por Monica Aiub
Alguns leitores, a partir do conceito de plasticidade, apresentado em textos anteriores (clique aqui), enviaram questões sobre o que é estrutura de pensamento em filosofia clínica. Conforme apresentado nos textos Filosofia e bem-estar: estabilidade ou instabilidade (clique aqui) e Como funciona a prática da filosofia clínica (clique aqui), a filosofia clínica possui, em seu instrumental, três eixos fundamentais: exames categoriais (revelam o universo no qual a pessoa está inserida), estrutura de pensamento (observa os modos de ser constituídos pela pessoa a partir das vivências relatadas em sua historicidade) e *submodos (eixo que observa as formas que a pessoa possui para lidar com suas questões). Aprofundemos um pouco o eixo estrutura de pensamento.
Estrutura de pensamento
Quando entramos em contato pela primeira vez com essa terminologia, corremos o risco de interpretações equivocadas. Estrutura, aqui, não significa, como algumas pessoas pensam, algo rígido. Uma estrutura é, segundo o dicionário Aurélio, “disposição e ordem das partes de um todo; sistema que compreende elementos ordenados e relacionados entre si de forma dinâmica”. Mesmo estruturas que aparentemente possuem rigidez, como a estrutura de um edifício, por exemplo, possuem alguma mobilidade, necessária para que o prédio possa suportar os movimentos do solo, da natureza que o rodeia, sem colocar em risco a sustentação do edifício.
Analogamente, podemos considerar a estrutura de pensamento como a organização dos elementos que compõem e sustentam os modos de ser de uma pessoa. Tal organização é móvel, fluida, acompanha os movimentos da vida, as necessidades dos contextos vividos pela pessoa; mantém algumas de suas ordenações, altera outras; pode aumentar ou diminuir o peso de cada um dos elementos que a constituem; é alterada pelas decisões ou ações da própria pessoa, assim como pode ser impactada por decisões ou ações de terceiros, por modificações circunstanciais, por relações estabelecidas, entre muitos outros fatores.
Para Bertrand Russell, em Introdução à Filosofia da Matemática, o termo estrutura significa plano, construção, constituição. Entendemos, em filosofia clínica, a estrutura como a constituição das formas de vida do partilhante – paciente. Mas não se trata de uma constituição fechada, pré-estabelecida, e sim de um constante constituir-se. Tomando de empréstimo o modelo da estrutura biológica, há fatores que podem alterar a estrutura, ainda que ela mantenha um núcleo constitutivo das características fundamentais de uma espécie. Todavia, durante o processo evolutivo, tais alterações estruturais poderão levar uma espécie à perpetuação, a modificações ou mesmo à extinção.
Para Lévi-Strauss, em Antropologia Estrutural, a estrutura é um sistema de elementos no qual a modificação de um elemento qualquer implica na modificação de todos os outros. Ela é, para o antropólogo, um modelo conceitual que deve dar conta dos fatos observados e permitir que se preveja de que modo reagirá o conjunto no caso da modificação de um dos elementos. Assim também, em filosofia clínica, a estrutura de pensamento, caso tenha um de seus elementos modificado – como numa teia, num tecido – tal modificação poderá implicar na movimentação de toda a estrutura.
O estudo da estrutura de pensamento do partilhante, por outro lado, permite ao filósofo clínico, através da observação dos padrões de movimentação existencial e da compreensão da constituição estrutural do partilhante, prever (ainda que por aproximação) possíveis reações do conjunto no caso da modificação de um dos elementos. Daí tal estudo servir de parâmetro para a orientação dos procedimentos clínicos.
O que é o pensamento?
Compreendendo, portanto, estrutura como algo fundamental e, ao mesmo tempo, flexível, mutável, passível de plasticidade, resta-nos compreender o significado do termo pensamento. Há quem identifique pensamento com racionalidade, cogitando ser a estrutura de pensamento algo puramente racional. Mas não é esse o sentido utilizado em filosofia clínica. Em seu significado mais geral, o termo pensamento, segundo Descartes, em Princípios de Filosofia, diz respeito a tudo o que acontece em nós de modo que o percebamos imediatamente, ou seja, entender, querer, imaginar, sentir, compreendem o pensar. Espinosa, no livro II da Ética, acrescenta às maneiras de pensar propostas por Descartes, o amor, o desejo e as demais afecções da alma. Há outras acepções para o termo pensamento, tais como, atividade: racional – distinta dos sentidos e da vontade; discursiva ou intuitiva. Em filosofia clínica consideramos pensamento em seu significado mais amplo.
