Por Angelo Medina
"Havia um tempo em que eu vivia/Um sentimento quase infantil/Havia o medo e a timidez/Todo lado em que você nunca viu". Neste verso, o cantor romântico Paulo Ricardo define com eloquência o sentimento da paixão.
Nesta entrevista ao Vya Estelar a terapeuta Maria do Carmo Fagundes, autora do livro Paixão, E.Gente, desvenda os mecanismos da paixão. Explica que este sentimento tem suas raízes na infância e tem, como foco central, a ilusão e a ausência de limites. Fala da diferença entre amor e paixão. Revela como se manifesta os diversos tipos de paixão e explica, baseado nesta ótica, porque o jornalista Antonio Pimenta Neves assassinou a sua ex-namorada Sandra Gomide.
Vya Estelar – O que é a paixão?
Maria do Carmo – O que caracteriza a paixão é a intensidade, a dose e o exagero da perda de limites em vários sentidos. Nela acontece uma enorme completude, certeza, segurança e valor de confirmação pessoal. O entusiasmo e admiração pelo outro não tem limites. Isto gera uma hiper-idealização do parceiro e a expectativa promissora que o apaixonado, cria em torno do relacionamento, onde não há nenhum obstáculo para atrapalhar a felicidade perfeita. A paixão é cega.
Vya Estelar – Isto significa que a paixão é um sentimento infantil?
Maria do Carmo – Sim. Inclusive a relação do bebê com a mãe é a raiz das situações de paixão. Para o bebê, existem apenas ele e a mãe. É muito comum observar este comportamento nos apaixonados.
Narciso é espelho
Isto tem a ver com o narcisismo. A pessoa apaixonada está deslumbrada consigo mesma. Exatamente como ocorria em seus tempos de bebezinho e que o outro é apenas um espelho que usa para refletir a si própria e para criar aquele estado de ilusão, no qual tenta buscar o bem estar pleno. É por isso que a pessoa apaixonada, além de jamais ver os defeitos do outro, ainda pode estar inventando, sem dar conta, a maioria das qualidades, ou exagerando apenas as qualidades que lhe interessam.
Vya Estelar – Qual a diferença entre paixão e amor?
Maria do Carmo – No amor você gosta, mas realmente conhece a outra pessoa e inclui aí a preservação de limites. Na relação amorosa enfrenta-se momentos de desencontro, frustração e até raiva às vezes. No amor você tolera, perdoa, cuida e espera. Somente um estado de amor nos permite tolerar e suportar nossas dificuldades, somada às dificuldades da pessoa amada. A paixão é uma ilusão é um espelho que reflete os estados ilusórios do ego.
Vya Estelar – Qual é o lado positivo de estar apaixonado?
Maria do Carmo – As experiências da paixão são essenciais para o desenvolvimento psíquico. Todas essas experiências têm uma função importante em nossa vida, no sentido de aproveitá-la e desfrutá-la melhor. Estar apaixonado é importante, o estado de sonho é antidepressivo e esta felicidade pode te impulsionar para a vida. Todos nós sentimos esta necessidade do impulso do sonho.
Vya Estelar – Qual é o aspecto mais perigoso da paixão?
Maria do Carmo – É a pessoa exagerar na dose e ficar sempre neste estado ilusório. Existem pessoas que passam a vida inteira de paixão em paixão. Abandonam um relacionamento e entram em outro assim que cai o primeiro castelinho e não amadurecem para o amor e para a vida.
Vya Estelar – A paixão seria um começo para o amor?
Maria do Carmo – O amor pode surgir de uma paixão ou de uma amizade. Nosso impulso natural é a necessidade de construir vínculo, porque precisamos da continuidade para dar suporte na vida. O impulso do vínculo é importante. As pessoas até adoecem menos e suportam tudo com mais facilidade. Você tem referência de si próprio, no vínculo com aquela pessoa. Só para dar um exemplo meio grosseiro. Você tem até aquela necessidade de vínculo em ir, por exemplo, tomar um cafezinho sempre na mesma padaria.
Vya Estelar – É verdade que a paixão dura menos que o amor?
Maria do Carmo – A paixão realmente não é duradoura. Porque assim que o sonho acaba, a paixão acaba.
Vya Estelar – Existiria um período médio para as pessoas estarem apaixonadas?
Maria do Carmo – Detesto falar em números. Cada caso é um caso. Uma paixão, pode durar 15 dias, seis meses ou até anos. O elemento desagregador da paixão é a rotina e a convivência. Uma pessoa que teve um final de semana paradísiaco, com outra, numa Vyagem de férias, e que depois ficam se correspondendo, sem se encontrar muito, podem sustentar esta paixão durante anos.
