por Elisandra Vilella G. Sé
A memória é um sistema complexo e muito importante para o aprendizado e a vida. É ela que nos dá a identidade e nos permite: ter uma biografia, aprender coisas novas, rememorar fatos e eventos vivenciados.
Além da memória para palavras, números, coisas, imagens, eventos, existe também a memória dos afetos, das emoções, a memória da alma, a memória dos poetas. As emoções estão presentes em todo o sistema de memória.
A teoria de Aristóteles sobre a memória e a reminiscência baseia-se na teoria do conhecimento que ele expõe na obra “De anima”. As percepções que chegam dos cinco sentidos são tratadas ou trabalhadas pela faculdade da imaginação, e são as imagens assim formadas que se tornam o material da faculdade intelectual. A imaginação é a intermediária entre percepção e pensamento. Assim, apesar de todo o conhecimento derivar, em última instância, de impressões sensoriais, não é a partir delas em estado bruto que o pensamento funciona, mas após tais impressões terem sido tratadas pela faculdade da imaginação ou absorvidas por ela. É a parte da alma que produz as imagens que torna possível o trabalho dos processos mais elevados do pensamento. É por isso que a alma nunca pensa sem uma imagem mental, a faculdade do pensamento pensa suas formas como imagens mentais, e ninguém poderia aprender ou entender algo, se não possuísse a faculdade da percepção; até quando se pensa de modo especulativo é necessária alguma imagem mental na qual pensar.
A emoção acompanha uma ideia e vice-versa, os afetos, o estado de humor se acoplam às ideias dando um colorido à representação mental. Isso se chama sentimento.
Do ponto de vista neurobiológico as áreas importantes para as emoções se encontram no sistema límbico. As estruturas e regiões importantes do circuito cerebral das emoções são as mesmas responnsáveis pela memória. Assim, os estímulos recebidos do ambiente, as vivências e as representações mentais ganham importância junto à experiências emocionais.
Segundo o médico *Paul MacLean (1952), o hipotálamo é visto como um elemento importante na expressão psicofisiológica das emoções e o córtex cerebral seria a área que codifica, descodifica e recodifica constantemente as experiências afetivas, atribuindo-lhes significações, um sentido, representações, símbolos e valores humanos. Assim, o sistema límbico compreende o sistema central na integração das emoções.
Dessa forma toda a construção de identidade pessoal, de grupos sociais é cultivada e memorizada no córtex cerebral por uma carga afetiva. Existe uma forte relação entre memória, prática social e afetividade.
E o que é a memória dos sentimentos, das emoções, dos ressentimentos?
É possível esquecer lembranças traumáticas, afetos ressentidos. Muitas vezes esquecemos os fatos, mas não os ressentimentos. A rememoração de sentimentos negativos, de sentimentos mal resolvidos, de assuntos inacabados, de eventos traumáticos, de frustrações é sempre dolorosa.
Somos capazes de ter o esforço de repensar e transformar os assuntos e experiências vividas. Conforme cita Nietzsche, as expressões, manifestações de sentimentos (chamadas de explosões de sentimentos), podem ser os rancores e recalques passivos que se manifestam, extrapolando as rivalidades internas, exprimindo vontade de vingança. Assim as pessoas seguem a vida cultivando hábitos que escondem suas frustrações.
Os afetos negativos, os ressentimentos são experiências de medo, perversidade, maldade, humilhação que fere o amor-próprio, a autoestima, o autoconceito, que suscita fusões afetivas, transtornos de humor, descontrole emocional. O recalque da agressividade incapaz de exteriorizar afetos negativos, pode trabalhar a memória de forma a estimular a violência, a fúria, a defesa. Ao longo da vida essa memória dos sentimentos, dos significados expressos em reminiscências, em poesias, na arte e nas atitudes agressivas deve ser trabalhada no sentido de se conseguir um esquecimento que seja apaziguador das dores.
*Paul MacLean: médico criador da teoria do sistema das emoções (sistema límbico).