita de mulher que se apaixonou por ela. Pigmalião, então, suplicou à deusa Vênus para que insuflasse vida à estátua e foi atendido. Casou-se com a estátua tornada mulher e foi feliz para sempre…
Esta lenda serviu de base para **George Bernard Shaw criar a peça "Pigmalião", mais tarde transformada no musical "My Fair Lady", depois adaptado para o cinema.
Na peça de Shaw, o personagem prof. Higgins, conversando com seu amigo coronel Pickering, diz que poderia transformar uma mera florista numa duquesa, como aquela que vendia flores na rua, próxima a eles. Eliza, a florista, ouve o diálogo e vai mais tarde à casa do professor, na esperança desta transformação. Prof. Higgins, desafiado pelo cel. Pickering a cumprir o que dissera, aceita-a como aluna e "cobaia". Eliza passa então por um árduo e massacrante treinamento com o professor, sempre apoiada, contudo, pelo cel. Pickering, até se transformar na lady que já era em potencial.
Após o sucesso no baile em que foi apresentada à aristocracia, Eliza, diante da autoglorificação do Prof. Higgins que se achava o único responsável pela vitória, diz ao cel. Pickering:
"Veja, real e verdadeiramente, tirando as coisas que todos podem adquirir (o vestido, a maneira apropriada de falar e coisas assim), a diferença entre uma lady e uma florista não é como ela se comporta, mas como é tratada. Eu serei sempre uma florista para o professor Higgins, porque ele sempre me trata como uma florista, e sempre tratará. Mas eu sei que eu posso ser uma lady para você, porque você sempre me tratou como uma lady, e sempre tratará".
Esta fala de Eliza retrata o "Efeito Pigmalião", nome concebido por Robert Merton, professor de sociologia da Columbia University, para explicar o fenômeno da "profecia autorealizável": quando nos imbuímos da certeza de que algo ocorrerá conosco ou com pessoas a quem estamos ligados, inconscientemente dispomos as coisas para que este algo ocorra de fato.
Pensando em testar esse efeito na interação de professores com seus alunos em classe, os psicólogos sociais ***Robert Rosenthal e Lenore Jacobson realizaram uma experiência que se tornou famosa.
Numa escola de ensino fundamental, no início do ano escolar, aplicaram a todas as crianças das dezoito salas de aula da escola um teste de inteligência. Em cada sala de aula, os psicólogos escolheram 20% das crianças por sorteio, e disseram aos seus professores (que não sabiam da escolha por sorteio) que os resultados do teste destas crianças indicavam que elas poderiam apresentar surpreendentes resultados positivos no desempenho intelectual durante o ano escolar. A única diferença entre estas crianças e as demais era, portanto, a expectativa criada na mente dos professores.
No final do ano escolar, todas as crianças da escola foram retestadas com o mesmo teste de inteligência. Em geral, as crianças, cujos professores foram levados a crer que elas mostrariam um grande crescimento no desempenho intelectual, tiveram resultados no teste bem superiores aos das demais crianças da escola.
Aquelas crianças, no início do ano letivo, não se destacavam das demais. Mas, esperando que se comportassem como crianças inteligentes e talentosas, os professores as trataram como se elas realmente fossem mais inteligentes e talentosas do que a média, e isto fez toda a diferença! Este é o "Efeito Pigmalião".
Há uma importante implicação disto para a formação das crenças que desenvolvemos sobre nós mesmos, sobre os outros e o mundo e que têm um significativo papel no nosso bem-estar mental e social, influenciando, portanto, na nossa felicidade.
No artigo anterior – clique aqui e leia – dei o exemplo da Lúcia, que desde a infância tinha a crença pessoal: "Sou tão burra, não consigo aprender as coisas direito", apesar de ter um potencial normal de aprendizagem. O início desta crença pode ter sido as repetidas "broncas" de sua mãe – "Você é tão burra, não consegue aprender as coisas direito" -, quando ela tinha alguma dificuldade normal em aprender algo.
Essas repetidas mensagens negativas, vinda de uma pessoa afetivamente significativa para a pequena Lúcia, podem ter começado a criar nela uma crença de que era 'burra'. Nas situações em que ficava mais ansiosa, como numa prova escolar, essa 'mensagem' gravada no seu inconsciente emergia na forma de pensamentos automáticos, dificultando sua concentração, fazendo-a até esquecer coisas que havia compreendido e memorizado ao estudar para a prova. Conseqüentemente, ia mal.
A nota baixa na prova 'confirmava', para Lúcia e sua mãe, que ela era 'burra' mesmo. Isso fortalecia sua crença. Numa próxima prova, a possibilidade desta crença atrapalhar seu desempenho tornava-se maior, num círculo vicioso que envolveria posteriormente mensagens negativas semelhantes de professores e colegas de escola.
A partir do que foi narrado acima, vale fazermos uma pergunta a nós mesmos: Estamos contribuindo para a criação ou fortalecimento – em nossos filhos, alunos e subordinados – de crenças positivas ou negativas sobre si mesmos, sobre os outros e o mundo?
Se quisermos contribuir de forma positiva, como fazer? O prof. Rosenthal aponta-nos um caminho: o desenvolvimento de quatro fatores-wp_posts nesses relacionamentos:
1. Clima afetuoso – crie um clima amigável. Um clima amigável contribui para uma comunicação mais aberta e clara, tanto por meio de palavras como de comportamentos;
2. Instrução e desafios – invista na instrução deles, mas desafie-os também com metas elevadas que os impulsionem a crescer, a se superarem;
3. Oportunidades de acerto – crie oportunidades que os ajudem a acertar, como tempo e outras condições, que aumentem as suas chances de atingirem metas elevadas;
4. Feedback – dê a eles constantes informações, por meio de palavras e comportamentos, sobre como estão se saindo na execução de suas tarefas (profissionais ou escolares).
E como podemos contribuir conosco mesmos quando nos sentimos alvos de comentários depreciativos de outras pessoas? Com bom senso, verifiquemos o que nesses comentários pode ser aproveitado (porque apontam reais pontos fracos nossos) e o que não nos acrescenta algo positivo. O que não nos acrescenta, inspiremos fundo e, ao espirarmos, imaginemos que estamos jogando para fora o que não é aproveitável.
* Publius Ovidius Naso (43 a.C. – 17 d.C), poeta latino, conhecido nos países de língua portuguesa por Ovídio. Seus versos influenciaram Dante, Milton e Shakespeare.
** George Bernard Shaw (1856 – 1925), escritor, jornalista e dramaturgo irlandês. Vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1925.
*** Rosenthal,R. & Jacobson,L. (1968, 1992) Pygmalion in the classroom: Teacher expectation and pupils' intellectual development (Irvington publishers: New York).