Viver a vida e como habitar um museu: Parece que todos nós vivemos em museus que elaboramos cuidadosamente para nós. Saiba por que ficaríamos loucos sem a proteção do museu.
Conheci uma mulher que vive em um museu construído por ela mesma. Após a morte de seu marido, ela manteve a casa exatamente como era. Todos os móveis, fotos, a disposição das coisas e até mesmo as roupas pessoais do marido falecido são mantidos intactos. Conhecendo o museu não temos aquela impressão tradicional de que se trata de um local preparado para receber visitas e causar determinadas impressões – como em um museu. Esse é um outro museu natural, sem artificialidades, autêntico.
O museu e o luto
A impressão que esse museu pessoal nos provoca é aquela que teríamos em nossas vidas diárias quando visitamos uma pessoa e inferimos, pela organização da casa e pelos elementos existentes, que um marido chegará em breve do trabalho ou de alguma atividade externa. Todo o entorno está disposto como se, a qualquer momento, o marido falecido pudesse entra pela porta da frente.
Além da organização da casa como se houvessem dois habitantes, a casa é extremamente organizada. Assim, por exemplo, existem toalhas de mão para enxugar mãos e toalhas de mão apenas para beleza, decorativas. Tudo deixa transpirar o controle ou a intenção de manter controle sobre a realidade externa. Não há nada no ambiente que não tenha passado pelo crivo da vontade consciente de sua proprietária e criadora desse museu pessoal.
A diferença entre o museu e a casa é que não há mais a realidade que dava sustentação ao que a casa era: um lar, a morada de um casal. O curioso na transformação de uma casa em museu é justamente a disposição humana em criar para si um ambiente que é diferente daquele que existe. De fato, a transformação da casa em museu expressa uma rebeldia e uma insatisfação com o que existe.
O que se pretende é manter vivo um mundo, uma ordem, uma rotina, uma vida para a qual não há mais substância.
Quer dizer, não há mais substância diante dos fatos. Afinal, falo de uma casa disposta para a vida de um casal em que só vive uma pessoa, porque a outra não vive mais. É necessário uma grande vontade para manter a casa como se ela fosse a moradia de um casal quando não é mais.
Na verdade, toda ordem, toda rotina, toda organização – toda cultura – não são gestos humanos dispostos de modo a evitar o conflito com o que há? O que fazemos na nossas vidas diárias não é apenas uma tentativa de dar um sentido para uma falta em tudo o que existe?
O que há afinal? O que está diante de nós do ponto de vista fatual é que vivemos na superfície de um pequeno planeta em um sistema solar diminuto em uma galáxia periférica de um universo desconhecido. Ou seja, vagamos no nada sem saber de onde viemos e para onde vamos. Somos absolutamente ignorantes sobre qualquer coisa que nos permita estabelecer uma conexão entre o que fazemos e um sentido que vá além de nossas vida cotidianas. Estamos atirados no vazio.
Viver a vida é como habitar um museu
Todos nós vivemos em nossos pequenos ambientes, em nossas rotinas, em nossas ordens artificiais na tentativa (nem sempre eficaz) de nos conectarmos com um sentido. Mas o sentido com que nos contatamos é somente aquele que inventamos para nós mesmos, o que escolhemos viver. Parece que todos nós vivemos em museus que elaboramos cuidadosamente para nós. Cada um possui suas próprias toalhas de mão apenas para beleza: coisas de que gostamos que sejam como são. Sem essas coisas talvez ficássemos loucos.
As toalhas de mão para beleza, decorativas, expressam nossa necessidade de valor, de sentido, mesmo nessa viagem a bordo de um pequeno planeta dentro do vazio. São elas que nos permitem aliviar momentaneamente a dor que sentimos quando a realidade se rompe diante de nós e percebemos a solidão que está lá fora. São as toalhas de mão para beleza que nos protegem do vazio e do infinito.