A estrutura de pensamento observada pelo filósofo clínico é constituída de 30 tópicos, que são considerados em suas relações intra e intertópicas, assim como com relação às categorias e aos submodos. Pode parecer, numa aproximação rápida, uma fragmentação da pessoa em vários tópicos, ou até a construção de uma tipologia tópica, uma vez que, como nos alerta Gilbert Ryle, em seu artigo Categorias, “As doutrinas das categorias e as teorias dos tipos constituem explorações de um mesmo campo”, mas não se trata disto.
Ao observar a estrutura de pensamento do partilhante, o filósofo clínico considera os tópicos que se relacionam com o assunto, os que constituem padrões – ou seja, que possuem importância, peso, ou aparecem concomitantemente permeando a historicidade, os que se relacionam aos dados do momento vivido atualmente pela pessoa. Entre eles, são destacados aqueles que aparecem como determinantes – ou seja, que possuem força de determinação da ação – ,aqueles que apresentam choques, aqueles que sustentam as bases estruturais dos modos de ser da pessoa. Também são observadas a flexibilidade e a rigidez das conformações tópicas. Em outras palavras, o que se considera são os movimentos estruturais. A seguir, listo os 30 tópicos da estrutura de pensamento.
30 tópicos da estrutura de pensamento
1. Como o mundo parece (fenomenologicamente)
2. O que acha de si mesmo
3. Sensorial & Abstrato
4. Emoções
5. Pré-Juízos
6. Termos agendados no intelecto
7. Termos: Universal, particular e singular
8. Termos: Unívoco e equívoco
9. Discurso: completo e incompleto
10. Estruturação de raciocínio
11. Busca
12. Paixões Dominantes
13. Comportamento e Função
14. Espacialidade: Inversão, recíproca de inversão, deslocamento longo e deslocamento curto
15. Semiose
16. Significado
17. Armadilha conceitual
18. Axiologia
19. Tópico de singularidade existencial
20. Epistemologia
21. Expressividade
22. Papel Existencial
23. Ação
24. Hipótese
25. Experimentação
26. Princípios de verdade
27. Análise da estrutura
28. Interseções de estruturas de pensamento
29. Matemática simbólica
30. Autogenia
Como é possível observar, sensações, emoções, expressividades, crenças, valores, espiritualidade, corporeidade, enfim, os elementos que constituem o humano, observados em suas formas de organização singulares, plásticas, cujos movimentos podem ser acompanhados através do estudo da historicidade, compõem parte dos elementos considerados pelo filósofo clínico para o encaminhamento de seu trabalho, parte esta denominada estrutura de pensamento. Não esqueçamos que ela é observada tendo em conta suas relações com os outros eixos: exames categoriais e submodos.
Apenas como um exercício para compreender o funcionamento do que aqui está descrito, você consegue identificar, em você, quais são os aspectos fundamentais, sem os quais você se descaracterizaria, sem os quais romperia sua estrutura? Consegue, também, identificar pontos em sua estrutura que gostaria de modificar? É possível modificá-los? Quais as prováveis conseqüências de tais modificações?
*Submodo: Em filosofia clínica, as formas, os modos que utilizamos para lidar com nossas situações são denominados submodos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
AIUB, M. Para Entender Filosofia Clínica: o apaixonante exercício do filosofar. 2 ed. Rio de Janeiro: WAK, 2008.
DESCARTES, R. Princípios de Filosofia. São Paulo: RIDEEL, 2007.
ESPINOSA, B. Ética. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
PACKTER, L. Filosofia Clínica: a filosofia no hospital e no consultório. São Paulo: Allprint, 2008.
_____. Filosofia Clínica: propedêutica. Porto Alegre, AGE, 1997. Disponível em www.filosofiaclinica.com.br
RUSSELL, B. Introdução à Filosofia da Matemática. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
RYLE, G. Categorias. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1975.