Fruto proibido
Um clássico exemplo é o dos amantes. Além do fetiche de exercitar o fruto do prazer proibido, só se encontram por curtos momentos para o culto ao prazer e a entrega. Não há espaço para o lado amargo. Já as pessoas que namoram, estudam ou trabalham juntas vão esvair este sentimento com muito mais rapidez. Logo, logo os castelinhos caem e o parceiro deixa de ser virtual para se tornar real.
Vya Estelar – Paixão é coisa de adolescente ou isto é um mito?
Maria do Carmo – Você pode se apaixonar em qualquer idade da vida. Porém, a paixão é mais comum nos adolescentes, porque o estado de mudança hormonal gera a dúvida "Quem sou eu?" A paixão faz parte de um processo de expansão da própria identidade. Até então, o adolescente só tinha a referência do pai e da mãe. Com a paixão, o adolescente passa a ser reconhecido fora do referencial dos pais.
Vya Estelar – Uma pessoa emocionalmente madura e mais bem resolvida, em vários aspectos da vida, se apaixonaria com menos facilidade?
Maria do Carmo – Sim. Porque a necessidade desta fantasia de completude é bem menor. A transferência de um estado de desamparo, respaldado em alguém, é menor. A pessoa amadurecida é mais preenchida. Quero deixar bem claro que a paixão não é uma coisa ruim. Sonhar é muito bom. O ruim é você criar uma relação de dependência em relação ao parceiro vivendo aquela paixão cega.
Vya Estelar – As pessoas apaixonadas sentem mais tesão e transam mais?
Maria do Carmo – Como tudo na paixão, não tem limites e medidas, é evidente que sim.
Vya Estelar – Como é a paixão por celebridades?
Maria do Carmo – Todas as pessoas, fãs do mesmo ídolo musical, evidentemente, estão apaixonadas por ele. Uns se contentam em ter meia dúzia de CDs e ir aos shows para satisfazerem sua paixão.
Idolatria alucinante
Outros vivem em estado de idolatria alucinante, assistem shows até fora de onde residem e pregam trinta fotografias no quarto. Podem até dedicar oito horas de seu dia, apenas para pensar no seu objeto de veneração. Segundo estudos da Universidade de Pisa (Itália) essas pessoas possuem baixo nível de seretonina – hormônios do prazer – e se aproximam de uma personalidade obsessivo compulsiva.
Vya Estelar – Como se estabelece a paixão por analistas, chefes, médicos e professores?
Maria do Carmo – A paixão por analistas, chefes, professores e médicos é uma questão de transferência. Essa paixão, como todas, é a mesma paixão do bebê pela mãe, na qual ela garante um estado de felicidade. A pessoa não está apaixonada pelo analista, pelo aquilo que ele é de fato, mas por si mesma. Apenas está projetando a si própria nele.
O caso Pimenta Neves
O caso do Antonio Pimenta Neves, ex-diretor de Redação do Estado de São Paulo, que assassinou a jornalista Sandra Gomide é um exemplo. Ele estava apaixonado por ele, ou seja, pelo poder ilusório que exercia sobre ela, já que ele era o chefe – Diretor de Redação – e ela era uma editora no jornal. Pimenta insinuou ser o responsável pela ascensão profissional dela, que não teria talento para as posições que ocupou.
Ele não suportou há idéia de perder este poder ilusório, quando ela deu um basta, dizendo que não queria mais o relacionamento, ele não suportou. O vazio foi tão grande que ele sentiu necessidade de matá-la.
Vya Estelar – O obcecado pelo trabalho exerce um sentimento de paixão em relação à sua carreira?
Maria do Carmo – Sim porque, da mesma forma, acontece uma situação de transferência e de fuga.
Vya Estelar – Quem muito se apaixona não aprendeu a amar?
Maria do Carmo – Com certeza, porque a pessoa não consegue sair do virtual e enxergar realmente como o parceiro é. Fato que não acontece no amor.
Vya Estelar – O amor `a primeira vista é uma paixão?
Maria do Carmo – Sim. Porque existe o encantamento.
Vya Estelar – Como os pais devem agir com aqueles adolescentes que vivem o tempo todo um grudado no outro?
Maria do Carmo – Com muito jeito e com diálogo estabelecer limites. Mostrar que é necessário que cada um tenha o seu próprio tempo tipo:
"Vamos estabelecer um horário para que seu namorado/a fique aqui em casa e é importante também que ele/a fique na casa dele/a".
É necessário que estes jovens preencham o tempo com atividades como ir a ginástica, e ir ao inglês…