por Roberto Santos
“Rever cuidadosamente seu perfil é fundamental para ser bem-sucedido em um empreendimento”
Na primeira parte deste artigo, instiguei o leitor a se questionar se ele teria um perfil empreendedor (veja aqui). Nesta segunda parte vou descrever de fato as características desse perfil.
Bem… vamos a elas!
1º) Ambição
Essa competência intrapessoal se confunde com a própria noção de empreendedorismo – coragem, firmeza, tomar iniciativas e decisões sem que alguém lhe diga para fazê-lo, aceitar desafios que significam sair de sua zona de conforto, foco e determinação na busca de resultados, facilidade e satisfação em liderar outras pessoas etc. Cabe refletir se no transcorrer de sua carreira – você age ou agia proativamente e estava sempre buscando uma oportunidade de assumir o comando das situações? O quanto você se sentia motivado pela competição que havia dentro de seu setor? Esse tipo de motivação para o sucesso numa competição e para liderar negócios e pessoas, ao invés de ser liderado, será fundamental se a opção por empreender for definitiva.
2º) Segurança
Ainda segundo a pesquisa citada, os empreendedores são pessoas que conseguem conviver com situações ambíguas e pouco estruturadas, e não são apegados a formas convencionais e familiares de encarar os problemas e oportunidades. Assim, cabe sua reflexão:
Como você reage ou reagia nos momentos de transição de sua carreira: mudanças de área, de cargos, de empregos, de cidades etc? Congelava só de imaginar e listar todos os riscos que estaria correndo e acabava por evitar as oportunidades, mesmo que significassem um ganho maior? O empreendimento próprio carrega em seu DNA, uma forte dose de riscos. Se preferirmos a opção da segurança e previsibilidade, talvez não valha a pena se aventurar por esses campos de incertezas.
3º) Tino comercial
Status e controle sobre nosso ambiente são uma necessidade básica dos seres humanos. E empreendedores bem-sucedidos possuem ambos, muitas vezes na forma do reconhecimento e poder. Eles também são motivados por uma necessidade de previsibilidade e respeito dos outros.
No entanto, mais importante para energizar os empreendedores é a motivação por fazer negócios, ganhar dinheiro, gerar empreendimentos lucrativos. Aqueles nossos conhecidos ou parentes que quando encontramos numa festa logo começam a falar sobre seus investimentos, sua última barganha, seu plano de poupança e coisas do tipo, são aquelas que têm a motivação comercial no topo de suas prioridades. Eles têm o que se conhece como tino comercial que ajudará bastante em seus empreendimentos pessoais. A atenção aos aspectos financeiros de um empreendimento desde a criação de um plano de negócios, definição de métricas e retorno do investimento, como o “break-even” e outras pode não ser suficiente para o sucesso do negócio mas é certamente muito necessária.
4º) Perseverança
Outro elemento importante que se destaca em várias listas de ingredientes essenciais no perfil do empreendedor é a perseverança, resiliência ou resistência à frustração, mesmo após alguns revezes que estão sempre à espera de qualquer empreendedor. A base dessa característica é a autoconfiança, a autoestima elevada que contribuem para uma visão otimista sobre as oportunidades que se apresentam. Há que se lembrar do outro lado dessa fortaleza dos empreendedores: o exagero da autoconfiança que se transforma na arrogância e dificuldade de reconhecer os erros e aceitar feedbacks de que as coisas não estão indo bem, sem matar o mensageiro das más notícias.
O empreendedor precisa saber patinar sobre essa tênue linha no gelo, entre o otimismo autoconfiante sem descarrilar para a surdez narcisista. Na reflexão sobre nossa predisposição para empreender, devemos nos perguntar se, em nossas vidas como empregados, nos abatíamos demais à cada frustração, custando para nos recuperarmos; então, talvez não tenhamos energia para levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, quando tivermos a primeira proposta recusada ou negócio fracassado.
