por Jocelem Salgado
Estudos mostram que as crianças brasileiras estão gordas como as americanas e anêmicas como as indianas. Enquanto a anemia atinge quase metade das nossas crianças, o sobrepeso já afeta 6,5 milhões de jovens com mais de 6 anos. A grande preocupação do Ministério da Saúde é que a criança desnutrida de hoje pode ser o obeso de amanhã, havendo uma relação intrínseca entre esses dois distúrbios alimentares presentes na vida da criança brasileira.
Todas essas notícias são ruins e apontam para o mesmo problema: hábitos alimentares e práticas de vida inadequadas. Na maioria dos casos, alimentação pobre em ferro ainda é a responsável pelo grande número de crianças com anemia. Não falta o que comer; falta uma dieta correta. É assim também com as crianças e adolescentes que estão acima do peso: elas não estariam comendo demais, mas estariam comendo de maneira inadequada.
A convivência da desnutrição lado a lado com a obesidade revela mais que desigualdades econômicas; revela uma grande carência de estímulos para uma dieta saudável. Nos dois casos, a criança acostumou-se com sanduíches, salgadinhos e refrigerantes e não foi devidamente estimulada a comer frutas, verduras e legumes. Os adultos à sua volta, pais, parentes, professores ou merendeiras, nunca as ensinaram como comer corretamente e nem imaginavam que poderiam estar comprometendo a saúde dessa criança.
Nesse cenário, em que quem ensina a comer é a TV, muitos pais se defrontam com o desafio de filhos que não ganham peso e de filhos que ganham peso demais. A solução está na reeducação alimentar, na adoção de uma dieta balanceada e saudável que muitas vezes pode encontrar resistência da parte dos filhos "mal acostumados". É preciso que aos poucos eles aprendam a gostar das frutas e legumes tanto quanto gostavam antes dos hambúrgueres e dos salgadinhos, e para isso, deve haver estímulos e esforços dos pais no sentido de oferecer aos seus filhos alimentos saudáveis.
Anemia, obesidade, fome oculta….
O organismo humano necessita receber através da alimentação 40 a 45 elementos indispensáveis para o seu bom desenvolvimento. Na criança, o déficit de um ou mais nutrientes causa prejuízo a algumas funções orgânicas, levando ao aparecimento de doenças carenciais, e tendo como conseqüência na vida adulta, um indivíduo menos produtivo e incapacitado para determinadas atividades.
Estudos mostram que no Brasil, o número de crianças que vai à escola sem ter feito um bom café da manhã chega em média a 30-40%, e isso ocorre em todas as classes sociais, inclusive nas mais favorecidas. Pesquisas recentes elaboradas pelo Ministério da Saúde e pela Opas, com base em entrevistas com milhares de crianças em todas as regiões, das capitais e do interior confirmam que a anemia atinge quase metade das crianças brasileiras, um índice similar ao da Índia. Esse mesmo estudo mostra que 15% dos meninos e meninas vivendo no Brasil estão obesos, por conta de uma alimentação desequilibrada. Na década de 80, apenas 3% delas eram obesas.
Em uma criança, a obesidade atrapalha o crescimento e pode provocar a má formação das articulações e dos quadris. A médio e longo prazo, podem surgir hipertensão, colesterol elevado, diabetes e outros males cardíacos, e estimativas médicas mostram que oito de cada dez crianças obesas tornam-se adultos gordos. Com relação a anemia, sabe-se que não é necessariamente um problema típico de populações mais pobres ou de crianças mais magras. A alimentação inadequada faz com que a anemia apareça em todas as classes sociais e em crianças rechonchudas, que aparentemente gozam de excelente saúde. Tudo depende do que os pais põem no prato de seus filhos.
A médio-longo prazo, o crescimento físico e mental dessas crianças podem ficar retardados, e a fadiga, cansaço e falta de ar podem comprometer o rendimento escolar. Os estudos que avaliam os hábitos alimentares das crianças brasileiras informam que nos dias de hoje, prevalece o consumo excessivo de alimentos pobres em nutrientes e altamente calóricos, ricos em gorduras, açúcares simples e sódio, tais como salgadinhos, batata frita, sanduíches, doces e guloseimas, refrigerantes, etc.
A ingestão de frutas, hortaliças, cereais integrais, entre outros alimentos ricos em vitaminas, minerais, proteínas e fibras, importantes para o desenvolvimento infantil, é quase sempre desprezada.
Essas refeições com pouca variedade de alimentos e com excesso de gorduras, açúcares e sal, tem levado muitas crianças a um estado de saúde extremamente contraditório denominado "fome oculta". Esse estado que alia sobrepeso/obesidade com carência de nutrientes essenciais ao perfeito funcionamento do organismo não faz distinção de classe social, renda ou grau de escolaridade e contribui para o desenvolvimento de doenças a médio-longo prazo tais como o câncer, diabetes, cardiovasculares, entre outras. A fome oculta é lenta e silenciosa e não apresenta sintomas aparentes à curto prazo. O déficit de certos nutrientes, escassos na alimentação, vai com o tempo causando danos ao organismo da criança, cujas consequências se refletirão em sua vida adulta.
Dificuldade na escola X alimentação
É importante também que todos os pais saibam que um dos principais fatores que influenciam no rendimento escolar é a alimentação. Problemas como déficit de atenção, falta de concentração, hiperatividade, falta de memória, entre outros, podem muitas vezes estar ligados a erros alimentares.
Diversos estudos têm encontrado uma dificuldade escolar maior em crianças que consomem açúcar em excesso: balas, chocolates, refrigerantes etc. Além disso, outros estudos associam as dificuldades de aprendizado a corantes e aditivos alimentares.
Deficiências nutricionais de vitaminas e minerais também podem causar ou agravar problemas de aprendizado, além de falta de apetite e cansaço. A carência de alguns micronutrientes contribui para a deficiência de serotonina, que além de afetar o humor pode ser causa de menor rendimento escolar. O zinco e a niacina, por exemplo, atuam no hipocampo que tem uma função importante no desenvolvimento da memória e nas emoções. No caso da deficiência de ferro, a dificuldade escolar pode surgir mesmo antes do aparecimento da anemia. Já o excesso, pode contribuir para o aumento dos radicais livres cerebrais causando dificuldade escolar.
Por isso, além de uma alimentação saudável em casa, é imprescindível que a criança faça um bom lanche na escola, com alimentos nutritivos, ricos em todos os nutrientes importantes para o seu bom rendimento escolar.
A importância de uma alimentação funcional
Atualmente, grandes especialistas da área de nutrição infantil são unânimes em afirmar que a alimentação não deve ser feita apenas como meio de reposição de energia ou para o crescimento das crianças, mas como forma de proteger o organismo contra doenças e agressões ambientais, como as variações bruscas de temperatura, poluição e radioatividade, além do estresse do dia a dia. As necessidades infantis de acordo com o conhecimento atual vão além da energia que os alimentos contém. Nossas crianças precisam de nutrientes e compostos bioativos que previnam doenças a longo prazo. É a Nutrição básica evoluindo para a Nutrição biomolecular, Nutracêutica e Alimentação Funcional.
Por isso, o consumo de alimentos fortificados com vitaminas e minerais deve ser incentivado, assim como o consumo de alimentos funcionais ricos em substâncias antioxidantes e com funções terapêuticas tais como soja, cereais integrais como aveia, frutas e hortaliças variadas e peixes marinhos.