por Dr. Joel Rennó Jr.
Bulimia é o transtorno alimentar caracterizado por hiperfagia (comer excessivamente) ou de forma compulsiva em curto intervalo de tempo. A pessoa sente-se culpada e depois utli\za de comportamentos compensatórios, como uso de laxantes e vômitos induzidos, diuréticos e até atividades físicas intensas.
A bulimia pode ser considerada a doença da auto-imagem corporal distorcida, atingindo cerca de 2% a 4% das mulheres. O início em geral ocorre na adolescência. As mulheres são mais afetadas que os homens na proporção de 9 por 1.
A distorção da imagem corporal é diferente da anorexia, onde pessoas magérrimas olham-se no espelho e se vêem como gordas. Na bulimia a pessoa busca um modelo de corpo avaliado como o ideal ou perfeito do ponto de vista sociofamiliar e ditado pela cultura vigente.
Pouco se conhece a respeito das causas da bulimia nervosa. Possivelmente existe um modelo incluindo múltiplas causas: aspectos socioculturais, psicológicos, individuais e familiares, neuroquímicos e genéticos.
Influência cultural tem sido apontada atualmente como um forte desencadeante. O corpo magro é encarado como símbolo de beleza, poder, autocontrole e modernidade. Desta forma, a propaganda dos regimes convence o público de que o corpo pode ser moldado. Assim, a busca pelo corpo perfeito tem se manifestado em três áreas: nutrição/dieta, atividade física e cirurgia plástica.
Distúrbio da interação familiar, eventos estressantes relacionados à sexualidade e formação da identidade pessoal são apontados como fatores desencadeantes ou mantenedores da bulimia. Postula-se que alterações de diferentes neurotransmissores podem contribuir para o complexo sintomático, notadamente dos mesmos neurotransmissores envolvidos na depressão.
Um 'período limitado de tempo' de compulsão refere-se a um período definido, geralmente durando menos de duas horas. Um episódio isolado de compulsão periódica não precisa ser restrito a um contexto. Por exemplo, um paciente pode começar um episódio em um restaurante e continuá-lo ao voltar para casa. O ato de ingerir continuamente pequenas quantidades de comida durante o dia inteiro não seria considerado uma compulsão periódica.
Embora varie o tipo de alimento consumido durante os ataques de hiperfagia (comer muito), ele tipicamente inclui doces e alimentos com alto teor calórico, tais como sorvetes ou bolos. Entretanto, as compulsões periódicas parecem caracterizar-se mais por uma anormalidade na quantidade de alimentos consumidos do que por uma avidez por determinados nutrientes, como carboidratos. Embora os pacientes com bulimia nervosa, durante um episódio de compulsão periódica, possam consumir mais calorias do que as pessoas sem bulimia nervosa consomem durante uma refeição, a proporção de calorias derivadas de proteínas, gorduras e carboidratos é similar.
Os pacientes com bulimia nervosa tipicamente se envergonham de seus problemas alimentares e procuram ocultar seus sintomas. As compulsões periódicas geralmente ocorrem em segredo, ou dissimuladas tanto quanto possível. Um episódio pode ou não ser planejado de antemão e em geral, mas nem sempre, é caracterizado por um consumo rápido.
A compulsão periódica freqüentemente prossegue até que o paciente se sinta desconfortável, ou mesmo dolorosamente repleto. A compulsão periódica é tipicamente desencadeada por estados de humor disfóricos, estressores interpessoais, intensa fome após restrição por dietas, ou sentimentos relacionados a peso, forma do corpo e alimentos. A compulsão periódica pode reduzir temporariamente a *disforia, mas autocríticas e humor deprimido freqüentemente ocorrem logo após.
Um episódio de compulsão periódica também se acompanha de um sentimento de falta de controle. Um paciente pode estar em um estado frenético enquanto leva a efeito a compulsão, especialmente no curso inicial do transtorno. Alguns pacientes descrevem uma qualidade dissociativa durante ou após os episódios de compulsão periódica.
Após a bulimia nervosa ter persistido por algum tempo, os pacientes podem afirmar que seus episódios compulsivos não mais se caracterizam por um sentimento agudo de perda do controle, mas sim por indicadores comportamentais de prejuízo do controle, tais como dificuldade em resistir a comer em excesso ou dificuldade para cessar um episódio compulsivo, uma vez iniciado. 0 prejuízo no controle associado com a compulsão periódica da bulimia nervosa não é absoluto, já que, por exemplo, um paciente pode continuar comendo enquanto o telefone toca, mas interromper o comportamento se um colega ou o cônjuge ingressar inesperadamente no mesmo aposento.