5ª) Gregário ou solitário convicto
Se você é uma pessoa extremamente extrovertida, que adora estar cercada de pessoas e tem dificuldade de trabalhar sozinha e passar horas sem ninguém para trocar ideias, pense bem no tipo de negócio que vai abrir. Um mesmo ramo de alimentação pode oferecer uma oportunidade de pouca interação direta com o público, como um serviço de entrega de pizzas ou demandar intensas e constantes relações públicas como num barzinho ou restaurante.
O empreendedor típico é aquele que se caracteriza pela ampla rede de relacionamentos e sua habilidade interpessoal de formar e manter essa rede se confunde com sua capacidade de vender seus produtos, serviços ou ideias. Isso não significa que os introvertidos não possam ser grandes empreendedores. Um exemplo disso são os famosos “nerds” do Vale do Silício.
Um tipo como Mark Zuckberg com certeza não parece ser o expansivo e falante vendedor típico. Talvez sua visão ao criar o Facebook tenha sido gerada pela própria necessidade de ter de suprir suas dificuldades de interação social – e deu o que deu. Em algum momento, os empreendedores introvertidos foram/são inteligentes o suficiente para se cercar de pessoas que os complementam naquilo que são vulneráveis. Então, se você é do tipo introvertido e que adora trabalhar sozinho, cuidado para não se fechar em sua concha e adiar os contatos vitais com seus clientes potenciais.
6ª) Criatividade e inovação
Frequentemente associamos a imagem do empreendedor àquela do inventor que tem uma ideia brilhante que transforma em um negócio único que cria tendências, cria um mercado, lidera a concorrência até que vende seu empreendimento e fica milionário ou transforma-o em uma franquia e continua expandindo seu poder e sua fortuna. De fato, os empreendedores tendem a ser visionários e imaginativos, abertos para novas formas de enxergar o cenário macro e desenvolver ideias que ninguém havia pensado.
Contudo, nem sempre o empreendedor é um inventor ou é criativo em sua acepção da palavra de criar um produto novo. Empreendedores podem inovar no modelo de comercialização como fez a Dell. Seus computadores nunca tiveram nada de criativo ou diferente dos concorrentes, mas quando Michael Dell pensou em seu modelo de negócios pelo qual as pessoas “montam” seu computador conforme a necessidade e a fábrica só fabrica uma unidade que já foi vendida ao consumidor final, ele inovou radicalmente o setor.
O inventor pode ter ideias criativas e brilhantes, mas se não tiver a astúcia e a visão para vê-las materializadas em um modelo de negócios, chegando de forma lucrativa a um mercado consumidor, ele não passará de um Professor Pardal sonhador. A reflexão do candidato a empreendedor nesse aspecto deve focalizar não o quão criativos fomos ou somos em nossas carreiras como empregados, mas o quanto fomos capazes de pensar em novas formas de se fazer as coisas, defender estas propostas, mesmo com oposição e implantá-las de forma satisfatória e resultados concretos.
Aqueles candidatos a empreendedores que se percebem como continuamente pensando fora da caixa ou até vivendo o tempo todo fora da caixa devem também considerar que a opção de se associar a uma franquia poderá ser cerceadora demais para seu espírito independente e inovador. Conforme afirma Lyanna Bittencourt na matéria citada da Folha de SP (veja artigo anterior), “Os empreendedores natos ou pessoas muito criativas podem não aguentar seguir a lógica do setor, em que a tônica é replicar um modelo de negócios já testado.”
7ª) Autodesenvolvimento contínuo
Quando estamos afiliados a grandes empresas, muitas vezes somos convocados a programas de treinamentos que podem parecer muito úteis ou perda de tempo. Dependendo de nosso perfil pessoal, somos mais do tipo de deixar em última prioridade a atualização e aperfeiçoamento pessoais. Mais do que nunca, em nosso mundo atual de evolução rápida, constante e turbulenta de conhecimento, o autodesenvolvimento contínuo é crítico para qualquer campo profissional e não cuidar disso pode ser fatal. Portanto, crie um momento no dia, na semana ou no mês, em que você possa cuidar de sua reciclagem profissional. Invista em você mesmo!
