por Carminha Levy
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Os dias 24 e 25 de maio são consagrados à Santa Sara Kali. Como nos festejos juninos nos quais o ponto alto é a véspera do dia de São João Batista (24 junho), o dia 24 prepara o grande retorno de Santa Sara, a Padroeira dos Ciganos à cidade de “Saintes-Maries- de la mer” – na França. O lugar dos católicos e do povo cigano, de peregrinação, é um ponto de encontro.
Conta a lenda que pouco depois da morte de Cristo, as 3 Marias – Maria Madalena, Maria Jacobé (mãe de Tiago o menor) e Maria Salomé (mãe de São João e de Tiago o maior) foram jogadas pelos judeus numa barca sem remo e sem provisões. Estavam acompanhadas da criada Sara, de José de Arimatéia, de Lázaro e de Trófimo. A barca aportou milagrosamente numa praia próxima à foz do rio Petit-Rhône.
Curiosamente os ciganos – a “gente da viagem” devotaram-se totalmente a essa criada, ou escrava, Sara a Egípcia, Sara a Kali, Sara a Negra.
Até 1912, só os ciganos tinham acesso à crípta da igreja, construída para as Marias mas onde só a Virgem Negra reinava absoluta.
De 24 para 25, os ciganos se fechavam na crípta, cobrindo o vestido de Sara Kali, azul pálido de rendas, com flores, talismãs e lenços de seda. Na cintura ela usa um feixe de chicotes como se fosse um cinto e os lenços que quase a cobre amontoam-se no altar. Garras de pantera incrustadas em ouro fazem seu diadema que também leva pérolas.
Cerimônias secretas eram celebradas e principalmente as ciganas recebiam diretamente da Sara o dom de fertilização das mulheres que não conseguiam conceber. Os ciganos, por serem tomados por uma fé inabalável impregnada das energias sutis de gerações de nômades, conhecem o princípio dos milagres. Por exemplo: para que o violino toque, precisa das mãos do artista e nessa metáfora é a devoção consagrada à Sara que os potencializa e ela a devolve à comunidade em forma de esfuziante alegria, bem-estar e paz.
Em 1935, essa festa secreta foi aberta aos “gadjés” (não ciganos) e os padres católicos integraram-na na cerimônia cristã a Festa da Luz. No dia 24 seis ciganos vestidos de branco levam num andor ao mar a barca sagrada com a estátua engalanada de Sara Ciganos, turistas gadjés assistem das praias a benção do mar pelo padre em sua barca. Uma alegre procissão de mulheres de vestidos compridos de todas as cores e crianças descalças seguiam as mulheres ou os velhos e todos se agarravam à “grande serpente” que partia da crípta até a praia.
As saias deviam ser longas para cobrir as pernas obedecendo a um tabu ancestral: “Só descobrirás teu corpo em segredo, porque as tuas pernas são duas raízes que levarão vida”. A procissão se encerra com os ciganos nos seus cavalos. Mas há um ritual secreto que só os verdadeiros ciganos conhecem. Nesse, Sara Kali transforma-se na Mãe, irmã, esposa, mulher – a rainha secreta dos ciganos. Esse ritual está fadado à extinção. Os jovens ciganos devem beijar os lábios de Sara e toda a magia do feminino é revelada.
O autor do livro de onde busquei esta pequena pesquisa relata o que talvez tenha sido o último ritual secreto. Ele encontra na crípta, repleta de desrespeitosos turistas, um velho Kakú e seu neto. Ele olha para os “gadjés” e pratica a técnica de “olhar” (semelhante a uma hipnose coletiva), um a um os turistas se dispersam e na crípta está apenas o velho Kakú, seu neto e o autor. O Kakú fixando o olhar no rosto de Santa Sara e com o corpo que tremia, abriu caminho para o adolescente que beijou os lábios de Sara Kali. O autor coloca o indicador nos lábios selando o Silêncio que deve alimentar todos os ritos secretos.
Livro: “Tradições Ocultas dos Ciganos”
Pierre Derlon