por Renato Miranda
No texto anterior (clique aqui), definimos o fenômeno do fluir no esporte (flow-feeling) e as três primeiras dimensões do fluir. O flow-feeling nos ajuda a entender o porquê de atletas realizarem certas tarefas em alto nível de concentração e motivação. Lembramos que qualquer pessoa pode encontrar as mesmas possibilidades de fluir em atividades diversas, embora nossa intenção particular seja focar o esporte.
No texto de hoje trataremos das seguintes dimensões do fluir: concentração na tarefa e fusão entre ação e atenção, perda da noção do tempo e controle absoluto das ações, experiência autotélica e alegria espontânea e experiência intrinsecamente compensadora.
1) Concentração na tarefa e fusão entre ação e atenção
Essa dimensão significa que o atleta percebe seus movimentos como se estivessem fundidos em si mesmo, como se cada movimento fizesse parte de seu corpo, em uma fusão corpo e mente. O atleta quando fluir na perspectiva dessa dimensão tem o controle interno e total de seus movimentos. Na verdade, ele realiza seus movimentos (gestos técnicos) e comportamentos táticos sem perder tempo em pensar como fazê-los, simplesmente os realiza da melhor maneira possível. Além disso, a concentração do atleta não é abalada por ações externas (adversários, arbitragem, torcida, etc.).
Isso explica porque atletas de alto desempenho executam movimentos e realizam tarefas em condições extremas (ex. movimentos complexos e perigosos na ginástica olímpica, arriscar um saque forçado em um tie break de voleibol, correr velozmente na parte final de uma maratona, executar uma jogada arriscada em uma final de campeonato de futebol e outros). Parece que tudo ocorre de maneira automática e sem esforço psicofísico. Na verdade, esse automatismo é o reflexo dessa fusão (ação – atenção) e um equilibrado sentido de coordenação de movimentos.
2) Perda da noção do tempo
Durante o fluir o sentido de tempo tem pouca relação com a medida absoluta como conhecemos (marcado pelo relógio). Nesse caso o tempo incorpora outro significado. Por exemplo, uma partida de voleibol pode parecer muito rápida para um atleta que esteja fluindo. O que de fato é relevante é o ritmo ditado pela tarefa e não pelo registro do tempo propriamente dito. Para você entender melhor, pense quando estava lendo um livro (concentrado e motivado) ou assistindo um filme no cinema e ao fim dessa experiência você não conseguiu perceber o tempo real em que ficou envolvido. Para você se passaram apenas alguns minutos.
3) Controle absoluto das ações
Ao vivenciar a experiência do fluir, o atleta sente uma grande possibilidade de controle sobre seu corpo, tornando-se confiante para realizar uma determinada tarefa. Desta maneira, percepções de medo, fracasso e tensão são simplesmente descartados.
A percepção de controle é típica do estado do fluir. Esta percepção é fruto da falta de preocupação com a perda do controle. Isto se dá pelo fato da autoconfiança que o atleta tem de suas habilidades (boas e concretas) para a realização da tarefa e consequentemente pela dissipação dos pensamentos negativos que o liberta do medo do fracasso. Em consequência, surge um sentimento de poder, confiança e calma. Ou seja, um sentimento de poder fazer tudo com harmonia e precisão e na intensidade emocional adequada.
4) Experiência autotélica: finalidade da experiência está em si mesma
O que caracteriza uma experiência autotélica é a finalidade. Ou seja, a finalidade da experiência está em si mesma. As consequências ou resultados não são objetos da concentração da pessoa. Toda energia psicofísica despedida é liberada exclusivamente para a execução da atividade. Isso não quer dizer que os objetivos a serem alcançados não sejam importantes, acontece que o envolvimento (esforço) da pessoa com a experiência não dá “espaço” em sua mente para preocupações com os resultados futuros, com isso executar a tarefa presente é o que realmente importa. As consequências serão naturalmente o produto desse esforço.
5) Alegria espontânea e intrinsecamente compensadora
O atleta que flui interpreta o processo de treinamento (treinar e competir) e suas consequências, vencer e perder como eventos naturais do próprio esporte. Ele é impulsionado a absorver os fatos com serenidade e investe no aprimoramento de suas qualidades psicofísicas Alegria espontânea é sua característica marcante e tudo aquilo que ele faz para seu desenvolvimento pessoal é avaliado como compensador.
O atleta não se preocupa prioritariamente com recompensas externas (ex. elogios e prêmios). Na verdade, tudo aquilo que é externo, é tratado como uma consequência natural de seu envolvimento com o esporte. Por outro lado, o resultado dessa alegria é a percepção dos acontecimentos esportivos que geram alta pressão, medo, insegurança, raiva e outras emoções negativas como um fenômeno a serem adaptados de maneira a não repercutirem um comportamento indesejável. Em outras palavras, o atleta absorve e diminui o impacto dessas emoções disfuncionais.
Para finalizar essa breve descrição sobre o fenômeno do flow-feeling, poder-se dizer que ao vivenciar o fluir facilitamos nossas realizações e o desenvolvimento pessoal, tanto em relação às nossas atividades (esportivas ou não!) como no intuito de melhorar nossa qualidade de vida.