por Roberto Goldkorn
Tive um amigo de infância que marcou muito a minha vida. Passamos bastante tempo sem nos encontrarmos até que o destino nos reaproximou. Ele havia se convertido ao vegetarianismo, era um aplicado estudante de yoga. Ele alardeava que havia desenvolvido uma sensibilidade psíquico-espiritual muito aguçada. A tal ponto havia chegado a sua sensibilidade, que não podia passar em frente a açougues ou a botequins, atravessava a rua!
No começo achei isso o máximo, e confesso tive inveja desse quase santo, pois também estava eu buscando caminhos espirituais. Mas aos poucos fui percebendo que essa suposta hipersensibilidade o fragilizava mais do que o fortalecia, afinal tudo a nossa volta é denso, emocional, passional, cheira a cerveja e a carne assada na brasa.
Ao longo desses anos fui encontrando muitas pessoas que aspiravam uma sutilização de seu ser psíquico e nesse roteiro constava sempre o afastamento das vibrações (e das pessoas) mais grosseiras. Nesse momento surgia o impasse: como afinar seus instrumentos psíquicos se continuam cercados por comedores de chumbo, espadas e chuvas de fogo? A primeira resposta a esse desafio veio da cristandade a grande religião do sofrimento que nos diz: “siga em frente inabalável como se estivesse num corredor polonês, se chegares do outro lado serás um herói da fé, se não chegares serás um mártir da fé. A sua recompensa está no outro lado”.
Para mim, e para muitos filhos da Nova Era essa solucionática já não se mostrava satisfatória, embora tenha sido uma bela de uma estratégia de marketing nos primórdios da religião. Sabíamos que se estávamos aqui, nesse mundo feito de gravidade, tínhamos de cumprir um papel aqui, e viver da melhor maneira possível aqui, sem adiamentos. Nessa linha fui me educando e a todos que vieram até mim em busca de uma palavra orientadora. Estar no mundo mas sem se identificar com ele, pois quem desce ao pó a ele se mistura. Esse é um baita de um desafio, muito maior que atravessar a rua ao passar em frente a um boteco de pinguços. Como dizia o meu mestre: testemunhe! Eu não fumo e não bebo, mas hoje sei que até poderia fumar um cigarro ou tomar uma pinga sem que isso me arrastasse ladeira abaixo na escala vibratória.
Falsos espiritualistas
Conheci uns falsos espiritualistas que antes de comer um prato (tendo carne ou não) colocavam as mãos sobre este por alguns segundos para “desvibrar” aquela comida feita por “mãos poluídas”. Tudo cascata, ou como dizem os cariocas tudo caô. O negócio está dentro, no gesto interno, na profunda engrenagem mental de não-identificação, e não no comportamento final, em geral feito para a galera. Passei anos sem comer carne, até descobrir que o problema não é a carne e sim a necessidade dela. E essa regrinha vale para tudo desde o sexo, até o chocolate. O que tem de ser combatido é o desejo visceral, aquela coisa do “não posso viver sem”.
Portanto, o segredo é a luta interna e não uma autoprivação externa. Conheço pessoas que dizem: “não posso passar um dia sem comer carne”, outras que afirmam ser impensável a idéia de passar uma semana sem sexo, sem falar das que já entraram até a cabeça nos vícios previstos no código penal. Essa sim é a grande batalha para os que almejam subir um degrau na escala da evolução espiritual. Livrar-se dos desejos viscerais que os aprisionam mais ainda as entranhas do plano material.
Para terminar uma historinha que resume com beleza e sabedoria tudo o que foi dito. Conta-se que o Buda (ainda na pele de monge mendicante), já tendo feitos seus votos de pobreza e de renunciante (inclusive ao sexo) estava caminhando com um colega e chegaram à beira de um rio. Lá uma mulher esperava para atravessar, mas o medo de ser levada pela água a impedia de se aventurar. O Buda (cuja identidade era desconhecida pelo seu colega) a ergueu nos braços e a conduziu até a outra margem. Agradecida, a mulher se foi e os dois continuaram silenciosamente a sua marcha. Algumas horas depois o outro monge sem suportar mais aquela situação explodiu: “Você segurou uma mulher nos braços! Isso é imperdoável para a nossa opção espiritual.” Ao que o Buda respondeu: “Eu apenas a segurei para atravessar o rio. Pior é você que a está carregando até agora.”