por Aurea Afonso Caetano
No início do século passado Jung chamava atenção para um fenômeno chamado de enantiodromia já apontado por Heráclito que mostrava que: uma grande força em uma direção gera uma força em direção oposta. Utilizando este conceito Jung pretendia demonstrar a inevitabilidade de uma movimentação contrária àquela que pretendemos ou que vemos.
Disse ele: “… o grande plano sobre o qual a vida inconsciente da psique é construído, é tão inacessível à nossa compreensão que nunca podemos saber quanto mal é necessário para criar o bem por enantiodromia e quanto bem pode levar possivelmente ao mal.” (JUNG, OC 9/1 par. 397)
Em momentos quase fundamentalistas como os que hoje vivemos é sempre bom lembrar esse conceito.
A vida é um ciclo e nela há um tempo para cada coisa; é preciso que o arqueiro retese o arco com toda sua força para que no momento seguinte ele o solte e a flecha voe o mais longe possível. É preciso lembrar que para cada atitude consciente corresponde uma atitude inconsciente de força oposta, mesmo que dela não tenhamos conhecimento. Aliás, aí reside o grande perigo. Não há como saber com certeza onde nos levarão nossas boas ou más atitudes.
É preciso sempre lembrar que nossa consciência é unilateral. Sua atividade é seletiva e seleção demanda direção; para que uma direção seja tomada outras devem ser excluídas, isto é, para caminhar com foco os elementos irrelevantes àquela movimentação serão necessariamente deixados fora do campo de atenção. Se houver uma identificação com os aspectos “focados”, os outros serão excluídos e permanecerão no inconsciente gerando tensão.
Considerar a enantiodromia em um processo de autoconhecimento significa poder considerar a existência de forças que não estão, neste momento, sendo percebidas. Significa lembrar que aquilo que agora vejo e com que me identifico é apenas parte de minha realidade e que há muito mais em mim do que apenas isso.
Temos ampliado enormemente nossa capacidade de comunicação com os outros. Por exemplo: computadores e smartphones cada vez mais rápidos e onipresentes facilitam a transmissão de informações, estamos cada vez mais conectados. Muito tem sido dito, no entanto, a respeito de nossa solidão cada vez maior. Não se conversa mais, nem pelo celular – sms e WhatsApp “falam” e se comunicam por nós ou entre nós. O que por uma lado une, por outro afasta. Este o verdadeiro ritmo da vida que tem de ser cuidado, observado, para que não sejamos vítimas da crença em uma verdade absoluta que nos aprisione em um único polo.
Metáfora
Uma metáfora que podemos utilizar para ilustrar um típico comportamento de enantiodromia é o seguinte: o dependente de drogas ou alcoólatra que se torna um adepto de determinada religião e nunca mais se droga e vira um “religioso ou fiel compulsivo”.