por Monica Aiub
Epistemologia: a palavra episteme, de origem grega, significa ciência. Não a ciência tal qual a compreendemos a partir da Modernidade, mas a produção do conhecimento, a "descoberta da verdade", como buscavam os gregos no pensamento antigo.
Hoje, sinônimo de Filosofia da Ciência, a Epistemologia estuda o processo de produção do conhecimento científico, e num campo mais geral, como Teoria do Conhecimento, estuda o processo de construção do conhecimento, em suas mais variadas formas e especialidades. Assim, uma Epistemologia da Biologia, por exemplo, estuda os métodos e critérios utilizados para a produção do conhecimento em Biologia; uma Epistemologia da Psicanálise o faz com relação aos métodos psicanalíticos, e assim sucessivamente.
Em Educação, o estudo dos processos epistemológicos do aprendiz é de fundamental importância para que se possa construir uma pedagogia adequada às necessidades de cada contexto, de cada cultura. É comum, hoje, encontrarmos estudantes queixosos de seus estudos, com dificuldades na aprendizagem, mas também com dificuldades em concentrar-se, ou mesmo em motivar-se ao estudo.
As técnicas de memorização e retenção de informação, utilizadas em tempos passados, não nos são mais úteis cotidianamente, visto termos acesso a muitas informações de modo prático e democrático, como pesquisas na WEB, por exemplo. Assim, o que poderia ser um fator motivador aos estudos, passa a ser um modelo de aprendizagem ultrapassado, sem provocar o interesse dos estudantes. Por outro lado, o que fazer com tantas informações? Como selecioná-las? Que critérios utilizar para avaliar as fontes? São muitas as questões que se colocam.
Na clínica filosófica, pesquisamos os processos epistemológicos de maneiras diferentes. Epistemologia é, em filosofia clínica, em primeiro lugar, um tópico da Estrutura de Pensamento (clique aqui e leia). Nele observamos as diferentes maneiras como a pessoa conhece, seus modos de conhecer. Podemos perceber que uma mesma pessoa poderá ter diferentes caminhos para construir seus conhecimentos, dependendo do assunto em questão, dos contextos, das relações, e de muitos outros fatores em jogo.
Além disso, também utilizamos como procedimento de pesquisa clínica, para compreendermos o significado dos termos utilizados pela pessoa. Os chamados enraizamentos são procedimentos epistemológicos, que buscam compreender o que cada termo significa à pessoa, assim como seus processos de atribuição de significados por ela utilizados.
Outra acepção do termo Epistemologia encontra-se no *Submodo (clique aqui e leia)
Epistemologia: Quando a pessoa lida com suas questões buscando, construindo, produzindo conhecimentos. Isto pode ser feito de variadas maneiras. Cabe ao filósofo clínico pesquisar os modos usuais daquela pessoa, caracterizando as diferenças apresentadas em cada contexto.
Ainda, quando uma pessoa não possui formas suficientes para lidar com suas questões, mas possui abertura à aprendizagem, o estudo de suas formas de conhecimento poderá ser de grande valor para a aprendizagem de novos Submodos.
Epistemologia do riso
Entre as diferentes formas de produção de conhecimento que utilizamos hoje, encontramos o riso, o cômico, a comicidade, que será nosso foco aqui. Em que o riso se diferencia de outras formas de construção do conhecimento? Por que cursinhos, programas educativos, palestrantes fazem uso do riso como uma forma de apresentação de seus conteúdos?
"Razoável, a seu modo, até em seus maiores desvios, metódica em sua loucura, sonhadora, se me permitem, mas capaz de evocar em sonhos visões que são prontamente aceitas e compreendidas por toda uma sociedade, por que a invenção cômica não nos daria informações sobre os procedimentos de trabalho da imaginação humana e, mais particularmente, da imaginação social, coletiva, popular? Oriunda da vida real, aparentada com a arte, como não nos diria ela também uma palavra sua acerca da arte e da vida?" (BERGSON, 2007:2)
O filósofo Henri Bergson, em sua obra, O Riso, aponta como risível aquilo que se apresenta de maneira rígida, inflexível, automatizada, repetitiva, quando deveria ter flexibilidade em seus movimentos. Apresentando a tensão e a elasticidade como duas forças complementares presentes na vida, e uma tendência humana à acomodação aos automatismos, o riso teria, para o filósofo, além de uma função estética, a função pragmática de nos provocar maior elasticidade e, consequentemente, aperfeiçoamento.