Outra característica essencial da bulimia nervosa é o uso recorrente de comportamentos compensatórios inadequados para prevenir o aumento de peso. Muitos pacientes com bulimia nervosa empregam diversos métodos em suas tentativas de compensarem a compulsão periódica. A técnica compensatória mais comum é a indução de vômito após um episódio de compulsão periódica. Este método purgativo é empregado por 80% a 90% dos pacientes com bulimia nervosa que se apresentam para tratamento em clínicas de transtornos alimentares.
Os efeitos imediatos do vômito incluem alívio do desconforto físico e redução do medo de ganhar peso. Em alguns casos, o vômito torna-se um objetivo em si mesmo, de modo que a pessoa come em excesso para vomitar ou vomita após ingerir uma pequena quantidade de alimento. Os pacientes com bulimia nervosa podem usar uma variedade de métodos para a indução de vômitos, incluindo o uso dos dedos ou instrumentos para estimular o reflexo de vômito.
Os pacientes em geral se tornam hábeis na indução de vômitos e por fim são capazes de vomitar quando querem. Raramente, os pacientes consomem xarope de ipeca para a indução do vômito. Outros comportamentos purgativos incluem o uso indevido de laxantes e diuréticos. Aproximadamente um terço dos pacientes com bulimia nervosa utiliza laxantes após um ataque de hiperfagia. Raramente, os pacientes com este transtorno utilizam enemas após os episódios compulsivos, mas este quase nunca é o único método compensatório empregado.
Os pacientes com bulimia nervosa podem jejuar por um dia ou mais ou exercitar-se excessivamente na tentativa de compensar o comer compulsivo. Exercícios podem ser considerados excessivos quando interferem significativamente em atividades importantes, quando ocorrem em momentos ou contextos inadequados ou quando o paciente continua se exercitando apesar de lesionado ou de outras complicações médicas. Raramente, os pacientes com este transtorno podem tomar hormônio da tiróide na tentativa de prevenir o aumento de peso. Os pacientes com diabete melito e bulimia nervosa podem omitir ou reduzir as doses de insulina, para reduzir o metabolismo dos alimentos consumidos durante os ataques de hiperfagia.
Os pacientes com bulimia nervosa colocam uma ênfase excessiva na forma ou no peso do corpo em sua auto-avaliação, sendo esses fatores, tipicamente, os mais importantes na determinação da auto-estima. As pessoas com o transtorno podem ter estreita semelhança com as que têm anorexia nervosa, em seu medo de ganhar peso, em seu desejo de perder peso e no nível de insatisfação com seu próprio corpo. Entretanto, um diagnóstico de bulimia nervosa não deve ser dado quando a perturbação ocorre apenas durante episódios de anorexia nervosa.
A grande maioria dos pacientes bulímicos deve ser tratada em nível ambulatorial (sem internação), exceto nos casos onde o desequilíbrio metabólico exige uma intervenção mais intensiva. É interessante o tratamento ambulatorial, pois em geral, os pacientes são mulheres jovens estudantes ou com empregos, donas de casa e com filhos pequenos, onde o afastamento seria prejudicial.
Quando necessária, a internação ocorre por complicações associadas como: depressão com risco de suicídio, perda de peso acentuado com comprometimento do estado geral, hipopotassemia (diminuição de potássio no sangue), seguida de arritmia cardíaca e nos casos de comportamento multiimpulsivo (abuso de álcool, drogas, auto-mutilação, cleptomania, promiscuidade sexual).
Alguns autores preconizam a prescrição de um plano de alimentação regular. Um diário de alimentação, pensamentos, sentimentos e comportamentos experimentados em cada situação. Este diário deverá ser discutido com o paciente de forma tranqüila e franca.
A psicoterapia pode ser de linha cognitiva e/ou comportamental e deve ajudar o paciente no entendimento dos seus aspectos dinâmicos assim como orientá-lo em questões práticas, por exemplo: planejando antecipadamente os horários quanto às atividades e refeições; tentar comer acompanhado; não estocar alimentos em casa; pesar-se apenas na consulta médica, etc.
Os antidepressivos têm demonstrado maior eficácia na diminuição dos episódios bulímicos, como por exemplo, a fluoxetina e a fluvoxamina, mesmo na ausência de depressão coexistente. Outras medicações foram usadas sem resultados promissores.
*Disforia: irritabilidade, tristeza e até comportamento impulsivo