por Aurea Afonso Caetano
A possibilidade de ver o outro como um semelhante e estabelecer com ele uma relação de igualdade é fundamental para o desenvolvimento.
Iguais ou diferentes ou iguais e diferentes? Como conviver com as diferenças através do reconhecimento do elemento comum?
A capacidade de empatia, tão fundamental para a relação em sociedade e para o desenvolvimento humano, é ou deveria ser norteadora.
Duas cenas que inundaram as redes sociais esta semana mostram o que pode acontecer quando nos posicionamos de forma unilateral e perdemos de vista que há uma outra vida, similar à nossa, do outro lado ou… à nossa frente.
O manifestante agredido durante uma manifestação por um grupo que comungava ou pregava ideias e opiniões diferentes, é o primeiro exemplo. Por mais que sejamos contrários às opiniões do outro, não há justificativa para tamanha violência. Como já dizia nosso sábio Nelson Rodrigues “toda unanimidade é burra!”. O funcionamento em grupo “exige” um certo rebaixamento da consciência, ou seja, perdemos um pouco de nossas faculdades (assim chamadas) superiores para poder entrar em sintonia com a maioria e funcionar de forma orgânica. É quase certo que cada uma das pessoas que participou da agressão não teria tido esse tipo de atitude caso estivesse sozinha, numa relação mais direta com o “oponente”. Podemos não gostar, não comungar com as crenças do outro, mas somos capazes de perceber a igualdade entre nós, o que garante de forma paradoxal a possibilidade de reconhecer e respeitar o diferente.
Somos feitos da mesma matéria, e por conta disso, somos capazes de ter o mesmo tipo de funcionamento expresso no entanto a partir de nossas peculiaridades individuais. Num funcionamento grupal essas particularidades devem submergir para que possamos funcionar juntos, em um mesmo tom. Em uma passeata na qual posições antagônicas se encontram, os instintos mais básicos de luta e fuga prevalecem e funcionamos como se o outro, o que tem opiniões diferentes, fosse o real inimigo que precisamos atacar para não morrer.
E o que dizer do golfinho que morreu longe da água, seu habitat, enquanto era levado de braço em braço para uma “selfie”. O que é que fez com que aquelas pessoas ficassem tão tomadas pelo desejo de um “autorretrato com o golfinho” a ser postado em suas redes sociais, que não pudessem perceber a gravidade do que estava acontecendo? Não puderam perceber a agonia e morte do animal que os encantava porque estavam ainda mais encantados consigo mesmos, com a possibilidade de mostrar ao mundo a maravilha que estavam vivendo.
Há aqui também, a meu ver, um rebaixamento de consciência, o outro (um animal, neste caso) deixa de ter uma história e uma vida para servir aos desejos mais prosaicos, à necessidade de como se diz “sair bem na fotografia.”
Há aqui um falso eu em ação; não há o eu pleno, central, senhor de nossa consciência, que deveria orientar e dirigir nossos atos. Mas, sim, um eu inundado pelo funcionamento da maioria, cujo único desejo parece ser o de comungar com o grupo, submergir ou diluir-se nele; acreditando, porém, que esse é o caminho para a conquista da individualidade.