Em artigo de 2012, sobre a “Sobrevivência e Mortalidade de Empreendimentos” (veja aqui), citei uma pesquisa do SEBRAE sobre as estatísticas sobre a “taxa de mortalidade” de novos empreendimentos, dependendo da perspectiva que se toma – de copo meio cheio ou meio vazio.
Pelo lado cheio do copo, o estudo do SEBRAE apresentava uma melhoria no índice de sobrevivência de empresas abertas no ano de 2006, comparado com aquelas abertas em 2005 e, considerando o período até 2009. “…a cada 100 empreendimentos criados, 73 sobrevivem aos primeiros dois anos de atividade.” Este índice é 1 ponto percentual melhor na comparação dos dois anos citados. Parece inexpressivo, mas significa que aproximadamente 12.000 mais empreendimentos sobreviveram no período.
Pelo lado meio vazio do copo, ou o lado mais sombrio, uma pesquisa apresentada pelo mesmo SEBRAE em agosto de 2010 apontava que em 12 anos de monitoramento da sobrevivência e mortalidade de empresas, “… 27% das empresas paulistas fecham em seu primeiro ano de atividade.” Ou seja, para quem está pensando neste momento em abrir seu negócio, as estatísticas não são animadoras. Por outro lado, quem atravessou este “portal da mortalidade empreendedora”, operando no escorchante ambiente tributário e de legislação trabalhista arcaica do Brasil, pode se considerar um sobrevivente, com direito a compartilhar algumas ideias e experiências que deram certo e as que fracassaram.
Dez dicas para sia empresa sobreviver
Cabe destacar aqui 10 excelentes dicas para a sobrevivência de empresas apresentadas no site do SEBRAE, que reproduzi naquele artigo e repito aqui:
1ª) Planeje-se sempre;
2ª) Respeite sua capacidade financeira;
3ª) Não misture as finanças da empresa com finanças pessoais;
4ª) Fique de olho na concorrência;
5ª) Prospecte novos fornecedores;
6ª) Tenha controle do seu estoque;
7ª) Marketing não se resume a anúncio, invista em outras estratégias;
8ª) Inove mesmo que seja um produto/serviço de sucesso;
9ª) Invista sempre na formação empresarial;
10ª) Seja fiel aos seus valores e do seu negócio.
A quem se interessar, no artigo anterior (veja aqui), propus um modelo para orientação de escolhas de jovens em início de carreira que pode se aplicar ao empreendedorismo, ou seja, aquela decisão igualmente difícil e crítica na encruzilhada de carreira em que muitos se encontram em algum ponto de suas vidas: ser empregado ou ser empreendedor, com a perspectiva otimista de ser um dos 70% dos sobreviventes ou estar entre os 30% dos empreendimentos mortos em combate.
Voltando à pesquisa realizada com os 256 empreendedores, em que se aplicou o Inventário Hogan de Desafios (HDS) que descreve o “lado sombra” de nossa personalidade, ou seja, nossas tendências disfuncionais sob estresse, os resultados foram consistentes com os estereótipos frequentemente associados aos empreendedores, tais como motivados, cheios de energia e mais preocupados com eles mesmos dos que com os outros. A motivação e a energia são benéficas para o desempenho independente do cargo ou função. Um desejo de independência, contudo, claramente se associa mais ao ambiente empreendedor do que o corporativo. Em outras palavras, concluem os autores da pesquisa, algumas características que prejudicam a performance em organizações tradicionais são críticas para o sucesso de empreendedores.
O resumo da ópera é que para que a aventura do negócio pessoal não se transforme numa tragédia grega ou em uma comédia de pastelão, faça uma revisão de seu perfil pessoal. Conhecendo melhor a si mesmo e as condições materiais de que dispõe, você poderá dimensionar o grau de esforço e de artifícios que deverá planejar para encontrar um final feliz em sua história que hoje pode ser apenas de ficção científica.