Por Roberto Goldkorn
Contemplando a minha barriga outro dia, pensei em como era terrível confrontar a imagem real fotografada pelo espelho com a minha autoimagem ideal, apenas virtual. Mas o que fazer? Embarcar em mais um regime, fazer aquilo que eu sei que precisa ser feito – abrir mão dos doces, mudar alguns hábitos alimentares, correr literalmente atrás do prejuízo, para ficar "em cima", e encaixar a imagem do espelho com a autoimagem? Pensei: essa é uma batalha que perdi, e nesse rastro lembrei-me: já ouvi essa frase!
Quantas vezes já estive diante dessa desistência, desse nocaute não só contra a obesidade, mas contra tantas outras "doenças" muito mais graves porque não se refletiam no espelho ou na balança. Contra a obesidade existem armas cada vez mais poderosas, você pode não querer lutar, mas as armas estão aí. Mas como lutar contra as outras "obesidades"? Pensando nisso, lembrei-me de que costumo dizer as pessoas, que os seus problemas físicos quase sempre são concretizações do plano psicológico, e por sua vez, os psicológicos decorrem dos espirituais. Assim, conclui, existem também obesidades psicológicas e espirituais.
Comecei a gostar da linha de pensamento que estava se apresentando; e continuei olhando para o espelho. "Quem seriam os obesos psicológicos?" Naturalmente aqueles que acumulam, retêm, estocam emoções, sentimentos, e até o conhecimento. Esses gordos e gordas psíquicos, não são necessariamente fofos fisicamente, ao contrário alguns são magros "de ruindade" como dizia minha mãe. Antigamente eu os chamava de colecionadores, mas acho que obesos emocionais é um termo melhor.
Revólver na boca!
Conheci um homem, há muitos anos, que atravessou o país perseguindo a mulher e os filhos que fugiram dele, por não suportarem mais serem maltratados, humilhados, e desprezados. Ele, veio colocando o revólver na boca de parentes ou amigos que poderiam dar pistas do paradeiro dela, até chegar onde ela estava – no meu consultório. Ela estava tentando encontrar novos aliados, na sua luta contra um "destino" voraz. Depois das ameaças ele tentou uma outra estratégia:marcou uma consulta comigo, para pânico da minha mulher, mas logo percebi que era um obeso emocional (não que na época eu tivesse essa visão e terminologia, estou apenas atualizando os Qualidade de Vida na Webs). Ele não a amava de verdade como afirmava enfaticamente para justificar a sua cruzada armada para levá-la de volta. Afirmava com voz embargada de "emoção" que entre eles tudo era maravilhoso, e que a verdadeira culpada daquela situação era a sua sogra. É natural, o "obeso" culpa sempre algo ou alguém pelos seus excessos, ele nunca vai assumir ser a origem e o fim da sua "doença".
O fulano, tinha um talento inegável para o teatro, para a construção de cenários ficcionais; e para lançar mão da violência quando tudo mais falhasse. Ele não iria abrir mão dela, não isso não , era inadmissível para ele, ser abandonado por ela, afinal aquelas "gordurinhas" foram conquistadas com tanto sacrifício, elas são suas, por direito divino, afinal, o revólver estava sempre a mão para confirmar isso. Ele não suportaria as privações de um "regime", perder, ser abandonado, afinal ele era muito importante, para ser abandonado pela mulher a quem espezinhava e pelos filhos que não dava a mínima.
Na verdade, não é nada disso, ele sabia, no fundo ele sabia que era um nada, um desimportante crônico; e a perda do pouco que agregara à sua miserável existência para dar-lhe consistência, seria o aniquilamento. É claro que não seria. Ao contrário poderia até significar um renascimento, poderia emagrecê-lo, e torná-lo uma outra pessoa. Assim como os grandes obesos (de verdade) dizem ao emagrecer drasticamente, "perdi um corpo", ele poderia perder um corpo morto; e o que sobrasse poderia ser a semente de um novo ser com uma chance de ser feliz.
Mas "obesos emocionais mórbidos" não pensam assim, eles se identificam de tal modo com a sua gordura, que não sabem mais quem são. O fim da história pelo menos para mim, é que ela voltou para "casa" com ele, inclusive para preservar a minha família e os seus filhos. Pareceu-me um gesto altruísta, de extremo sacrifício, mas na verdade, é um gesto também de obeso, assim como o meu, que permiti a violência se desenrolar diante de mim, e engoli o sapo, "engordei" é claro.
O obeso psicológico
O "obeso psicológico" tem uma capacidade ímpar de desempenhar papéis tão diferentes como o do guerreiro obstinado e o de vítima contumaz. Esse é um talento desenvolvido para preservar a "obesidade" e o processo contínuo de "engorda", das críticas e das interferências ocasionais. Eles são sem dúvida hábeis esgrimistas, mentem bem, se articulam bem, atacam e defendem com rapidez e eficiência, sabem usar aquilo que os psicólogos chamam de "dissonância cognitiva" com perfeição. Mas no fim das contas, são como crianças tentando esconder uma traquinagem quando todos vêem a boca cheia de calda de bolo de chocolate.
Outro dia ouvi uma história sobre um "obeso" mórbido de origem genética. Seu pai prosperou muito às custas de engolir, sem mastigar, pessoas e instituições, sempre grudado como um carrapato nos "poderosos" para poder catar-lhes as migalhas. O filho herdou igual gana. Numa transação imobiliária, onde detectou a fragilidade financeira da vítima (os "obesos" compulsivos só atacam quem é indefeso, são como abutres) ele a espremeu de tal maneira que ao final o que sobrou dela e do negócio em si, foram cinzas para ela, e mais "gordura" para ele.
As pessoas que presenciaram esse processo, mesmo acostumadas a assistirem massacres (fazem parte do jogo), ficaram muito mal. Esse jovem obeso, talvez venha a exibir as suas banhas fartas como o seu pai, mas nunca poderá exibir a serenidade de uma mente aquietada, e se candidatar a ser feliz. Certamente diante dessa declaração "magra", cheia de despeito, típico dos esqueléticos e famintos, o "obeso" crônico, vai rir balançando as suas banhas afluentes. Talvez ele tenha motivos para rir, pois ao contrário do mundo das passarelas e do glamour, o mundo "real" ainda é dos "obesos".