Assim, o cômico opõe-se ao trágico trazendo-lhe mobilidade, possibilidades. O riso é a surpresa, o inusitado, o que se coloca para além das regras, flexibilizando a lógica, aproximando-se mais da lógica dos sonhos.
Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche propõe que aquele que se aproxima de sua finalidade dança e ri, ri de si mesmo, ri para além de si. Afirma ele:
"Fazei como o vento, quando se precipita das suas cavernas montanas: quer dançar ao som do seu próprio assovio e os mares estremecem e trepidam sob o bater dos seus pés. (…) É isto o que tendes de pior, ó homens superiores: que nenhum de vós aprendeu a dançar como convém – a dançar para além de vós mesmos! Que importância tem, se vos malograstes! Quantas coisas ainda são possíveis! Aprendei, portanto, a rir para além de vós mesmos! Levantai vossos corações, ó exímios dançarinos, bem alto, mais alto! Sem esquecer-vos, tampouco, do bom riso! (…) Ó homens superiores, aprendei – a rir!"
Você já aprendeu a rir? A rir de si mesmo? A rir de sua rigidez e, com o riso, flexibilizá-la a ponto de dançar? Você aprende com o cômico? Com esse dado estético? Consegue rir de uma caricatura de si mesmo? Este pode ser um bom caminho para não cair nos automatismos que enrijecem a vida e distanciam dos sonhos. Mas não é o único caminho. Prossigamos em nossas pesquisas epistemológicas.
Como você conhece? Como identifica, em você, quando se aproxima de seus objetivos? Conhecer é, para você, um processo prazeroso? Útil? Eficaz? Buscar conhecimentos, aproxima ou afasta você das melhores maneiras para lidar com seus problemas?
É preciso destacar que, apesar de ser uma forma de conhecimento muito usual na atualidade, não há uma regra geral que torne o riso o melhor caminho epistemológico. Se você não vê graça em muitas das piadas que ouve, talvez Bergson possa explicar os motivos: o riso exige uma partilha social.
"Por mais franco que o suponham, o riso esconde uma segunda intenção de entendimento, eu diria quase de cumplicidade, com outros ridentes, reais ou imaginários. Quantas vezes já não se disse que o riso do espectador, no teatro, é tanto mais largo quanto mais cheia está a sala; quantas vezes não se notou, por outro lado, que muitos efeitos cômicos são intraduzíveis de uma língua para outra, sendo portanto relativos aos costumes e às idéias de uma sociedade em particular?"
Desta forma, podemos encontrar grupos inteiros que vivem a comicidade de caricaturas que para nós não fazem sentido; que riem de piadas que não entendemos; que aprendem, pelo inusitado que provoca a flexibilidade, aquilo que para nós se coloca como apenas a repetição mecânica de um vício incorporado.
A questão não é simplesmente desenvolver o senso de humor, aprender a rir, a dançar. Este pode ser um interessante caminho de aprendizagem, principalmente se o utilizarmos para flexibilizar o que nos enrijece e atrapalha o movimento da vida. Mas também é possível que aprendamos com o trágico, com o sério, com a dor. Qual caminho você prefere? Melhoremos a questão: em que momentos você escolhe um ou outro caminho?
*Submodo: Em filosofia clínica, as formas, os modos que utilizamos para lidar com nossas situações são denominados submodos.
Referências Bibliográficas:
AIUB, M. Para entender Filosofia Clínica: O apaixonante exercício do filosofar. 2 ed. Rio de Janeiro: WAK, 2008.
BERGSON, H. O riso: Ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra: Um livro para todos e para ninguém. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.