por Edson Toledo
A geração de pesquisa, informação e conhecimento aumenta a cada dia. Porém, frequentemente me vejo pensando do que vale todo esse estudo se não conseguimos diminuir a violência, as doenças cardiovasculares, a obesidade, a depressão, os transtornos cognitivos e principalmente as dificuldades de aprendizagem; só para citar alguns dos problemas em que nos deparamos no nosso dia a dia.
Como um dos objetivos dessa coluna é falar da mente, pensei que poderíamos falar sobre novos caminhos a partir dos estudos da ciência do cérebro ou, melhor ainda, de uma região dele: o córtex pré-frontal que como o próprio nome sugere, é a parte da frente do cérebro, mais especificamente atrás dos nossos olhos e da testa; região essa que é a sede das funções executivas, funções que os estudiosos vêm dedicando grande parte de suas pesquisas e consequentemente têm sido valorizadas nos últimos anos.
Para o famoso neuropsicólogo russo Alexander Romanovich Luria e seu discípulo Elkhonon Goldberg as funções executivas são funções que nos fazem civilizados, humanos por assim dizer. Portanto, a história humana desenrola-se na dependência das funções executivas.
A principal região cerebral relacionada ao funcionamento executivo é o córtex pré-frontal, podemos dizer que as funções executivas são aquelas que mais nos diferenciam dos animais, já que nós os humanos, temos a habilidade de processar atividades com atenção sustentada, memória operacional, inibição dos impulsos, fluência verbal e especialmente pensamento abstrato.
Você duvida dessa afirmação?
Então me responda, você conhece algum animal (não estou falando agora do humano) que planeja suas ações, organiza sua agenda, abstrai o mundo ao seu redor, mantém a atenção ou altera o foco de atenção de acordo com seu interesse, e tem uma mente flexível que consegue resolver um problema igual de vários modos diferentes? Espero que você tenha respondido os humanos, já que todas as funções citadas são as executivas e o único animal que consegue desenvolver a história em torno de si é o homem.
Para melhor entendermos, as funções executivas relacionam-se com o planejamento de ações, com o que chamamos de memória operacional. Ou seja, a capacidade de manter algo em mente tempo suficiente para ser usado em uma tarefa imediata (como guardar um número de telefone para ser discado), e ainda com a atenção, tanto a sustentada (quando temos de manter a atenção em algo, mesmo com distrações ao nosso redor) como a alternância de atenção entre objetos (como por exemplo, o ato de ler um livro e andar por um caminho tortuoso, ao mesmo tempo); a resolução de problemas, o que envolve atenção, raciocínio (outra função executiva); abstração (outra função executiva, também, sendo esta a capacidade de imaginar uma situação ou algo não concreto a partir de pistas); inibição de respostas não desejadas a uma determinada situação ou de comportamentos inapropriados a certa situação; flexibilidade mental (a capacidade que temos de resolver um problema de vários modos diferentes, o que demonstra também nossa capacidade de atenção, raciocínio lógico e abstração). Embora controverso nossa personalidade e nosso caráter são armazenados aqui também.
No âmbito da psiquiatria e psicologia é possível identificar problemas no funcionamento executivo em vários quadros clínicos. Essas dificuldades estão presentes especialmente no transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno obsessivo compulsivo (TOC), todas as classes de dependências, nos quadros demenciais, transtorno afetivo bipolar (TAB) e até na depressão.
Como um trauma na função executiva pode afetar você
Outra questão que devemos considerar é a do que pode acontecer se essa região cerebral sofrer uma lesão ou trauma, temos algumas possibilidades do que poderá acontecer como você verá abaixo:
– Extrema desorganização e comprometimento na habilidade de planejamento
A pessoa não consegue terminar uma atividade iniciada, pois é incapaz de sequencializar etapas para atingir um objetivo, por exemplo.
– Prejuízo na tomada de decisão
Por exemplo: um sujeito decide por algo aparentemente vantajoso, mas que no longo prazo traz sérios prejuízos. Uma pessoa com esse tipo de alteração não é capaz de prever as consequências das decisões que toma.
– Desinibição comportamental
Exemplo: xingar as pessoas ou falar o que vier a cabeça sem pensar.
– Flutuação atencional
Por exemplo: o foco de atenção se torna lábil (instável) e a pessoa perde a meta/objetivo do que estava fazendo, como quando está fazendo uma atividade qualquer e interrompe para atender ao telefone e quando desliga não retoma a atividade que fazia anteriormente.
– Dificuldade em flexibilizar o pensamento
Exemplo: muita rigidez expressa na dificuldade de pensar em soluções e estratégias alternativas para solucionar um problema, seja ele de que natureza for.
– Comprometimento na habilidade de solucionar problema
Essa nem precisa de exemplos.
– Alteração da personalidade
Como exemplo podemos pensar no *caso Phineas Gage que se comporta de forma diferente ao período pré-lesão. Passando a fazer uso de linguagem obscena, torna-se um piadista em situações cujo contexto social requer certa polidez. Este caso é muito citado nos textos de neurociências e neuropsicologia.
– Exposição a comportamentos de risco
Exemplo: o sujeito desrespeita autoridades ou hierarquias, faz uso de drogas.
– Falta de iniciativa
O sujeito não inicia um comportamento sozinho, só toma a iniciativa se for solicitado.
– Desregulação emocional
A pessoa apresenta o humor lábil e oscilante, irritabilidade e agressividade, por exemplo.
Como vimos lesões ou disfunções nas regiões pré-frontais dos lobos frontais podem resultar em perturbações das funções executivas e consequentemente afetariam indiretamente todos os processos cognitivos. Portanto, uma correta avaliação do quadro clínico, incluindo uma avaliação neuropsicológica, poderá auxiliar no entendimento dos problemas cognitivos e especialmente na formulação de um adequado plano de tratamento, levando em consideração as habilidades e dificuldades do paciente.
* Phineas Gage (1823-1860) foi um operário americano que, num acidente com explosivos, teve seu cérebro perfurado por uma barra de metal, sobrevivendo apesar da gravidade do acidente. Após o ocorrido, Phineas, que aparentemente não tinha sequelas, apresentou uma mudança acentuada de comportamento, sendo objeto para estudos entre neurocientistas.