por – Leonardo A. M. Cosentino – psicólogo do NPPI
"… é possível perceber que as emoções associadas a uma atividade frequente e aparentemente simples evidenciam um complexo entrelaçamento entre aspectos biológicos e culturais" Atualmente, uma das atividades mais realizadas na internet é a navegação em sites eróticos.
É bem provável que os indivíduos que acessem esses conteúdos se interessem pelas experiências emocionais suscitadas por esse ato. Mas, embora esse evento seja corriqueiro, ele pode ser mais complexo do que parece.
Ainda que diferentes emoções estejam associadas à visualização de sites com conteúdo adulto, a indústria erótica eletrônica existe porque uma parte considerável da comunidade internacional extrai certo prazer na criação e consumo de seus produtos. As ações dos indivíduos parecem balizadas pelas suas qualidades afetivas. Geralmente, os indivíduos procuram a maximização do prazer e a minimização do desprazer.
Ações associadas ao prazer tendem a ser repetidas, e aquelas associadas com o desprazer, evitadas. Dessa maneira, o afeto pode servir como uma forma de registro cerebral de consequências de eventos passados, com o intuito de orientar ações futuras. Esta dinâmica não só leva ao refinamento de determinados comportamentos, mas, essencialmente, regula diversos processos decisórios. A concepção de prazer como “moeda comum” para diferentes incentivos e situações tem sustentação em achados neurobiológicos. Há evidências sugerindo que o cérebro tem uma rota neural comum para as recompensas. Inclusive, é possível que grande parte dos incentivos seja recompensadora porque ativa o mesmo circuito neural de recompensa.
O afeto é parte constituinte dos processos emocionais. Sob a perspectiva evolucionista, o ser humano é produto de sistemas desenhados pela seleção natural para resolver desafios relevantes e recorrentes enfrentados durante sua evolução. Sendo assim, a mente humana é entendida como um conjunto de programas evoluídos para domínios específicos. As emoções, nesse enfoque, podem ser consideradas programas mentais capazes de coordenar outros subprogramas para a resolução de problemas. Nesse sentido, as emoções regulam a ativação ou desativação de outros programas (e.g., percepção, atenção, memória, aprendizado, prioridades motivacionais, escolhas de objetivos, reações fisiológicas, reflexos, sistemas motores e outros) ajustando o indivíduo para responder pronta e adequadamente à situação em que se encontra. Assim, elas não devem ser entendidas e reduzidas como resultados dos subprogramas que elas orquestram, mas sim como um sistema ordenador para estruturas distribuídas tanto na arquitetura mental quanto física do ser humano.
Entretanto, se a emoção funciona para resolver problemas adaptativos, como é possível uma pessoa se excitar ao navegar por sites eróticos, considerando que essa atividade, por si só, não gera nenhum efeito direto sobre suas chances de sobrevivência e reprodução?
Na tentativa de responder a essa pergunta, vale levantarmos alguns pontos importantes. Primeiro, as pessoas estão longe de fazer as coisas por causa do seu impacto direto sobre seu sucesso reprodutivo. Ainda que a seleção natural seja guiada, mesmo que indiretamente, pela transmissão dos genes, isso não quer dizer que a propagação genética seja um “objetivo maior” guiando direta e conscientemente o indivíduo. Por exemplo, um jovem que aborda uma garota em um bar, geralmente, não tem como objetivo procriar. É provável que o jovem esteja muito mais interessado e motivado pelas sensações fisiológicas produzidas pela relação entre os dois, do que em outras consequências possíveis do intercurso, tal como a gravidez. Aliás, muitas vezes são usados dispositivos tecnológicos para justamente impedir a concepção, como o preservativo. Para o jovem galanteador do exemplo, tal como possivelmente foi para os ancestrais humanos, o motivador imediato e principal são os mecanismos proximais associados ao prazer.
No entanto, é possível que o prazer e o desprazer tenham evoluído como sinais psicológicos representativos do valor adaptativo de cada comportamento. São experiências universais humanas importantes e, aparentemente, reguladas por indicativos correlacionados com mudanças no sucesso reprodutivo. Usualmente, o prazer, assim como as emoções correlatas (e.g., felicidade e satisfação), são eliciadas em circunstâncias de aumento das chances de sobrevivência e reprodução como, por exemplo, alimentar-se, ser admirado ou amado, fazer sexo, ter filhos, sobrinhos e netos e vê-los bem-sucedidos. Desprazer e tristeza, por sua vez, estão ligados a episódios associados com o decréscimo da aptidão, tais como dano, doença e perda de status, bens materiais ou pessoas importantes. Sendo assim, uma função importante e imediata do afeto é como um motivador. Porém, em última análise, esse foi moldado pela seleção natural, e está intimamente relacionado ao sucesso reprodutivo.
Segundo, é plausível que os seres humanos tenham evoluído em um ambiente no qual as simulações de determinadas situações não eram recorrentes e relevantes a ponto de selecionar mecanismos que regulassem as nossas reações diante delas. Nosso córtex pré-frontal até pode ser ativado diferentemente diante de experiências virtuais e presenciais, mas parte das informações adquiridas do ambiente vão ativar também outras áreas do nosso sistema nervoso, incluindo estruturas que modulam nossas reações fisiológicas. Dessa forma, por mais que os indivíduos saibam que estão em uma simulação, guardadas as devidas proporções, respondem como se não estivessem. Sendo assim, o fato das pessoas se emocionarem em ambientes simulados está, aparentemente, relacionado ao fato da mente não distinguir muito bem o que é simulado e o que é “real”. E isso se deve, em grande parte, porque essa distinção não existia no ambiente ancestral.
É possível que os seres humanos sejam dotados de adaptações voltadas para o engajamento em atividades fictícias, com a função de incrementar e organizar outras atividades que sejam relevantes do ponto de vista adaptativo. Por exemplo, as brincadeiras de lutar poderiam servir para aumentar as habilidades reais de luta dos indivíduos. No entanto, sites eróticos na internet são adventos muito recentes considerando a história evolutiva humana. Dessa forma, não é de se esperar que as adaptações biológicas, que evoluíram em um contexto bem diferente do atual, respondam otimamente a essas novidades. Mas, a atividade mental humana atual ainda está relacionada, e revelaria as marcas, dos desafios enfrentados pelos ancestrais humanos durante seu percurso histórico.
Enfim, é possível perceber que as emoções associadas a uma atividade frequente e aparentemente simples evidenciam um complexo entrelaçamento entre aspectos biológicos e culturais. Isso expõe que grande parte da tecnologia contemporânea interage com elementos constituintes da nossa natureza. No contexto atual no qual os adventos tecnológicos atuais produzem experiências virtuais cada vez mais próximas das presenciais, vale lembrar que, para compreendermos mais profundamente a relação entre o “homem e a máquina”, não devemos focar sobre tecnologia em si, mas naquilo que essencialmente nos torna humanos.
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