por Leonel Vieira
O princípio da não ação, ensinado pelo sábio chinês Lao Tsé, é um dos mais difíceis de serem compreendidos por nós, ocidentais, porque o confundimos, muitas vezes, com passividade. Mas, está longe disto! Externamente, a pessoa que está praticando a não ação aparenta passividade, mas internamente ela está ativa.
No *I Ching, um dos hexagramas (símbolos formados por seis linhas paralelas, que podem ser contínuas ou interrompidas) que pode simbolizar a não ação é o hexagrama "T'ai", que significa Paz. Ele é assim descrito no I Ching:
"O princípio luminoso (Ch'ien – o Criativo, Céu – princípio espiritual – ativo) está no interior, no centro, em posição decisiva. O princípio obscuro (K'un – o Receptivo, Terra) encontra-se do lado de fora. Assim, o princípio luminoso exerce uma poderosa influência, e o princípio obscuro submete-se. Quando no homem o princípio dos céus governa, sua natureza corpórea sofre essa influência, encontrando o seu lugar apropriado".
O Hexagrama T'ai (Paz)
Três primeitas linhas: o Receptivo, Terra e abaixo Ch'ien, o Criativo, Céu
A ideia da obscuridade, neste caso, não é equivalente a algo negativo, mas sim a uma receptividade tranquila e discreta. As três linhas contínuas de baixo simbolizam o princípio espiritual, ativo, criativo. Estar em baixo, no caso, significa estar do lado de dentro, internamente. As três linhas interrompidas acima simbolizam o princípio material, receptivo. Elas estão em cima, o que significa que estão no exterior. O conjunto das seis linhas significa clareza e atividade internamente, e receptividade tranquila e discreta externamente.
Um exemplo real poderá tornar mais clara a ideia da não ação. Os nomes e algumas situações foram modificados, mas na essência o caso ocorreu como narrado a seguir.
Júlia precisava conversar com Mário, seu chefe, sobre o desenvolvimento de um projeto que ele lhe pedira, mas estava temerosa, pois sabia que ele, além de estar sempre ocupado com várias coisas, no momento estava também furioso. Não com ela, mas com outros auxiliares que haviam cometido um grave erro. Contudo, Júlia sabia que, quando Mário ficava furioso, ele tendia a descontar sua irritação em quem estivesse por perto. E que esta irritação iria demorar a passar.
Pensou em falar com Mário outro dia, mas refletiu que ao fazer isto atrasaria a programação do projeto. Estava sem saber o que fazer. De repente, lembrou-se do que aprendera sobre o poder da visualização positiva e resolveu colocar em prática.
Antes de entrar na sala de seu chefe, refletiu sobre a situação dele, procurando compreender seu comportamento. Para isto, procurou se colocar em seu lugar. Percebeu então que se estivesse na posição dele, também estaria furiosa com o que acontecera. Este exercício de empatia ajudou-a a entrar num estado de espírito favorável para lidar mais equilibradamente com eventuais palavras ásperas que Mário pudesse lhe dirigir durante a conversa.
Em seguida, concentrou-se e, por alguns instantes, visualizou mentalmente uma luz suave envolvendo Mário, transmitindo-lhe tranquilidade, paz e equilíbrio.
Finalmente, entrou na sala e cumprimentou Mário que respondeu amavelmente (para sua surpresa!). Ele parecia uma pessoa muito diferente da 'fera' de minutos atrás – bem humorado, até conversaram sobre amenidades antes de falarem do projeto.
A reunião foi muito produtiva e Júlia saiu da sala com as decisões e diretrizes que necessitava para finalizar o projeto eficientemente.
A partir deste dia, Julia sempre que tinha que conversar com seu chefe, mesmo que só por telefone, e sabia que ele não estava nos melhores dias, usava a visualização positiva. E isto trazia equilíbrio para si e para o seu chefe, tornando a conversa mais produtiva.
Se Julia tivesse se amedrontado perante a irritação de Mario, encolhendo-se, ou o confrontasse, não teria tido o bom resultado que obteve. Usou o principio da não ação: ativa e equilibrada internamente, numa atitude de empatia para com a outra pessoa (colocar-se no lugar de outrem) e aplicou a visualização positiva (luz suave envolvendo e transmitindo-lhe tranquilidade, paz e equilíbrio). E externamente discreta e receptiva.
Com isto, venceu sem lutar.
* I Ching – O Livro das Mutações. Tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários de Richard Wilhelm. Prefácio de C. G. Jung. Editora Pensamento – São Paulo.