Entenda a síndrome de Diógenes

por Edson Toledo

“A Síndrome de Diógenes é caracterizada por um extremo abandono de autocuidado”

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Com o aumento da expectativa de vida ocasionada não só pela melhoria na qualidade de vida, mas também pelos avanços trazidos pelas pesquisas em ciências, tem-se observado uma maior incidência de patologias em idosos. O tema de hoje é sobre a Síndrome de Diógenes, que em muito pode ser um reflexo do cenário contemporâneo em que vivemos.

Só para situarmos, essa síndrome recebeu esse nome em homenagem a Diógenes de Sínope, filósofo grego representante do cinismo.

O cinismo é uma corrente filosófica que prega o desapego aos bens materiais, por acreditar que a felicidade não depende de nada externo à própria pessoa. Diógenes, que vivia como um cão (kynikos, kynon = cachorro) morava em um barril. Seus únicos bens eram uma túnica, um cajado e uma tigela, simbolizando desapego e autossuficiência perante o mundo.

Nas palavras de Diógenes, “O cão é capaz de realizar suas funções corporais naturais em público sem constrangimento, um cachorro comerá qualquer coisa, e não fará estardalhaço sobre que lugar dormir. Cachorros vivem o presente sem ansiedade, e não possuem as pretensões da filosofia abstrata. Somando-se ainda a essas virtudes, cachorros aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferente dos humanos que enganam e são enganados uns pelos outros, cães reagem com honestidade frente à verdade”.

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Paradoxalmente, o cinismo anárquico de Diógenes nada tem em comum com o emprego atual da palavra, assim como a vida despojada de bens de Diógenes nada se assemelha à síndrome que leva seu nome, pois esse epônimo tem sido criticado principalmente por duas razões: primeiro que diferentemente dos portadores da síndrome, Diógenes não acumulava objetos e segundo os pacientes com síndrome de Diógenes tendem ao isolamento não por desejarem ser autossuficientes, mas por desconfiança e rejeição ao mundo externo.

A Síndrome de Diógenes é caracterizada por um extremo abandono de autocuidado (extreme self-neglect) principalmente com a higiene pessoal, saúde e alimentação. Existe um isolamento social voluntário nos portadores, com ruptura das relações sociais, inobservância das regras convencionais no relacionamento com ou outros e uma atitude hostil e indiferente perante o mundo exterior.

Essas pessoas têm tendência para acumular lixo e objetos geralmente inúteis (syllogomania) e vivem numa situação de miséria extrema, chegando a apresentar varias patologias médicas, como eczemas, infecções na pele por parasitas e sujidade, até anemias nutritivas e carências múltiplas devido à negligência na alimentação e higiene. Por apresentarem baixa cognição recusam ajuda, dificultando assim qualquer intervenção.

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Descrita pela primeira vez por Macmillan e Shaw em 1966 como Síndrome de Esqualidez Senil (Senile Squalor Syndrome) ou ruptura social no idoso (social breakdown of the elderly), porem foi Clark e colaboradores que em 1975 sugeriram o termo Síndrome de Diógenes.

Os aspectos etiológicos (causadores) da síndrome ainda não estão claramente definidos. Entretanto, alguns autores destacam a inter-relação de vários fatores:

– Personalidade prévia: são pessoas independentes, excêntricas, agressivas e obstinadas. Sendo associado também à personalidade pré-mórbida esquizotípica e paranoide assim como obsessivo-compulsiva.

– Fatores estressantes próprios da idade avançada: reforma antecipada, morte de um familiar próximo, dificuldades econômicas, conflitos familiares.

– Isolamento social: a maioria desses pacientes vive só (viúvos ou separados) e tem contatos mínimos com o mundo exterior, que em princípio é condicionado pelas circunstâncias, mas posteriormente é desejado e procurado de maneira voluntária.

Vale lembrar que a maioria dos casos seja em idosos que vivem sozinhos, independentes, dominadores e com pouca ou nenhuma interação com a comunidade, pessoas mais novas também podem apresentar a síndrome que acomete indivíduos pertencentes a todas as classes sociais e sugere ser igualmente prevalente entre homens e mulheres.

Estudos apontam comorbidades com demência, abuso de substâncias, transtornos do humor, parafrenia (conjunto de problemas mentais que inclui a demência precoce), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC), esquizofrenia, demência e acidente vascular cerebral.

As principais hipóteses para a causa da Síndrome de Diógenes são:

– A condição representaria o “estágio final” de um transtorno de personalidade;

– Uma manifestação de demência do lobo frontal;

– O estágio final do hoarding disorder (transtorno de acumulação, classificado no DSM-5).

Tratamento

Quanto ao tratamento é preciso garantir inicialmente que o doente receba cuidados médicos básicos, alimentação e higiene, tratar as doenças físicas que poderão estar presentes, e que estão geralmente associadas à falta de higiene e nutrição deficientes, como possíveis eczemas ou infecções na pele por parasitas, ou anemias por carência nutricional. Exames complementares geralmente são necessários, como por exemplo: avaliação cognitiva, exame neurológico, ECG, teste ergométrico, hemograma, glicemia de jejum, eletrólitos, TSH/T4 Livre, TGO/TGP, gama-GT, ureia/creatinina e ressonância magnética do encéfalo.

É importante excluir patologia psiquiátrica e no caso de existir, implementar cuidados terapêuticos adequados (medicação), contar com apoio psicológico, do serviço social e em alguns casos intervenção judicial para obrigar o paciente a manter sua casa em condições sanitárias já que esse quase sempre se torna um grande foco de contaminação e doenças.

Para pensarmos a respeito de nossos idosos, vejamos os dados de um estudo publicado no fim de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre 1992 e 2012, o número de idosos que moram sozinhos triplicou no país. Passou de 1,1 milhão para 3,7 milhões, um aumento de 215%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNADs). No mesmo período, a população de idosos acima de 60 anos passou de 11,4 milhões para 24,8 milhões, um crescimento de 117%.

Não podemos afirmar que essa população não terá Síndrome de Diógenes, ela nem mesmo é classificada nos manuais de psiquiatria (DSM-5) embora a prevalência permaneça estimada seja de 2 a 5% da população geral, um relevante estudo aponta que 64% dos portadores moram sozinhos e têm em média 69 anos de idade. Porém, isso não exclui uma reflexão de que essa síndrome seja um problema complexo em geriatria que inclui decisões clínicas, sociais e éticas por parte dos profissionais de saúde. Temos que aprofundar os diagnósticos e realizar pesquisas para que possamos atuar de maneira preventiva nessa faixa etária, com vista a aumentar a esperança de vida, se não também a qualidade de vida dos nossos idosos.