Existe uma frase que expressa tão perfeitamente a situação de quem está no lado mais frágil da relação (qualquer relação), que vou aproveitar aqui para explorá-la mais: “Engolir sapos!”
Engolir sapos é aceitar o que seria inaceitável, se não fosse uma situação de beco sem saída. Engolimos sapos quando estamos numa posição inferior, quando sabemos (ou pensamos) estar refém de alguém.
Recentemente uma jovem cliente que ainda depende totalmente de seu pai, chorando muito diante do que considerava uma tremenda injustiça, me disse: “Com eu odeio essa dependência, eu daria tudo para poder sair de casa e não aturar mais esse tipo de coisa”.
Na hora fiz uma comparação que me veio à cabeça: “Um sujeito que está doente no hospital, todo quebrado, não conseguindo nem mesmo ir ao banheiro sem ajuda de uma enfermeira irritante e mal-humorada. Sofria com as conversas e risadas na madrugada pelos atendentes, que não o deixavam dormir, com os gritos de dor dos outros pacientes, e isso o enlouquecia. Quantas vezes pensou em arrebentar todos os acessos, tubos, agulhas e sair rastejando dali. Se ele assim o fizesse, seu estado iria certamente piorar, e a tão sonhada liberdade “daquele inferno” iria fracassar.
Um dia, esse paciente sonhou com um encontro no meio do deserto, quando um andarilho chegou diante dele e disse: “A dependência tem hora para terminar. Um dia você vai sair daí, essas pessoas que lhe atormentam vão ficar.”
Engolir sapos pode ser libertador
Se você tiver estômago para engolir os sapos durante a sua dependência, poderá usá-los como vitamina, para quando finalmente concluir esse ciclo e poder fechar aquela dependência (outras virão).
Toda dependência é por natureza infantil: você não tem ainda autonomia para caminhar sozinho para fora. Infelizmente, algumas dependências duram para sempre, mas são exceções. A regra é que a dependência seja um estágio necessário do desenvolvimento humano. A criança precisa passar por essa fase, para amadurecer seu intelecto, aprender, fortalecer-se em todos os aspectos – físicos, sociais e psicológicos -, para então, no momento certo, voar para fora do ninho. O que a natureza espera, é que durante essa fase, os tutores façam o melhor possível, para empoderar seus dependentes e fazer isso como manda a cartilha, sem apego, sabendo que seu sucesso é treinar seus dependentes para o sucesso no mundo.
Quando isso não acontece, e muitas vezes não acontece, o dependente sofre, debate-se, e tem de engolir sapos, percebe que, os seus tutores, sejam pais, patrões ou qualquer outra espécie de “senhor” estão aproveitando essa situação para exercitar seus instintos sádicos, dominadores, e vampirescos, lhe impondo uma dieta a base de sapos indigestos. Muitos tutores, até por se perceberem atolados naquela situação, ou por serem psicopatas, infelizes crônicos, ou terem até uma inveja perversa dos seus tutelados, fazem de tudo para massacrar suas vítimas, dependentes, reféns de uma situação da qual não podem ou não devem sair.
Nessa situação “engolir sapos” deve ser um exercício de fortalecimento interno, mas isso só acontece quando se muda a perspectiva. Como assim? Engolir sapos não é sempre engolir sapos? O gosto não é o mesmo? Sapos são sapos e ponto!
Não. Se você entender e se convencer de que aquele estágio, sofrido, massacrante, é uma fase necessária para que se fortaleça e possa voar, os sapos serão vitaminas. Cada sapo engolido, não será mais um sapo, e sim menos um sapo que aguarda na fila para entrar pela sua garganta abaixo. O mongol Gengis Khan, conquistador de um dos maiores impérios em extensão da História, ficou preso boa parte de sua vida e muitos anos numa gaiola pendurado a vista de todos, sofrendo insultos, agressões e se alimentando secretamente desses sapos espinhentos.
Sapos podem ser altamente indigestos, podem humilhar você, podem lhe colocar doente se você aceitar essa imposição cruel. Mas podem alimentar o Gengis Khan que existe ou deveria existir. Quando engolimos um sapo, devemos sempre fazê-lo com bastante água do futuro. Não sofrer pelo agora, pelo sapo nosso de cada dia, e sim, se agarrar no seu plano – lembre-se, você deve ter um. Mas fique esperto você não deve gostar do sapo, senão pode se viciar, virar um masoquista, estacionar na dependência, e sim, aceitar como parte do plano.
Tudo acontece na nossa cabeça, as alavancas devem ser movidas nos nossos modelos culturais, nas nossas heranças na nossa visão de mundo para que ao invés de nos enfraquecer como às vezes pretendem os tutores perversos, nos amadureçam para a independência da vida adulta. Mudar a alavanca da vitimização, do poder do outro sobre mim, do sofrimento atroz pelo momento, entendendo que esse momento foi feito para passar. Vai passar, seus sapos serão seu troféu lá na frente, mas não devem ser exibidos, não podem ser usados como pretexto para se vingar, para se transformar naquilo que produziu os sapos e os enfiaram goela abaixo. Essa seria a vitória dos perversos.
Como eu disse tantas vezes e fiz todo um livro em torno desse conceito (O Poder da Vingança): “Viver bem é a melhor vingança!”
Para isso, engolir o bom sapo, como combater o bom combate, é a melhor vitamina.
Acima de tudo temos de nos questionar sempre: Quem está no comando, a criança ou o adulto? Se for a criança ela vai buscar ora a comodidade da dependência (e aí as chances de ser recompensada com a tal dieta a base de sapos), ou se rebelar ainda que permanecendo infantil – o que cria aquele efeito que recriminamos tanto – crianças querendo ter a independência de adultos, e sofrendo as consequências dessa extemporaneidade?
Reclamar da dieta do sapo e ainda por cima orgulhar-se de “manter viva a criança interior“, é a contradição fundamental de nossos tempos. A criança é por natureza e obrigatoriamente dependente, a não ser que seja o Mogli o Menino Lobo, a criança deve engolir a comida que lhe é preparada, vestir as roupas que lhe são compradas, seguir a rotina que lhe é administrada. Mas o adulto não. E quando, por algum motivo esse adulto se encontra circunstancialmente na posição de dependente, poderá vir a ser constrangido por aceitar remédios amargos, indesejados ou até mesmo venenosos.
Mas como disse o grande Nietzsche: “O que não me mata me fortalece”, ou como disse o Zé da Venda: “O que não mata engorda!”
Engolir sapos pode intoxicar o indivíduo para o resto da vida, mas pode ser libertador, pode ser a vitamina perfeita que irá criar um adulto pleno e autossuficiente.