Da Redação
Durante um ano, pesquisadores da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp analisaram tentativas de suicídio atendidas em um pronto-socorro de Embu das Artes e sua relação com o consumo agudo, abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
Resultados mostram que além do consumo de álcool antes da tentativa, maconha e cocaína também estiveram presentes em 7,5% dos casos analisados.
Decifrar as razões, isoladas ou não, que levam um indivíduo a cometer ou tentar suicídio e traçar estratégias de prevenção ainda é um desafio para os especialistas. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam 4 milhões de tentativas e 1,1 milhão de suicídios todos os anos. Há cinco décadas, o número de mortes dessa natureza era 60% menor.
De acordo com Alessandra Diehl Reis, psiquiatra e autora da pesquisa da Uniad, estudos têm mostrado que o consumo de substâncias psicoativas, principalmente o álcool, pode potencializar e aumentar a probabilidade de tentativas de suicídio.
Em seu estudo, a psiquiatra observou que 21% dos 80 indivíduos que tentaram o suicídio ingeriram álcool até seis horas antes. A dependência de alguma substância psicoativa foi relatada em 10% dos casos. "Não podemos apontar o álcool ou a droga isoladamente como um único fator que leva a pessoa a tentar ou cometer suicídio", explica. "A maioria dos casos envolve um transtorno psiquiátrico em evolução, tipicamente tratável. Em metade desses casos, estima-se que haja um transtorno maior de humor, isolado ou complicado por algum outro problema, como o abuso do álcool e ou de outras drogas".
Maioria tenta suicídio com medicamentos
A maior prevalência (62,5%) das tentativas de suicídio neste estudo ocorreu por meio da ingestão de medicamentos. Destes, 16% utilizaram duas ou mais drogas psicotrópicas, ou seja, remédios com venda controlada.
Diehl explica que, nesses casos, os pacientes são chamados de "poli-visitadores de médicos e pronto-socorros". "Eles acabam conseguindo mais que uma receita para comprar o medicamento na farmácia ou para retirar no Sistema Único de Saúde, apesar de este último já estudar uma forma de controlar, eletronicamente, o medicamento e, assim, não permitir seu uso indiscriminado".
Outros 25% das tentativas foram associadas a envenenamento, sendo que, desse montante, 72% utilizaram carbamato, um raticida popularmente conhecido como "chumbinho" e vendido clandestinamente.
19% visitaram médico um mês antes
De acordo com a psiquiatra, as equipes de saúde em geral encontram muita dificuldade para enfrentar, interpretar e resolver as tentativas de suicídio. "Parece que a compreensão cultural do suicídio, inclusive dos profissionais da saúde, é oposta e conflitante com a idéia de que esta pessoa está manifestando alguma doença psiquiátrica e, portanto, necessita de ajuda e tratamento", afirma Diehl. "Prevalece, na maioria das vezes, o sentimento de que o suicida faz aquilo simplesmente porque quer".
Dos 80 casos investigados na pesquisa, 18,75% dos pacientes haviam visitado um médico no mês anterior à tentativa de suicídio.
Para a psiquiatra, ainda é necessário redobrar os esforços para melhorar o conhecimento dos clínicos e de outros profissionais da saúde, assim como da população em geral, para reconhecer precocemente a necessidade de tratamento da depressão, do transtorno psicótico e do abuso de álcool e drogas, a fim de evitar o suicídio. "Ignorar a situação, dar falsas garantias, desafiar a pessoa a seguir em frente ou deixá-la sozinha são algumas atitudes que devem ser evitadas", explica Diehl.
Fatores de risco
Entre os fatores que podem servir de alerta e serem considerados de risco para uma pessoa tentar o suicídio, segundo a pesquisadora, estão o histórico familiar, pessimismo, pobreza, idéias ou fantasias suicidas, luto, elaboração de testamento, desemprego, ruptura de relação afetiva, ser solteiro, isolamento social, problemas legais e dependência química. "Alguns estudos internacionais apontam que a dependência de álcool e ou drogas aumenta o risco de suicídio em até 50%", afirma.
Outros dados da pesquisa
– 72,5% dos que tentaram o suicídio eram mulheres
– 26,9 anos foi a idade média dos que tentaram o suicídio
– 17,5% eram adolescentes
– 33,75% eram solteiros
– 52,5% eram brancos e, 23,75%, pardos
Dados epidemiológicos deficitários
A subnotificação e o subregistro dos suicídios e tentativas, além de estudos epidemiológicos deficitários, prejudicam a análise das taxas de suicídio no país. Uma das poucas pesquisas disponíveis é o I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), que traça um panorama do problema junto à população indígena. No estudo, 10,5% dos entrevistados pensaram em suicídio nos 12 meses anteriores. Destes, 81,7% tentaram efetivamente e, 42%, eram usuários de álcool.