por Roberto Goldkorn
"O tapa na cara desperta do transe, fratura a estrutura da "viagem na maionese" e obriga o pouso forçado no planeta Terra. Essa terapia só tem uma falha como toda autoterapia: só vale para quem tem boa saúde mental!"
Há muitos anos, fui com meu irmão mais novo e duas garotas a um cinema.
Tínhamos um Jeep aberto e logo que estacionamos, alguns rapazes subiram no carro, começarm a buzinar e a bater no capô. Vi que eram de uma gangue de adolescentes "transviados" como se dizia nos anos 70 e não quis ir até lá interpelá-los, mas meu irmão foi.
Corri atrás para evitar um confronto com cara de massacre (eles eram cinco ou seis e nós apenas dois). Mas quando cheguei já havia começado o bate-boca e de repente… SPLASH!
Ouvi um som de tapa na cara e ao me virar imediatamente vi os óculos do meu irmão voarem e a mão espalmada do sujeito que o atingiu. Aquilo foi um gatilho do mal para mim. Enlouqueci. Perdi todo e qualquer freio de medo ou controle social.
Comecei a bater neles de forma selvagem, como um animal em fúria. Apesar de serem em número bem maior e de pertencerem à gangue de rua, nós os massacramos. Eu batia tanto, como se fosse uma máquina, movido pelo som do tapa na cara do meu irmão.
Aquele episódio ficou na minha mente sob a etiqueta de "efeitos de um tapa na cara". Diferente de um soco, uma cotovelada, até de uma cabeçada, um tapa tem pouco potencial destrutivo, mas por motivos arquetípicos tem um imenso potencial moral, ou seja, desmoralizador.
Há alguns anos conversando com um policial, ele me contou que era porteiro de boates da Boca do Lixo em SP: "Um dia", ele disse: "Cansei de levar tapa na cara dos policiais e resolvi entrar para a polícia. Agora quem dá tapa na cara sou eu."
Um tapa na cara não derruba, não nocauteia, mas quebra algo mais importante, uma estrutura ligada ao ego que desestabiliza o equilíbrio emocional.
Desde tempos recuados, estapear alguém na face significava uma afronta inegociável. Bater com as luvas no rosto do desafeto era um desafio para o duelo, mas apenas com as luvas – e como as luvas são para as mãos…
Quase quarenta anos depois de ter sido eletrizado com um tapa na cara de meu irmão, fui eu quem usei pela primeira vez o tapa para tirar uma pessoa de um surto psicótico- SPLASH e funcionou! O que eu via no cinema, apliquei na vida real com grande sucesso.
A partir desse momento comecei a pensar nas possibilidades terapêuticas do tapa na cara. Se uma boa bofetada tira uma pessoa do seu eixo – enlouquecendo-a num surto (onde ela já está "louca"), um tapa sonoro, estalado poderia fazer o efeito inverso? A resposta é positiva.
Claro que um tapa na cara por mais splash que faça, não vai curar a loucura instalada na mente profunda de um indivíduo. Mas pode nos livrar de um surto ou pequeno surto de idiotização súbita.
Manias, cacoetes comportamentais que teimam em se repetir contra a nossa vontade, pensamentos obsessivos, bordões negativos que ficam se repetindo como refrão de música sinistra, tudo isso pode quebrar com um bom autotapa.
Assim como D. João VI aconselhou a D. Pedro: "Ponha a coroa na tua cabeça antes que um aventureiro o faça!"; se dê um tapa na própria cara antes que o mundo o faça, porque quando é o mundo que lhe bate na face é sempre de forma mais dolorosa e humilhante.
Já me estapeei muito para interromper cadeias de pensamentos depressivos e intrusos. E como sei que um pensamento é intruso? Como posso identificar ideias ou formas de pensamento que não foram geradas por mim, mas estão zumbindo na minha cabeça? Simples, se eles tramam contra mim, ou tramam para que eu transgrida minha próprias regras (o que eventualmente pode me estrepar), não podem ser meus, e se forem não os quero comigo.
Assim que os identifico, dou-me um tapa SPLASH, com força, no rosto e digo: "Cancela, cancela, cancela". Dessa forma desprogramo aquele pensamento e interrompo a cadeia de causalidade que ele pode estar engendrando.
O tapa na cara desperta do transe, fratura a estrutura da "viagem na maionese" e obriga o pouso forçado no planeta Terra. Essa terapia só tem uma falha como toda autoterapia: só vale para quem tem boa saúde mental!
Eu não consigo imaginar um psicopata ou um psicótico tomando a decisão de interromper o fluxo mental sinistro e "sentar a mão em sua própria face".
Por outro lado, um esquizofrênico (ou um indivíduo com alguma síndrome psíquica grave) pode gostar tanto dessa "brincadeira", que vai querer ficar se estapeando de cinco em cinco minutos como um tique ou um ritual repetitivo.
Adotar o "autotapa" não é para qualquer um e infelizmente não resolve tudo, porém assim como outros truques tem um bom "custo-benefício".
O cotidiano é extremamente alienante. Muitas vezes adotamos por imitação (característica do cotidiano) muitas posturas que nada têm a ver com nosso projeto de realização, mas nem percebemos isso.
Captamos pensamentos que vagueiam no éter como se fossem balas perdidas carregadas de significados e às vezes nos atingem e os adotamos.
Somos influenciados tanto em estado de vigília e quanto no sono por emanações psíquicas diversas. Se pudéssemos ter o dom da vidência, iríamos ver o "ar" à nossa volta coalhado de sons, risos, choros, cores, cheiros, formas, representando pensamentos dispersos, obsessivos, insanos, criativos, destrutivos, etc. "Pescar" essas "aves sem rumo" é muito mais comum do que se pensa.
E às vezes por uma questão de afinidade (aves da mesma plumagem voam juntas) permitimos que pensamentos alienígenas, negativos, perniciosos, se instalem em nossa mente e ali comecem a agir como fermento fazendo crescer ideias destrutivas e nefastas.
Um bom tapa na cara – sem delicadeza – pode quebrar essa corrente e nos despertar para o que está acontecendo.
Para encerrar vou usar uma frase genial atribuida ao ex presidente Juscelino Kubitschek: "Dormir é muito bom, mas ficar acordado é muito melhor". SPLASH!